O relógio marcava 20h30m, quando o líder do PSDB subiu à tribuna do Senado. Ele criticou duramente a tese de que o Legislativo abdicaria do seu poder, caso aceitasse a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a prisão de um senador acusado de corrupção e de obstrução à Justiça na Operação Lava-Jato:
“Dizem que estamos diante de uma ofensa, ou poderíamos estar diante de ofensa, ao mandato. Ora, a imunidade parlamentar não é um patrimônio pessoal. Ela protege o exercício do mandato dentro dos parâmetros definidos pela Constituição, pela moralidade. Ela não confere o direito de abusar do mandato”.
PÓS-DITADURA – Continuou: “A Constituição previa uma regra absoluta na proteção da imunidade parlamentar, e essa regra se justificava: o Brasil saía de uma ditadura (…) Mas, em 2001, a democracia estava consolidada. E foi por isso que, a partir da Câmara dos Deputados, na gestão de Aécio Neves, promovemos uma mudança, dizendo que, a partir daquela data, o parlamentar podia, sim, ser processado criminalmente, independentemente de autorização do Congresso, sendo julgado pelo Supremo”.
E concluiu: “Ora, se o parlamentar pode, e deve ser julgado pelo Supremo, não seria admissível entender-se que, podendo o Supremo exercer a jurisdição criminal sobre um parlamentar, fosse privado do poder de exercer medidas cautelares para, justamente, garantir a sua jurisdição. É óbvio!”
Líder do PSDB, Aloysio Nunes Ferreira sorriu diante do senador Aécio Neves. Naquela quarta-feira, 25 de novembro de 2015, 80% dos senadores apoiaram a decisão do Supremo de prender o líder do PT, Delcídio do Amaral.
A VEZ DE AÉCIO – Dezesseis meses depois, na sexta-feira 24 de março deste ano, Aécio foi flagrado tomando R$ 2 milhões do empresário Joesley Batista. Malas de dinheiro foram rastreadas com a pessoa por ele escolhida — “um que a gente mata eles antes dele fazer delação”, disse na gravação.
Documentos e depoimentos indicam que o senador mineiro recebeu R$ 60 milhões em propina do grupo J&F na temporada eleitoral de 2014, quando dizia que sua vitória na disputa presidencial significaria “um não à corrupção”. A lavagem do dinheiro foi realizada com notas frias emitidas a empresas indicadas por ele e em repasses a partidos que o apoiaram — contou Batista em juízo. Como contrapartida, “usou o seu mandato para beneficiar” empresas controladas pela família Batista.
Na gravação, Aécio detalhou um plano para induzir o Legislativo à obstrução e à manipulação da Justiça, com o suposto respaldo do presidente Temer: “Eu estive ontem com o Michel para saber também se o cara vai bancar, entendeu? Ele disse que banca.”
CRISE INSTITUCIONAL – Semana passada, o Supremo afastou Aécio do mandato e determinou que durma em casa — medida cautelar, alternativa à prisão. Ele iniciou um levante contra o STF no Senado como tática de defesa. Alega ofensa ao mandato, embora a imunidade parlamentar tenha deixado de ser patrimônio pessoal há 16 anos. Como não é possível rever decisões do Supremo no Legislativo, a estratégia de defesa de Aécio prevê uma crise institucional.
Anuncia-se que o tribunal pode dar meia-volta. Nesse caso, correria o risco de carbonizar a reputação, origem de sua autoridade. O preço da efêmera harmonia seria uma mensagem de impunidade à sociedade: o uso da lei para proteger os que até agora dela conseguiram escapar.
04 de outubro de 2017
José Casado
O Globo
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