"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 25 de dezembro de 2016

MESMO SOB CERCO DE CARDEAIS CONSERVADORES, O PAPA FRANCISCO NÃO VAI RECUAR


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Entre a maioria dos fiéis católicos, o papa Francisco parece gozar de uma popularidade que rivaliza com a dos tempos áureos do pop star João Paulo 2º (1920-2005), e sua imagem positiva predomina ainda entre membros de outras igrejas cristãs, de outras religiões e até entre não religiosos. É concebível que um pontífice assim esteja, na verdade, sob cerco? Essa é a opinião de ao menos alguns observadores veteranos da Santa Sé, como o vaticanista italiano Marco Politi, do jornal “Il Fatto Quotidiano”.
Em seu blog, Politi escreveu em 17 de dezembro: “Desencadeou-se nas fileiras da hierarquia católica uma guerra subterrânea contra a linha reformista de Francisco, feita de resmungos, críticas difusas, agressividade crescente na internet. Trata-se de uma campanha sistemática de deslegitimização, que coloca em dúvida a própria autoridade do pontífice e a justeza de seu governo”.
Para Politi, o sinal de que o conflito já é uma espécie de guerra civil foi a divulgação, em novembro, da carta enviada por um quarteto de cardeais ao papa argentino.
CARTA AO PAPA – Assinada pelo americano Raymond Burke, pelos alemães Walter Brandmüller e Joachim Meisner e pelo italiano Carlo Caffarra, a carta é um pedido de esclarecimentos sobre o importante documento papal “Amoris Laetitia”.
Nesse texto, produzido para concluir as discussões do sínodo (encontro mundial de bispos) sobre a família, o papa deixou entreaberta a possibilidade de que católicos separados que voltaram a se casar recebam a comunhão – algo proibido hoje, segundo a interpretação da famosa frase “O que Deus uniu o homem não separe”, pronunciada pelo próprio Jesus nos Evangelhos.
Francisco não criou uma norma nova que pode ser aplicada rapidamente a todos os divorciados. A solução que propõe envolve análises caso a caso, com um acompanhamento de cada fiel por seu pároco e pelo bispo de sua diocese e aplicação que leve em consideração a realidade de cada região.
NORMAS MORAIS – Mesmo assim, os cardeais signatários, entre outras questões, perguntaram se ainda havia “normas morais absolutas” no catolicismo, entre outras dúvidas que soaram como provocações para o papa.
Francisco se recusou a responder diretamente à mensagem, o que levou os cardeais a torná-la pública. Em entrevista ao jornal católico italiano “Avvenire”, abordou o assunto dizendo: “Alguns continuam a não entender, querem tudo preto no branco, mesmo quando sabemos que é no fluxo da vida que se deve discernir as coisas”.
Para Rodrigo Coppe Caldeira, historiador do catolicismo e professor da PUC-MG, o crescimento da oposição ao papa não surpreende nem difere tanto do que outros pontífices recentes enfrentaram. “O papado de Bento 16 sofreu intensos ataques de grupos que não concordavam com suas perspectivas, vindos especialmente da América Latina, o que demonstrava forte divisão da Igreja”, pondera. “O que há de novo agora é que Bergoglio se vê como reformista, move-se a fim de realizar reformas, o que não agrada a certos grupos ligados ao status quo.”
CONTRASTE EVIDENTE – De qualquer modo, o contraste entre essa oposição e a maioria dos fiéis é significativo. Um levantamento do instituto de pesquisa americano Pew Research Center sobre o panorama religioso da América Latina, publicado em novembro, mostra que uma maioria dos entrevistados de todos os países latino-americanos (incluindo aí a comunidade hispânica dos EUA) tem uma visão positiva de Francisco, independentemente da religião.
Entre os católicos, essa aprovação pula para pelo menos 80% em todos os países (na Argentina, previsivelmente, a taxa é de quase 100%).
Isso não significa, porém, que a contrariedade com o atual ocupante do trono de Pedro seja algo presente apenas “de bispos para cima”. Em países como os EUA e a Alemanha, a presença significativa de fiéis conservadores que seguem à risca as orientações tradicionais da Igreja sobre anticoncepcionais e outros temas também estimula um movimento de desconfiança em relação ao papa nas bases da comunidade católica (leia entrevista nesta página).
MENOS BARULHENTOS – Curiosamente, os defensores de Francisco têm sido muito menos barulhentos que seus críticos. “Enquanto pululam grupos pela web que atacam o papa, não se observam grupos específicos e organizados se movendo em sua defesa. Por outro lado, dá para se perguntar se a própria opinião pública em massa, embalada por uma imagem do Francisco reformista, até mesmo revolucionário, já não faria esse papel de contenção”, diz Caldeira.
A aparente aversão do papa ao confronto direto, porém, não significa que ele esteja mostrando alguma disposição de recuar. Em sua mensagem de Natal aos funcionários da Santa Sé, o papa escolheu abordar justamente seu plano de reforma do funcionamento do Vaticano, o qual, segundo ele, ainda está longe de ter se completado.
Usando a expressão latina “semper reformanda” (“sempre em reforma”, para indicar que a Igreja precisa rever constantemente a maneira como funciona), Francisco declarou que tais reformas não podem ser simples cirurgias plásticas: “Amados irmãos, não são as rugas que se devem temer na Igreja, mas as manchas!”. Acrescentou que as reações ao seu projeto podem ser salutares: “A ausência de reação é sinal de morte. Por isso, as resistências boas – e até as menos boas – são necessárias e merecem ser escutadas, acolhidas e encorajadas a expressar-se”.

25 de dezembro de 2016
Reinaldo José Lopes
Folha

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