Num de seus discursos mais importantes, o então presidente Barack Obama perguntou: “Nós fazemos uma política do cinismo ou uma política da esperança?”. Nem é preciso responder, porque não existe política sem cinismo. É justamente o que está acontecendo no Planalto, onde os ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha trocam cumprimentos e sorrisos, embora estejam travando uma guerra de extermínio pelo poder. Na verdade, Moreira Franco é apenas instrumento do presidente Michel Temer nessa disputa contra o ainda chefe da Casa Civil, num embate que agita os bastidores do palácio.
Do lado de Temer, estão os novos ministros Moreira Franco (Secretaria-Geral) e Antonio Imbassahy (Secretaria de Governo) e o porta-voz Alexandre Parola; do lado de Padilha, se posicionam o chefe da Assessoria de Imprensa, Márcio de Freitas Gomes, e o subchefe da Assessoria Jurídica da Casa Civil, Gustavo do Vale Rocha, que eram assessores da cúpula do PMDB e foram nomeados para o governo com apoio dos caciques do partido.
ESVAZIAMENTO – O primeiro round (ou assalto, na expressão da palavra) foi vencido por Temer nesta quinta-feira, devido à nomeação de Imbassahy e Moreira Franco, com o esvaziamento da Casa Civil, que perdeu a atribuição de gerir a Secretaria de Comunicação, o Cerimonial e a Administração da Presidência da República, agora sob gestão direta na nova Secretaria-Geral.
Antes de assinar as nomeações, é claro, na quarta-feira Temer chamou Padilha para lhe comunicar a decisão e a conversa transcorreu num clima sinistro. O presidente justificou o esvaziamento da Casa Civil com a alegação de que era preciso garantir foro privilegiado a Moreira e não poderia simplesmente dar status de ministro a ele, iria pegar muito mal. Então, estava sendo obrigado a passar para a pasta de Moreira algumas atribuições da Casa Civil, para evitar maiores contestações. Temer então pediu “compreensão e apoio” a Padilha, assegurando-lhe que as atribuições políticas da Casa Civil seriam mantidas, tudo conversa fiada.
ASSESSORIA DE IMPRENSA – Padilha não passou recibo, engoliu em seco a “capitis deminutio” (redução de competência), e resolveu contra-atacar. Reuniu-se com os assessores Márcio Gomes (Imprensa) e Gustavo Rocha (Jurídico) e combinou que continuariam atuando como antes, porque a Casa Civil opina em todas as questões jurídicas e Moreira Franco somente assumiu na teoria o comando da Secretaria de Comunicação, porque ainda não substituiu o assessor-chefe. Portanto, na prática Padilha mantém o controle do setor de Imprensa.
O resultado da reunião foi imediato. Ainda na quarta-feira, o assessor de Imprensa arranjou uma entrevista de Padilha à Agência Brasil, para dar visibilidade ao ministro, e ele apareceu repetindo declarações anteriores sobre reforma da Previdência e combate ao desemprego.
E não foi por mera coincidência que, na manhã de sexta-feira, Padilha deu longa entrevista à Rádio CBN, que tem efeito multiplicador, porque o texto é disponibilizado no site da rádio e no G1, além de ser distribuído pelas agências de notícias (Globo, Estado, Folha e Diários Associados Press).
AULA DE CINISMO – Na entrevista à CBN, Padilha tentou esvaziar a nomeação de Moreira para a Secretaria-Geral, dizendo que o objetivo foi “oferecer a ele, que comanda o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), um trânsito melhor no exterior nas iniciativas do governo de buscar recursos para o País”. E argumentou que” o governo precisava de alguém que se apresentasse em nome de ministro de Estado para essas visitas”, vejam a que ponto de desfaçatez chegamos.
Padilha reconheceu que a medida conferiu foro privilegiado a Moreira, mas bancou o bonzinho e negou que o caso se assemelhasse ao da indicação do ex-presidente Lula para a Casa Civil da então presidente Dilma Rousseff, no ano passado, e que acabou suspensa no dia seguinte pelo Supremo.
UMA BRIGA BOA – Além das atribuições da Casa Civil, Padilha perdeu a influência na articulação política, que assumira após a demissão de Geddel Vieira Lima. Agora quem vai distribuir os cargos e fazer os contatos é o ministro Antonio Imbassahy, um tucano que nunca teve maior relacionamento com ele.
A briga no Planalto vai continuar, pois Padilha é experiente e tinhoso. Está fingindo que tudo continua como antes, porque ainda controla a Assessoria de Imprensa, que só passou no papel para a área de Moreira Franco, e o presidente Temer não pretende se meter em mais essa disputa.
Diante de tudo isso, se ainda estivesse vivo, o genial pensador Michel Foucault agora teria material para fazer mais uma tese sobre Cinismo, que foi o tema de seu último Curso no Collège de France, publicado sob o título “A coragem de verdade: o governo de si e dos outros – Parte II”. O estudo de Foucault adapta-se perfeitamente à situação de Brasília e seria a “Parte III” de sua obra, que ficou inconclusa.
05 de fevereiro de 2017
Carlos Newton
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