"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 11 de fevereiro de 2018

PERCA TEMPO 11 FEV


Caos organizado - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 11/02

Como atletas não param de correr, equipes têm vários sistemas táticos nos jogos

Existem jogadores confusos, que tomam, quase sempre, decisões erradas, mas que, de vez em quando, fazem lances belíssimos. São muito bons somente nos melhores momentos da TV. São mais elogiados do que merecem. Outros, ao contrário, são lúcidos, erram pouco, executam bem o que foi planejado, mas, raramente, fazem algo diferente. São ruins nos melhores momentos e bons para os treinadores. Deveriam ser mais reconhecidos. Há ainda os pouquíssimos que tomam as decisões certas e que têm muitos momentos espetaculares e decisivos. São os craques.

Tempos atrás, apenas os times pequenos e inferiores recuavam, para marcar com oito a nove jogadores mais próximos à área e tentar o contra-ataque. Uma das mudanças no futebol mundial foi que mesmo as grandes equipes passaram a fazer o mesmo. Alternam essa marcação com a mais adiantada, por pressão, com o domínio da bola e do jogo. São times ofensivos e defensivos. Propõem o jogo e são reativos, expressões da moda. Isso não ocorre de supetão ou por desespero, quando a equipe está vencendo ou perdendo. É treinado, feito de rotina.

O Barcelona, que fascinou o mundo com um jogo ofensivo, uma marcação mais à frente e sempre com muitos jogadores no campo adversário, aderiu à estratégia atual da maioria dos grandes times. Em vez de um trio no meio-campo, joga com dois volantes e um meia de cada lado. Os laterais ficaram mais protegidos. O time sofre menos gols e tem sido extremamente eficiente, sobretudo porque tem Suárez e Messi.

O Manchester City é a única equipe do mundo que joga, com sucesso, sempre com a defesa adiantada e com a bola no campo adversário. Mas tenho dúvidas se funcionará bem contra os melhores atacantes e times, como Barcelona, Real Madrid, PSG e Bayern. Quando Guardiola dirigia o Bayern, o time foi eliminado duas vezes pelo Real Madrid e outra pelo Barcelona na Liga dos Campeões. Messi, Neymar e Cristiano Ronaldo aproveitaram os muitos espaços na defesa e deram show.

O mundo e o futebol estão sempre em transformação. O que vemos hoje são pequenos detalhes de mudanças que ocorrem há muito tempo. Assim como no envelhecimento, não percebemos a evolução e, de repente, levamos um susto.

Na Copa, o Brasil vai encarar defesas organizadas, com oito ou nove jogadores recuados e perto da área. Além do talento dos meias e atacantes e das infiltrações de Paulinho, o time pode precisar também, em alguns momentos, do avanço do volante, Casemiro ou Fernandinho, como em seus clubes.

Não há mais razão de analisar os sistemas táticos das equipes pelos números e pelo desenho na prancheta. Falam sempre que o Brasil joga no 4-1-4-1, os números da moda. Até pouco tempo atrás, era o 4-2-3-1. Se alguém falar que o Brasil atua no antigo 4-3-3, também estará certo, pois são quatro defensores, três no meio e três na frente.

Como os jogadores não param de correr e têm mais de uma função, cada equipe tem vários sistemas táticos em uma partida. É o caos organizado. O sistema tático serve apenas de referência para técnicos professores darem palestras acadêmicas, para comentaristas mostrarem que estão atualizados e para as TVs exibirem o desenho tático antes dos jogos, embora, com frequência, o sistema tático seja bem diferente do que foi programado pelos técnicos.














O sucesso da reforma trabalhista - EDITORIAL O ESTADÃO



ESTADÃO - 11/02

Nova legislação vai sendo consolidada com mais rapidez e menos resistência do que se imaginava

As últimas estatísticas da Justiça do Trabalho, elaboradas com exclusividade para o Estadão/Broadcast, revelam que a entrada em vigor da reforma trabalhista, em 11 de novembro do ano passado, teve dois efeitos esperados. Procurando beneficiar-se da anacrônica legislação herdada da ditadura varguista, vários reclamantes se apressaram para ajuizar ações até a primeira semana de novembro. E como a nova legislação modificou os critérios para o acolhimento de reclamações judiciais, aumentando o rigor no acesso ao Poder Judiciário, a partir de dezembro o número de novos processos caiu drasticamente.

