"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 25 de dezembro de 2016

EM 2007, NA FASE DA EUFORIA DO PT, CESAR BENJAMIM JÁ PREVIA A GRAVÍSSIMA CRISE ATUAL


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Benjamim diz que o PT errou ao renegar a História
Na quinta e última parte da importante entrevista de Zuenir Ventura com o editor e jornalista Cesar Benjamim, feita em 2007 para o livro “1968: o que fizeram de nós”, o futuro secretário de Educação da Prefeitura do Rio de Janeiro já previa a gravíssima crise econômica que viria a atingir o Brasil, demonstrando a inviabilidade das políticas adotadas pelo governo Lula, que apenas aparentemente estavam levando o país a um ciclo de desenvolvimento que na realidade não tinha a menor sustentabilidade.
ZUENIR VENTURA – Você ainda acredita no estado nacional?CÉSAR BENJAMIN – Tempos atrás, li no jornal que dona Marisa tinha feito uma viagem de Brasília por terra e, ao voltar, disse para o marido: “Luiz Inácio, as estradas estão muito esburacadas!” Aí o presidente da República foi pessoalmente lançar a operação tapa buraco. Disse publicamente que dona Marisa o alertara para o problema. Isso foi notícia durante semanas. Fiquei deprimido. Você consegue imaginar o presidente da França cuidando de tapar buracos? O presidente da China? O dos Estados Unidos? O primeiro-ministro da Alemanha? Isso é uma atividade rotineira do oitavo escalão. Aqui, para minha surpresa, ninguém gargalhou quando o presidente foi cuidar de buracos! Não há mais Estado, Zuenir, estamos em vôo cego. Povos sem estado se lascam.
Você acha que estamos nos lascando? Isso só não é ainda claro porque a conjuntura internacional está muito favorável. Nossa economia é muito sensível aos choques internacionais, e vivemos atualmente um choque positivo. Mas, em algum momento, o ciclo se reverterá. Aí os capitais voláteis irão embora. Vamos descobrir que somos exportadores de soja e minério de ferro e que 96% dos empregos que criamos nos últimos seis anos foram de empregada doméstica, balconista, vigilante e motoboy. Nossa população está virando a massa trabalhadora desqualificada do século XXI. O governo Lula anuncia um saldo comercial de US$ 149 bilhões em quatro anos, magnífico para o padrão brasileiro. Agora, pegue o balanço de pagamentos como um todo. Você vai ver que US$ 149 bilhões entraram pelo saldo comercial, mas US$ 119 bilhões saíram como remessas de serviços e rendas. Não fica quase nada aqui. É uma pilhagem. O Brasil é um ótimo lugar para se ganhar dinheiro e um péssimo lugar para se investir. O que as multinacionais fazem? Aplicam aqui na produção de commodities, nas quais temos grandes vantagens comparativas, ou nos mercados financeiros. Depois tiram o dinheiro e investem na China. Esse processo está mascarado pelo marketing, pelos pequenos favores e pela melhor conjuntura internacional dos últimos 50 anos.
Quer dizer que o sucesso de Lula no exterior também é marketing? Fico espantado quando ouço dizer que o Brasil está promovendo a integração sul-americana. Do ponto de vista econômico, o Brasil está desagregando a América do Sul. Ele tem superávit com todos os países do continente, isto é, drena recursos deles. Como a conta financeira do nosso balanço de pagamentos foi desregulamentada, esses recursos saem daqui com extrema facilidade, sem controle. Ou seja, nós somos a grande porta de saída dos recursos da América do Sul para o mundo. Quem quer integrar e é o mais forte não pode agir assim, tem que fazer déficit com o mais fraco, ou pelo menos buscar formas de compensação com ele. A China tem superávit com os Estados Unidos e déficit com seus vizinhos, para ligá-los a ela em torno de um projeto regional. Para constituir um bloco sólido depois da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos se esforçaram para criar déficit com os aliados (o Plano Marshall e a construção de bases militares faziam parte dessa política), irrigaram seus parceiros e conseguiram integrá-los ao seu projeto geopolítico. O Brasil faz o contrário: drena recursos de todo o continente, joga para fora e diz que tem uma política integradora. A esquerda fica repetindo isso.
Voltando a 68, qual foi o maior legado político do movimento?Não consigo ver nenhum legado, digamos, orgânico por causa da própria natureza do movimento. Mas em algumas áreas ou frentes houve um legado significativo, sim. Por exemplo, a mudança de condição da mulher. A geração das nossas mães é completamente diferente da de nossas amigas e dos nossos filhos. Minha filha, como você viu, acaba de entrar com o namorado em casa e vai para o quarto com ele. Acho que houve um questionamento de estruturas que estavam esclerosadas, não só no mundo capitalista, mas também no bloco soviético. Foi uma fissura. Houve em 68 a explosão de uma energia que disse ao poder que o poder não podia tudo.
