Choro de Cardozo e campanha suja de João Santana têm a mesma fonte
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), considera o impedimento da ex-presidente Dilma Rousseff um golpe qualificado, institucional. Destituir a presidente observando todos os ritos legais qualificaria o golpe. A definição do prefeito encerra uma contradição em termos.
Fazendo um esforço de racionalização da lógica de nosso pre- feito, eu diria que golpe qualifica- do seria atuar nas zonas cinzen- tas da lei. Funciona assim: todo contrato é incompleto. Não é pos- sível prever todas as injunções e estados da natureza. Para que as instituições funcionem, é neces- sário haver compreensão compartilhada dos participantes e, além do cumprimento dos ritos legais, boa vontade na observância do espírito da lei.
O golpe qualificado seria infringir o espírito da lei, mesmo que observando todos os ritos legais. Impedir a presidente por causa de pecadilhos fiscais seria punição excessiva. Emprega-se detalhe legal menor como subterfúgio para atingir o objetivo maior: tirar o PT do poder. Esse seria o golpe.
Em que pese o juízo de valor de nosso prefeito de considerar a gestão fiscal de Dilma detalhe legal menor, ele não percebeu que a sua definição de golpe qualificado transforma a eleição de Dilma em golpe qualificado.
Dilma foi eleita observando todos os ritos legais. O grupo po- lítico petista, para não perder a e- leição, se dispôs a tudo. Produ- ziu deficit fiscal, já "despedala- do", a preços de hoje, de quase R$ 100 bilhões; mentiu à larga; demonizou os adversários etc. O PT, para se perpetuar no poder, atuou em todas as zonas cinzentas possíveis e imagináveis no processo eleitoral.
Mentir sobre a situação fiscal do país é tão grave quanto esconder da população que há uma epidemia de meningite, por exemplo.
No presidencialismo brasileiro, o presidente é extremamente for- te. Tem imenso poder de criar re- cursos e distribuir gastos. Um grupo político disposto a tudo fazer para se perpetuar no poder cons- titui enorme risco ao funcionamento da democracia. Degenera-se facilmente em tirania. A Venezuela demonstra.
O suposto golpe qualificado corrige o golpe qualificado anterior, a eleição da presidente.
Entende-se agora a fonte do choro de José Eduardo Cardozo. Ela vem do mesmo lugar de onde veio a campanha suja de João Santana. Da soberba do PT e de sua superioridade moral autoconcedida.
O choro é do João valentão que bate em todos na rua. Um dia, uma nova família se muda para o bairro. Aparece outro maior e mais forte e bate no João. Que retorna à casa chorando.
Oxalá o impedimento da presidente Dilma civilize o PT para a convivência com nossas instituições políticas extremamente consensuais e ensine que responsabilidade fiscal é um valor caro à nossa sociedade, do qual não se pode dispor ao sabor dos projetos de grupos políticos de alma autoritária.
05 de setembro de 2016
Samuel Pessoa, Folha de SP
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), considera o impedimento da ex-presidente Dilma Rousseff um golpe qualificado, institucional. Destituir a presidente observando todos os ritos legais qualificaria o golpe. A definição do prefeito encerra uma contradição em termos.
Fazendo um esforço de racionalização da lógica de nosso pre- feito, eu diria que golpe qualifica- do seria atuar nas zonas cinzen- tas da lei. Funciona assim: todo contrato é incompleto. Não é pos- sível prever todas as injunções e estados da natureza. Para que as instituições funcionem, é neces- sário haver compreensão compartilhada dos participantes e, além do cumprimento dos ritos legais, boa vontade na observância do espírito da lei.
O golpe qualificado seria infringir o espírito da lei, mesmo que observando todos os ritos legais. Impedir a presidente por causa de pecadilhos fiscais seria punição excessiva. Emprega-se detalhe legal menor como subterfúgio para atingir o objetivo maior: tirar o PT do poder. Esse seria o golpe.
Em que pese o juízo de valor de nosso prefeito de considerar a gestão fiscal de Dilma detalhe legal menor, ele não percebeu que a sua definição de golpe qualificado transforma a eleição de Dilma em golpe qualificado.
Dilma foi eleita observando todos os ritos legais. O grupo po- lítico petista, para não perder a e- leição, se dispôs a tudo. Produ- ziu deficit fiscal, já "despedala- do", a preços de hoje, de quase R$ 100 bilhões; mentiu à larga; demonizou os adversários etc. O PT, para se perpetuar no poder, atuou em todas as zonas cinzentas possíveis e imagináveis no processo eleitoral.
Mentir sobre a situação fiscal do país é tão grave quanto esconder da população que há uma epidemia de meningite, por exemplo.
No presidencialismo brasileiro, o presidente é extremamente for- te. Tem imenso poder de criar re- cursos e distribuir gastos. Um grupo político disposto a tudo fazer para se perpetuar no poder cons- titui enorme risco ao funcionamento da democracia. Degenera-se facilmente em tirania. A Venezuela demonstra.
O suposto golpe qualificado corrige o golpe qualificado anterior, a eleição da presidente.
Entende-se agora a fonte do choro de José Eduardo Cardozo. Ela vem do mesmo lugar de onde veio a campanha suja de João Santana. Da soberba do PT e de sua superioridade moral autoconcedida.
O choro é do João valentão que bate em todos na rua. Um dia, uma nova família se muda para o bairro. Aparece outro maior e mais forte e bate no João. Que retorna à casa chorando.
Oxalá o impedimento da presidente Dilma civilize o PT para a convivência com nossas instituições políticas extremamente consensuais e ensine que responsabilidade fiscal é um valor caro à nossa sociedade, do qual não se pode dispor ao sabor dos projetos de grupos políticos de alma autoritária.
05 de setembro de 2016
Samuel Pessoa, Folha de SP
Nenhum comentário:
Postar um comentário