Em média, segundo os números do Tribunal Superior do Trabalho (TST), as Varas Trabalhistas de todo o País receberam no último triênio de 2015 e 2016 cerca de 200 mil novas reclamações por mês. Por causa da reforma trabalhista introduzida pela Lei n.º 13.467, entre setembro e a primeira semana de novembro de 2017 foram protocoladas 289,4 mil. Já no mês de dezembro, foram propostos apenas 84,2 mil novos processos - um volume muito inferior à média. No mesmo período, no Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região, que é o maior do País, englobando a Grande São Paulo e a Baixada Santista, o número de novas ações caiu para menos de 500 por dia. Antes da reforma, a média diária era superior a 3 mil e, no dia anterior ao da entrada em vigor da lei, chegou a quase 13 mil.

Um dos fatores responsáveis por esse fenômeno é de caráter financeiro. Pela legislação anterior, os custos de propositura de uma ação trabalhista contra empresas, por parte de empregados, eram mínimos. Além disso, no caso de não acolhimento de suas demandas, a parte derrotada não era obrigada a pagar honorários de sucumbência à parte vencedora. Na prática, isso estimulava uma litigância irresponsável, levando muitos empregados a fazer acusações infundadas aos empregadores, pedindo altos valores para negociar na primeira audiência o recebimento de quantias menores.

Para coibir essa prática e desestimular demandas judiciais nas quais as possibilidades de sucesso são remotas, a reforma trabalhista obrigou a parte derrotada a pagar as custas processuais, as perícias e os honorários dos advogados da parte vencedora. Também determinou que os trabalhadores indiquem com precisão, já na petição inicial, os direitos pleiteados e a indenização requerida.

Outro motivo da queda do número de novas ações trabalhistas envolve as incertezas dos advogados e dos reclamantes sobre como as novas regras serão julgadas pelas diferentes instâncias da Justiça do Trabalho. Envolve, igualmente, dúvidas com relação ao alcance que terão as decisões que o Supremo Tribunal Federal (STF) adotar ao julgar as 16 ações diretas de inconstitucionalidade impetradas pela Procuradoria-Geral da República, por entidades sindicais e por associações de juízes contra determinados artigos da Lei n.º 13.467. “Advogados e reclamantes preferiram lidar com o conhecido e evitar o desconhecido. Com a reforma é natural aguardar algum tempo para se ter mais elementos na condução dos novos processos”, diz Estêvão Mallet, professor de Direito do Trabalho da USP.

Para evitar incertezas e acelerar a implementação da reforma trabalhista, o TST prometeu adequar suas súmulas e sua jurisprudência à Lei n.º 13.467. Uma das questões mais importantes é saber se as novas regras podem ser aplicadas às ações protocoladas antes da entrada em vigor desse texto legal. O governo entende que a reforma abrange todos os contratos de trabalho vigentes. Na Corte, porém, há ministros que afirmam que elas só se aplicam aos contratos firmados depois de 11 de novembro.

Ainda que os trabalhos de modernização das súmulas e da jurisprudência do TST possam demorar e o STF não tenha fixado a data do julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade contra artigos da Lei 13.467, o fato é que a reforma trabalhista vai sendo consolidada com mais rapidez e menos resistência do que se imaginava.





Economia 4.0 x políticos 0.0 - CLÓVIS ROSSI



FOLHA DE SP - 11/02

Está em curso uma revolução industrial instigante mas assustadora que não entra na agenda da política

Roubo frase desta semana do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa: "Não podemos querer uma economia 4.0 com políticos 2.0". Vale para Portugal, vale para a União Europeia (o gancho para o discurso do presidente), vale para o Brasil, talvez ainda mais.

Com uma única ressalva: suspeito que a maioria dos brasileiros acha que os políticos da terra não são nem 2.0. Talvez sejam 0.0.

No discurso do qual roubei a frase, Marcelo falava sobre as implicações do que se costuma chamar de quarta revolução industrial e dizia que não adianta estar sempre a falar de inovação e tecnologia com uma classe política do século passado.

O pior é que, no Brasil, não são apenas os políticos que são século 20 (alguns, até anteriores), mas também a agenda.

Reforma da Previdência, por exemplo, o tema que ocupa o noticiário político nos últimos muitos meses, é um assunto que já deveria ter sido encerrado no século passado.

Mais: por necessária e até indispensável que seja uma reforma previdenciária (a que está na pauta ou alguma outra melhor), o fato é que ela não vai preparar o país para o que o presidente português chamou de economia 4.0.

