A menina foi instada a se aproximar do homem nu
O que é arte não é ridículo nem constrangedor. O que é ridículo e constrangedor não é arte. Num espaço público, famoso e muito frequentado, como é o Museu de Arte de São Paulo (Masp), a plateia de visitantes entra e dá de cara com um homem nu deitado no chão, braços abertos e imóvel. O que existe de artístico nisso? A obra do Criador é que não é. Os corpos humanos são os mesmos e igualíssimos na forma e na anatomia, desde a criação. Esta, sim, arte divina e transcendental. E cada um de nós é um seu exemplar que não precisa ficar exposto, porque curiosidade também não é. Sim, exposto e também protegido.
Quando a criança nasce, o primeiro gesto é cobrir o bebê. E até no ventre materno o bebê está protegido, porque coberto pela placenta. E eis que surge uma criança de 4 ou 5 anos de idade. Engatinhando, a criança chega perto do corpo e o toca. Foi o que aconteceu na terça-feira (26/9), na estreia de um chamado “Panorama de arte Brasileira” no Masp.
PROPÕE REFLEXÃO – Segundo seus idealizadores, a Bienal aborda “a arte no país e propõe reflexão sobre a identidade brasileira”. Pronto, o vídeo do corpo nu estendido no chão e a criança nele tocando circula na internet e começou a polêmica. Uns, achando nada de mais. Outros, desaprovando. Ouvidas, falaram as chamadas autoridades. E parece que a promotoria pública da Infância e Adolescência de São Paulo vai investigar o caso, administrativamente, como declarou nesta segunda-feira (2/11) o desembargador doutor Malheiros, do Tribunal de Justiça de São Paulo. O MP quer saber se houve violação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Nada de puritanismo. Nada de conservadorismo nem de escrúpulo, nem de austeridade em excesso, embora uma boa dosagem de ambas (escrúpulo e austeridade) é sempre bem-vinda e não faça mal a ninguém. A questão diz respeito à arte e à defesa do pudor, dos adultos e das crianças.
QUAL IDENTIDADE? – Que “reflexão sobre a identidade brasileira” pode produzir a exposição pública de um homem nu e imóvel deitado no chão?. Talvez a reflexão sobre a consequência da violência urbana que, diariamente e há anos, causa muitas mortes cujos corpos são levados para os Institutos Médicos Legais e lá ficam assim, como ficou exposto o corpo daquele homem no chão do Masp: completamente nu, para que os exames cadavéricos sejam feitos pelos médicos legistas. Igualzinho, igualzinho.
Quem já viu o que se passa nos necrotérios oficiais pode confirmar a comparação aqui feita. Dizer que isso é arte, que é artístico, não é mesmo. Todas as artes são belas. Nunca fúnebres e macabras… Imitar um cadáver não é arte. Os que foram ver não saíram de lá e levaram para casa leveza, satisfação, encantamento, mas destruição, tristeza, comoção… Não cura. Faz até adoecer. Tudo isso sem cogitar sobre o aspecto do ultraje ao sentimento coletivo de pudor e que o Código Penal Brasileiro considera crime e condena.
É CRIME – Se uma pessoa é pega urinando escondida num canto de rua, mesmo sem iluminação, ainda que vestida, e sem nada exposta, vem a policia e o leva para a delegacia. O crime? Ato obsceno (Código Penal, artigo 233). Se assim é — e é assim — o que dizer, então, de um espaço público, aberto ao público de todas as idades, e repleto de público e que põe à mostra um homem nu deitado no chão? E ainda uma criança de tenra idade vai até o corpo e o toca. Que passou na cabecinha da criança? Não. Não é para concordar, e sim repudiar.
A iniciativa privada e os que se intitulam artistas, podem até abrir um espaço particular, ou um palco, cercado de cuidados, seguranças e avisos, para nele serem exibidas, ao vivo, com homens e mulheres de carne e osso, as 100 melhores posições do “Kama Sutra”. Vai quem quer. Mas quem for lá precisa ser pessoa adulta, todos maiores de 18 anos de idade. Não podem entrar criança nem adolescente. É impróprio para menores. E livre para os chamados adultos. Adultos, de pouco ou nenhum pudor consigo próprio.
OS RESPONSÁVEIS – O mais grave que aconteceu no Masp foi aquela criança engatinhando até chegar perto do homem nu e tocá-lo. É preciso identificar os culpados e responsáveis. Porque “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório e constrangedor”, como dispõe o artigo 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Perdão pedimos à sua majestade, àquela criança que não foi protegida. E é imaginável como você, da Eternidade, deve estar sofrendo, grande Gonzaguinha, que tanto cantou “Eu fico com a pureza da resposta das crianças, é a vida é bonita e é bonita”, trecho da música que você compôs intitulada “O que é, o que é?”.
04 de outubro de 2017
Jorge Béja
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