Nesses 14 anos, o PT agiu como se tivesse carta branca para fazer absolutamente tudo que desejasse
O PT passou quase 14 anos no poder desde a vitória de Lula na eleição presidencial de 2002 até o impeachment de Dilma Rousseff. Poucos grupos ou pessoas, na história do Brasil republicano, gozaram de tanta longevidade na Presidência: os paulistas e mineiros da “política do café com leite”, no início do século passado; Getúlio Vargas, que tomou o poder com um golpe, implantou uma ditadura no país e ainda assim é reverenciado por muitos; e os militares, que deram o golpe em 1964 e deixaram o Planalto em 1985. Quase uma década e meia é tempo suficiente para deixar marcas características. E quais foram as do petismo?
A melhoria em diversos indicadores sociais observada especialmente nos mandatos de Lula é defendida pelos petistas como seu grande legado, resumido na expressão “nunca antes na história deste país”. Que houve evolução é inegável – e o PT mostrou ser possível trazer um olhar mais social para a administração pública –, mas ela se deveu muito menos a políticas específicas do partido e muito mais ao trabalho de estabilização econômica feito nos governos anteriores (especialmente, o Plano Real) e ao cenário internacional favorável às commodities brasileiras. O petismo ignorou tudo isso e quis toda a glória para si.
E, se o papel do PT na ascensão social verificada já era um exagero propagandístico, a recessão provocada pelo uso da “nova matriz econômica”, a partir do fim do segundo mandato Lula, praticamente anulou qualquer conquista de que o PT pudesse se gabar: estudo da Tendências Consultoria divulgado no fim do ano passado mostrou que, se 3,3 milhões de famílias tinham subido à classe C entre 2006 e 2012, agora 3,1 milhões de famílias fariam o caminho inverso de 2015 a 2017, voltando às classes D e E. De repente o cenário externo passou a importar, com o governo culpando a “crise internacional” ainda que o Brasil estivesse quase sozinho na lista dos países com a economia em queda.
A política econômica que levou o Brasil à crise, aliás, é manifestação de uma das grandes características do PT no poder: nesses 14 anos, a legenda agiu como se tivesse carta branca para fazer absolutamente tudo que desejasse, ainda que isso significasse a depredação das instituições republicanas e a sujeição do Estado ao partido.
Esse comportamento marcou a passagem do PT pelo Planalto desde o seu início, com o mensalão, a compra de apoio parlamentar com o pagamento a partidos políticos. Um autêntico golpe na democracia, como definiram posteriormente ministros do STF que julgaram o caso, mas que não gerou punição imediata logo após a divulgação do escândalo. Lula até ficou enfraquecido, mas não a ponto de impedir sua reeleição em 2006 – a senha para que o PT intensificasse suas práticas. Se a torneira do mensalão estava fechada, havia outras abertas, especialmente na Petrobras, numa pilhagem cujas engrenagens a Operação Lava Jato mostrou ao país.
A húbris da cúpula petista, esse sentimento de que nada podia deter o partido, manifestava-se também no discurso que dividia o país em classes e incentivava o ódio de uns contra outros, ou que hostilizava a imprensa livre, ou que criticava as instituições que colocavam algum empecilho aos planos petistas, como o MP e os Tribunais de Contas; na aliança com as ditaduras mais abjetas da América Latina e de outros continentes; na nomeação, para o STF, de um ex-advogado do PT que não cumpria os requisitos necessários para integrar a corte suprema; no aparelhamento generalizado dos órgãos públicos, substituindo qualquer critério de competência pelo mero compadrio.
Por fim, o governo passou a se ver no direito de bagunçar completamente as contas públicas, como parte do “fazer o diabo” necessário para ganhar a eleição de 2014. A “criatividade contábil” virou a regra, e Dilma enganou meio mundo sobre a situação da economia. Manobras como as “pedaladas” e os decretos ilegais se tornaram a tônica de um governo que gastava o que não tinha. Mas desta vez a blindagem não funcionou: brasileiros corajosos acharam ali o fio que, puxado, levou ao impeachment.
Não é um legado fácil de desfazer – o aparelhamento da máquina pública, por exemplo, ainda terá consequências por muito tempo. Mas a queda do petismo mostra que nossas instituições foram capazes de resistir a um grupo que fez o possível e o impossível para depredá-las ou colocá-las de joelhos. Agora, trata-se de fortalecê-las para que mais ninguém, pessoa ou partido, se julgue acima de tudo e de todos novamente. O trabalho está apenas começando.