Essa revolução tem, claro, seu lado luminoso, mas também apresenta perigo, como relatado em "World Post", boletim semanal publicado em parceria por "Washington Post" e Instituto Berggruen: "Na medida em que o desemprego se reduz e a pressão para o aumento salarial sobe na era do capitalismo digital, a automação do trabalho por máquinas inteligentes vai se acelerar. Isso, em contrapartida, reforçará uma tendência já em andamento: o divórcio entre emprego e produtividade e criação de riqueza. A desigualdade então se aprofunda na medida em que a riqueza se concentra entre aqueles que detêm os robôs, por assim dizer, enquanto aqueles que só têm o trabalho para vender crescentemente se esfalfam para conseguir uma renda para viver por meio de bicos precários".

Esse é apenas um dos ângulos da economia 4.0. Eu adoraria que a academia brasileira e os institutos de estudos dos partidos promovessem debates como o que está agendado para terça-feira (13) pelo Royal Institute of International Affairs, mais conhecido como Chatham House, em Londres.

Chama-se "Capitalismo sem capital - A ascensão da economia intangível". O debate girará em torno do que a Chatham House chama de "silenciosa revolução" ocorrida já no início do século: o fato de que as maiores economias desenvolvidas começaram a investir mais em ativos intangíveis --como design, marcas, software e pesquisa e desenvolvimento-- do que em ativos tangíveis, como maquinaria, prédios e computadores.

O título do debate foi tirado de livro recente lançado por Jonathan Haskel e Stian Westlake (os dois debatedores), no qual chamam a atenção para o fato de que a ascensão de ativos intangíveis é "uma das causas pouco analisadas de fenômenos como desigualdade econômica ou estagnação da produtividade".

Nada disso entrou na pauta dos políticos brasileiros. Não merecem portanto nem o rótulo de "políticos 2.0". Vamos ficar mais e mais para trás.










Paralisia (in)decisória? - PEDRO MALAN



ESTADÃO - 11/02

O Brasil falha em se preparar. E crescem os riscos de esperar o carnaval - de 2019...

“Falhar em se preparar é preparar-se para falhar”, escreveu Benjamin Franklin, um dos pais fundadores da democracia norte-americana. A observação vale para indivíduos e organizações, mas também para países que estejam a viver momentos definidores. Como o Brasil nesta transição de 2018 para 2019 e adiante. Para muitos, o “ano da virada” será 2019 - o primeiro de um governo recém-saído das urnas, dotado de legitimidade e capital político, capaz de tomar decisões difíceis e avançar na agenda de reformas com o Congresso.

Na verdade, para que 2019 seja “ano de virada” é fundamental que 2018 também o seja. Quatro episódios de nossa história recente permitem compreendê-lo. Em meados de 1993, a inflação caminhava para mais de 2.000% ao ano e o descalabro das contas públicas era evidente; o Brasil não tinha a opção de esperar as eleições de outubro de 1994 e a posse, no começo de 1995, de um novo governo que então decidisse o que fazer. Assim como não podia, em meados de 1998, esperar o início de 1999 para adotar medidas drásticas de ajuste, anunciar seu programa fiscal para o triênio 1999-2001 e sinalizar a decisão de buscar apoio internacional para esse programa. Em meados de 2002 o Brasil não podia esperar o início de 2003; os riscos eram muito claros desde abril/maio e levaram a uma preparação para não falhar que permitiu transição civilizada entre o governo que saía e o que entrava - que fez muito bem a este último e ao País por vários anos.

O quarto episódio ilustra não um êxito, mas um fracasso. Em 2014 o Brasil falhou em se preparar - ou se preparou para falhar -, apesar dos inúmeros alertas de que a política econômica era insustentável e teria de mudar, qualquer que fosse o resultado das urnas de outubro daquele ano, aí incluída a eventual reeleição de Dilma Rousseff. A mudança veio no mês seguinte às eleições, quando era tarde demais. A recessão, iniciada em abril de 2014, só terminaria em dezembro de 2016 - após quase 10% da queda na renda per capita e 13 milhões de desempregados.

Encontramo-nos desde então em modesta, mas consistente recuperação cíclica, para a qual contribuiu a condução da política econômica. 2018 será um ano melhor que 2017, por sua vez melhor que 2016. Mas está claro que a sustentabilidade dessa recuperação depende fundamentalmente de avanços no processo de mudança e reformas. Este depende, por sua vez, de avanços na percepção da opinião pública, antes das eleições, sobre a natureza dos desafios. Quanto mais as dificuldades forem escamoteadas na campanha eleitoral, mais tortuoso será esse processo.