Você acha que os governos de FH e Lula levaram valores de 68 ao poder?O Fernando Henrique está muito longe de ter a estatura intelectual que lhe dão. Quando se tornou presidente, fui reler seus textos, como um dever de ofício. São uma fraseologia que não diz nada, um sociologuês que não leva a lugar nenhum. Quanto ao Lula, ele se destacou como sindicalista no melhor momento para se fazer política sindical: uma ditadura fraca, caminhando para o fim, uma economia crescendo em altas taxas, com pleno emprego, salário muito achatado e com as multinacionais prontas para dar aumento salarial. As filiais brasileiras estavam assumindo papéis importantes nas estratégias internacionais dessas empresas, e o trabalho no Brasil era baratíssimo. As multinacionais do ABC paulista tinham muita folga para negociar. O Lula teve méritos, senão não teria aproveitado esse bom momento. Mas também deu a sorte de pegar uma conjuntura sindical extremamente favorável. Quando ele surgiu no cenário nacional, encontrou uma oposição crescente, porém ainda dispersa, que precisava de um pólo de aglutinação. Dentro dessa oposição havia setores marxistas que sonhavam com a revolução operária. O Lula foi a chegada do Messias. Era o que a esquerda esperava: a idéia de um operário metalúrgico liderando uma revolução socialista se encaixava direitinho na doutrina.
Sem falar nos intelectuais, não é?- A junção de pessoas e movimentos, que estavam relativamente dispersos, gerou o PT e criou um impulso que durou até, pelo menos, 89. Um partido jovem, militante, aglutinando católicos, marxistas, sindicalistas. Foi um sonho que eu sonhei. Hoje eu vejo que foi um grande erro.
Você acha? Por quê? – O PT nasceu querendo reinventar a história, dizendo que ela começava com ele. O que acontecera para trás não tinha valor. Renegou a mais brilhante geração de intelectuais brasileiros e não compreendeu o movimento endógeno do Brasil. Tudo era impuro e ele era puro. Como não foi capaz de construir uma doutrina em bases sólidas, acabou facilmente cooptado pelo que há de pior. Não se constituiu nem mesmo como um partido reformista sério, o que já estaria de bom tamanho. Num partido arrogante e frágil, sem história, Lula e Zé Dirceu encontraram um campo fértil para implantar a estratégia desagregadora que conceberam.
Em 98, você escreveu que “se continuamos interessados em 1968 é porque o que então ocorreu ainda nos tem a dizer sobre o futuro”. Afinal, 68 terminou ou não terminou?68 não gerou um projeto político. Teve um aspecto, porém, que me marcou muito, o da vontade. Íamos para o centro da cidade, vinha a polícia e corríamos dela, até que dissemos: “Não vamos correr mais; agora a gente vai para cima deles.” Começamos a dispersar a polícia, que nunca tinha sido confrontada. Passamos a espalhar bolinhas de gude pelo chão, e os cavalos escorregavam; soltávamos rojão, e os cavalos se assustavam. Descobrimos então que podíamos ganhar. Sessenta e oito, para mim, foi a rebeldia associada à vontade. Isso é maior do que todos os erros que cometemos. Tenho buscado viver de forma coerente com os valores que assumi naquela época, que foi a da minha juventude, sempre aberto a reaprender e a repensar.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Embora tenha sido feita em 2007, essa impressionante entrevista de Zuenir Ventura com  Cesar Benjamim parece ter acontecido ontem, porque seu teor está cada vez mais mais atual. Apesar de apresentar um conteúdo pessimista, o pensamento de Cesar Benjamim traz também um viés positivo, pois mostra que ainda existem intelectuais que realmente se preocupam com o interessa nacional. O Brasil é o país com maior potencial de desenvolvimento deste planeta, mas não consegue deslanchar, porque abandonou os dois grandes pilares – educação e industrialização. Mas isso pode ser revertido. A lamentar, apenas, que a entrevista não tenha se aprofundado sobre o maior problema do país, a dívida pública. Seria interessante saber o que Cesar Benjamim pensa a esse respeito, que é um dos assuntos de destaque em seus frequentes encontros com seus principais amigos e interlocutores, o economista Carlos Lessa e o consultor internacional Darc Costa.(C.N.)

25 de dezembro de 2016
Mário Assis Causanilhas

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