05 de setembro de 2016
Editorial Gazeta do Povo, PR
O PT passou quase 14 anos no poder desde a vitória de Lula na eleição presidencial de 2002 até o impeachment de Dilma Rousseff. Poucos grupos ou pessoas, na história do Brasil republicano, gozaram de tanta longevidade na Presidência: os paulistas e mineiros da “política do café com leite”, no início do século passado; Getúlio Vargas, que tomou o poder com um golpe, implantou uma ditadura no país e ainda assim é reverenciado por muitos; e os militares, que deram o golpe em 1964 e deixaram o Planalto em 1985. Quase uma década e meia é tempo suficiente para deixar marcas características. E quais foram as do petismo?
A melhoria em diversos indicadores sociais observada especialmente nos mandatos de Lula é defendida pelos petistas como seu grande legado, resumido na expressão “nunca antes na história deste país”. Que houve evolução é inegável – e o PT mostrou ser possível trazer um olhar mais social para a administração pública –, mas ela se deveu muito menos a políticas específicas do partido e muito mais ao trabalho de estabilização econômica feito nos governos anteriores (especialmente, o Plano Real) e ao cenário internacional favorável às commodities brasileiras. O petismo ignorou tudo isso e quis toda a glória para si.
E, se o papel do PT na ascensão social verificada já era um exagero propagandístico, a recessão provocada pelo uso da “nova matriz econômica”, a partir do fim do segundo mandato Lula, praticamente anulou qualquer conquista de que o PT pudesse se gabar: estudo da Tendências Consultoria divulgado no fim do ano passado mostrou que, se 3,3 milhões de famílias tinham subido à classe C entre 2006 e 2012, agora 3,1 milhões de famílias fariam o caminho inverso de 2015 a 2017, voltando às classes D e E. De repente o cenário externo passou a importar, com o governo culpando a “crise internacional” ainda que o Brasil estivesse quase sozinho na lista dos países com a economia em queda.
A política econômica que levou o Brasil à crise, aliás, é manifestação de uma das grandes características do PT no poder: nesses 14 anos, a legenda agiu como se tivesse carta branca para fazer absolutamente tudo que desejasse, ainda que isso significasse a depredação das instituições republicanas e a sujeição do Estado ao partido.
Esse comportamento marcou a passagem do PT pelo Planalto desde o seu início, com o mensalão, a compra de apoio parlamentar com o pagamento a partidos políticos. Um autêntico golpe na democracia, como definiram posteriormente ministros do STF que julgaram o caso, mas que não gerou punição imediata logo após a divulgação do escândalo. Lula até ficou enfraquecido, mas não a ponto de impedir sua reeleição em 2006 – a senha para que o PT intensificasse suas práticas. Se a torneira do mensalão estava fechada, havia outras abertas, especialmente na Petrobras, numa pilhagem cujas engrenagens a Operação Lava Jato mostrou ao país.
A húbris da cúpula petista, esse sentimento de que nada podia deter o partido, manifestava-se também no discurso que dividia o país em classes e incentivava o ódio de uns contra outros, ou que hostilizava a imprensa livre, ou que criticava as instituições que colocavam algum empecilho aos planos petistas, como o MP e os Tribunais de Contas; na aliança com as ditaduras mais abjetas da América Latina e de outros continentes; na nomeação, para o STF, de um ex-advogado do PT que não cumpria os requisitos necessários para integrar a corte suprema; no aparelhamento generalizado dos órgãos públicos, substituindo qualquer critério de competência pelo mero compadrio.
Por fim, o governo passou a se ver no direito de bagunçar completamente as contas públicas, como parte do “fazer o diabo” necessário para ganhar a eleição de 2014. A “criatividade contábil” virou a regra, e Dilma enganou meio mundo sobre a situação da economia. Manobras como as “pedaladas” e os decretos ilegais se tornaram a tônica de um governo que gastava o que não tinha. Mas desta vez a blindagem não funcionou: brasileiros corajosos acharam ali o fio que, puxado, levou ao impeachment.
Não é um legado fácil de desfazer – o aparelhamento da máquina pública, por exemplo, ainda terá consequências por muito tempo. Mas a queda do petismo mostra que nossas instituições foram capazes de resistir a um grupo que fez o possível e o impossível para depredá-las ou colocá-las de joelhos. Agora, trata-se de fortalecê-las para que mais ninguém, pessoa ou partido, se julgue acima de tudo e de todos novamente. O trabalho está apenas começando.
05 de setembro de 2016
Editorial Gazeta do Povo, PR
Nenhum comentário:
Postar um comentário