O risco de falhar em nos prepararmos é especialmente dramático em duas grandes áreas.

A primeira é a das finanças públicas. O equacionamento de sua insustentável situação exige que candidatos a presidente e a governador que se levem a sério se proponham a conhecer o nível e a composição de despesas, receitas e endividamento, respectivamente, do País e de seus Estados. Que mostrem a seus eleitores estar cientes da gravidade do problema e empenhados em enfrentá-lo, sugerindo linhas de ação e demonstrando disposição de buscar pessoas honestas e tecnicamente competentes para a empreitada. Será impossível evitar um debate sério sobre Previdência, a despeito do barulho das corporações.

A segunda grande área é a educação - que constitui o maior desafio na definição de nosso futuro neste século 21. Com foco no que é fundamental: a redução da desigualdade de oportunidades nos anos iniciais de formação. A exemplo do debate sobre finanças públicas, também aqui tem havido progresso no entendimento dos desafios. Mas tem faltado foco no que importa: a redução das desigualdades na distribuição de renda e de riqueza passa, necessariamente, pela redução das desigualdades na distribuição de oportunidades. Aprendizado de qualidade nas idades certas nas áreas de leitura, escrita e noções básicas de matemática e de ciências. Nosso sistema educacional é regressivo do ponto de vista da distribuição de oportunidades; o problema não se resolve no âmbito do ensino superior ou médio, porque então já é demasiado tarde.

Observações importantes de duas pessoas de diferente formação política ilustram as possibilidades de diálogo sobre essa que é uma das tragédias brasileiras. O atual secretário municipal de Educação do Rio de Janeiro, César Benjamin - responsável por 1.530 escolas, 650 mil alunos, 43 mil professores e 25 mil funcionários -, foi direto ao ponto: “Uma criança/adolescente que não aprendeu leitura e escrita e noções básicas de matemática já é um excluído”. Na mesma linha se pronunciou Simon Schwartzman, um de nossos mais respeitados especialistas no tema: “Uma criança que chegar aos 10/11 anos de idade numa escola precária, que não aprendeu a ler nem escrever, não tem futuro”. Ambos se referem, naturalmente, a este mundo em que o vertiginoso processo de “destruição criadora” em tecnologia de informação, robotização e inteligência artificial tende a marginalizar pessoas desprovidas das qualificações mínimas requeridas.

É domingo de carnaval e não quero aborrecer o leitor com números. Basta dizer que as duas observações citadas têm base em amplas evidências empíricas, como a Avaliação Nacional de Alfabetização, que cobre milhares de alunos de 8/9 anos e cerca de 2 mil escolas públicas; e a pesquisa da OCDE (Pisa), que cobre alunos de 15 anos de mais de 60 países do mundo. Têm amparo também em pesquisa oficial recente que compara pais e filhos em termos dos respectivos níveis de educação e renda - e mostram o desastre que é o analfabetismo funcional no Brasil. (Vejam a esse respeito o excelente artigo de João Batista de Oliveira Analfabetismo no Século 21, publicado em 27/1.)

Estamos falhando em nos preparar. Serão crescentes os riscos de esperar o carnaval - de 2019 - chegar. E passar.

* ECONOMISTA, FOI MINISTRO DA FAZENDA NO GOVERNO FHC.

Sem alívio - EDITORIAL FOLHA DE SP



FOLHA DE SP - 11//02

Mesmo com o impulso que o fim da recessão pode dar às receitas, governadores precisarão apertar os cintos para equilibrar suas contas
Com salários atrasados, funcionários públicos em greve e sem dinheiro para pagar fornecedores, vários governadores enfrentaram momentos difíceis durante a prolongada recessão que o país atravessou nos últimos anos.

É de esperar que a recuperação da atividade econômica dê algum alívio aos seus cofres, mas a situação da maioria dos Estados parece longe de oferecer conforto.

Levantamento feito por esta Folha indica que a arrecadação cresceu um pouco no ano passado, após dois anos seguidos de perdas, mas mostra que a tênue melhora ocorreu de forma desigual.

Em metade dos Estados, as receitas aumentaram em ritmo inferior ao da baixíssima inflação verificada no último ano —ou seja, em termos reais, elas encolheram.

As despesas estão congeladas em patamar elevado, e pelo menos seis governos informaram que seus gastos com pessoal continuam acima dos limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal --um sinal dos obstáculos que encontram na busca do equilíbrio.

A principal ameaça à saúde financeira estadual é o aumento das suas despesas com aposentados e pensionistas, que há tempos vêm crescendo num passo mais acelerado que o de outros gastos.

