"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 11 de fevereiro de 2018

CINEMA, FUTEBOL E SOLIDÃO

A TV reduziu cinema e futebol às suas proporções mais exíguas
Cinema e futebol, duas das mais populares formas de entretenimento, padecem hoje dos mesmos problemas. Ou quase. Os dois implicam em que o espectador saia de casa para fruir dos seus espetáculos e esse se tornou o maior de seus problemas. De fato, cinema e futebol vêm lutando desesperadamente para arrancar as pessoas de sua solidão caseira e levá-las às salas e aos estádios. O problema não surgiu hoje. Talvez tenha aparecido quando o primeiro aparelho de televisão foi posto à venda.

Desde o início alarmou profundamente produtores e exibidores de filmes, os mais pessimistas já vendo seus dias contados. Quanto ao futebol, pelo menos no Brasil, levou um pouco mais de tempo para os responsáveis pelo esporte se darem conta do perigo.

Não por outra razão, o futebol, que vinha desde o início transmitindo graciosamente todos os domingos as partidas, tenha sido proibido de fazê-lo, sobretudo grátis. Hoje as coisas se definiram: cinema e futebol são atividades para serem vistas em casa.

A luta das duas modalidades ainda continua, mas é evidente a perda de público tanto de um quanto de outro.

Maracanã e Morumbi, só para lembrar os dois maiores estádios do País, tiveram seus lugares drasticamente diminuídos. Salas de cinema, por sua vez, foram divididas em três salinhas, às vezes quatro, num lugar onde só havia uma. O cinema sempre tentou novidades técnicas para se manter: telas imensas, som cada vez mais espetacular, cinemascope, três dimensões, etc.

O futebol ultimamente também, desesperado, se vale da tecnologia do momento em arenas que se transformam elas mesmas no espetáculo e na maior razão do público frequentá-las para admirar linhas arquitetônicas ultramodernas e conforto de “primeiro mundo”. Nada impede, entretanto, que, como número de espectadores, elas apenas cheguem aos quarenta mil nos jogos importantes. Em décadas passadas, quarenta mil espectadores o Corinthians punha no Pacaembu jogando contra, por exemplo, a Ferroviária numa quarta, num jogo de Estadual.

A luta pela reconquista desse público cativo da televisão necessita de invenções constantes. São novas competições, são aumentos de prêmios em dinheiro por conquistas outrora de relativo valor até simbólico, são novas rivalidades forjadas onde antes não havia nenhuma. E no fundo tudo isso acaba servindo exatamente à televisão, como o cinema, inteiramente subjugado pela TV e suas regras, modalidades de espetáculo e “plataformas”. A tela de TV reduziu cinema e futebol às suas proporções mais exíguas e não estou falando só do tamanho das telas. As ruas estão mais vazias. Contribui com isso o quase deserto em que se transformaram as imediações dos estádios e a frente dos cinemas. Fazia parte do espetáculo as multidões que aguardavam nas calçadas, fora dos estádios e das salas. Elas talvez fossem mais interessantes do que o próprio espetáculo. Aquelas pessoas reunidas sem se conhecerem, todas com uma só coisa em comum que era a ânsia pelo início do que ia começar ocorrer em pouco tempo, olhares um pouco aflitos, expressões de expectativa inquieta. No fundo ninguém se incomodava com filas e aperto nas portas dos cinemas ou estádios.

Era até motivo de quase satisfação, quase endosso do acerto de nossa escolha e da qualidade do que se estava por ver. A saída dos cinemas e estádios mostrava clima sutilmente diferente. Podia-se ler nas expressões quando o filme era bom ou o jogo inesquecível, as marcas da emoção que permanecia rua afora. Os bares se enchiam e horas depois dos jogos e filmes havia gente discutindo atores e craques. Isso é cada vez mais raro, para não dizer que desapareceu. O fato é que estamos acostumados à solidão diante da TV.


11 de fevereiro de 2018
ugo giorgetti, Estadão

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