Os que lidam com situação financeira mais frágil, como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, elevaram a contribuição previdenciária recolhida dos servidores. Mas somente reformas mais amplas poderiam frear as despesas.

Parecem cada vez mais duvidosas as chances de aprovação da proposta que o governo federal negociou com o Congresso. Ainda que ela prevaleça, seu impacto será mitigado em virtude de concessões feitas pelo Palácio do Planalto em benefício de policiais e professores, categorias que pesam na folha dos Estados.

Há outros riscos à frente. Governos que se endividaram muito antes da crise e renegociaram o índice de correção de seus débitos com a União terão as parcelas de pagamento reajustadas em breve.

Além disso, por imposição legal, os governadores, que encerrarão seus mandatos neste ano, não poderão pendurar despesas para o ano seguinte, jogando a conta para os sucessores. Isso tornará ainda mais complicada a gestão dos próximos meses.

Mesmo que o fim da recessão dê impulso à arrecadação de impostos, tudo indica que será insuficiente para que os mandatários ponham suas contas em ordem. Políticos que planejam disputar as eleições deste ano nos Estados deveriam se preparar para moderar expectativas e apertar os cintos.










Adiar a reforma é garantir que ela será mais dura - EDITORIAL O GLOBO



O GLOBO - 11/02


É ilusório achar que o adiamento constante das mudanças e sua atenuação levarão a um ajuste mais leve. Pelo contrário, devido ao agravamento galopante da situação

O sonho do parlamentar populista é só aprovar projetos de alta popularidade, por certo. Infelizmente para ele, a vida real é bem outra, pela impossibilidade física de os governos só distribuírem benesses. É sempre necessário algum ajuste nas contas públicas, para evitar desequilíbrios que resultem em inflação, recessão e desemprego. E em eleitores desiludidos.

Mesmo assim, o viés populista da política brasileira continua ativo, mais ainda em ano eleitoral. As dificuldades nas negociações em torno do projeto da minirreforma da Previdência, surgidas em maio do ano passado na descoberta do envolvimento de Michel Temer com o empresário Joesley Batista, se tornaram maiores.

Faltam lideranças que expliquem a deputados e senadores que quanto mais obtiverem concessões do governo para afrouxar a reforma, apenas estarão adiando apertos na legislação previdenciária que terão de ser mais fortes.

Além disso, as demandas que são apresentadas de mudanças na proposta vêm de conhecidos grupos organizados, representantes, em sua maioria, de castas do funcionalismo. Bem como de segmentos do mundo sindical, com trânsito entre políticos.

Foi assim que um dos primeiros recuos do Planalto ocorreu na aposentadoria rural, em que se voltou atrás em tudo: limite de idade maior e tempo ampliado de contribuição. Políticos nordestinos ganharam a queda de braço, assim como sindicatos rurais, cartórios que distribuem certificados de que o aspirante a aposentado foi de fato agricultor.

Por isso, o déficit na aposentadoria rural passa dos R$ 100 bilhões anuais — mais da metade do déficit total. Cerca de 30% das aposentadorias são obtidas por decisão judicial, e há uma curiosa desproporção entre supostos agricultores aposentados e a população do campo. Basta registrar que o trabalhador rural representa menos de 10% da população economicamente ativa, mas os benefícios são bem mais do que isso no total pago pelo sistema previdenciário. Há evidências fortes de fraudes, o que não interessa a políticos que ordenham votos neste curral. O contribuinte que pague a conta.

O servidor público federal é indiscutivelmente privilegiado na aposentadoria: um milhão deles gera um déficit de R$ 86 bilhões, enquanto 30 milhões de aposentados da iniciativa privada respondem por um rombo de R$ 182 bilhões. A desproporção é nítida. Faz sentido, porque enquanto a aposentadoria média no INSS é de R$ 1.240, no serviço público federal chega a R$ 7.583.

E ainda há lobbies para que o governo faça mais concessões aos servidores. Como no caso daqueles que trabalhavam antes de 2003, quando foi suprimida a integralidade (aposentadoria com o último salário) e a paridade (receber os aumentos concedido aos servidor da ativa). Querem ceder o mínimo, e assim corroem um dos objetivos centrais da reforma: a redução dos desníveis entre os benefícios.

O economista José Márcio Camargo diz que o “plano B” desta reforma é mais duro, porque a degradação das contas previdenciárias — esta despesa já consome mais da metade dos gastos — é galopante. Não há dúvida.

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