O ciclo Dilma Rousseff acabou e, à margem das paixões partidárias, seu legado mais visível é o descontrole das contas públicas com múltiplas consequências — inflação e desemprego dobraram, e a renda média caiu 16% nos últimos cinco anos. A duração dessa herança de crise é imprevisível. Vai depender da habilidade e da competência do futuro governo. Enquanto isso, o custo da era Dilma continuará comprimindo o bolso dos brasileiros. A conta de luz, por exemplo, deve subir 5% até 2023 para cobrir parte do rombo nas contas da empresa estatal Eletrobras.
É o resultado de uma escolha feita por Dilma, o controle de preços de energia (eletricidade e derivados de petróleo), combinada com um cálculo de marketing político que deu errado — ela se deixou seduzir pela ideia fantasiosa da “presidente da conta baixa”.
ENERGIA BARATA – Dilma reduziu artificialmente o valor das tarifas de energia. Assinou a Medida Provisória 579, em setembro de 2012, anunciando um desconto tarifário para consumidores de energia elétrica. Impôs à Eletrobras um custo adicional de R$ 4 bilhões por ano.
Em maio passado, na véspera do seu afastamento da Presidência, autorizou a empresa estatal a reverter esse desconto e cobrar uma “indenização” dos consumidores.
Assim, a Eletrobras ganhou uma receita anual extra estimada em R$ 6 bilhões durante os próximos oito anos. A manobra, mantida pelo presidente interino, Michel Temer, ajudou-lhe a compor o lucro (R$ 12 bilhões) anunciado há dez dias.
DÉFICIT DO SUS – A fatura por decisões impulsivas, características da administração Dilma, continuará a ser cobrada em diferentes áreas. O Sistema Único de Saúde (SUS) é outro caso exemplar: acumulou um déficit de R$ 3,5 bilhões no custeio e na ampliação de serviços em todo o país.
Com olhos na reeleição, o governo mobilizou prefeitos e governadores nos 15 maiores colégios eleitorais e multiplicou o volume de contratos de serviços de Saúde Pública. Não cumpriu a maioria.
A União segue devedora de contrapartidas financeiras em mais de 2,6 mil serviços do SUS. Entre 2010 e 2015, as prefeituras deixaram de receber R$ 1,9 bilhão por ano. Com os estados, a dívida acumulada foi de R$ 1,2 bilhão anual.
CONSEQUÊNCIAS – Isso levou a situações insólitas: o país imerso em desastres sanitários, como a tripla epidemia (dengue, zika e chikungunha), conserva fechadas 140 unidades de Saúde recém-construídas. Outras 99 foram inauguradas, mas funcionam precariamente, porque dependem do fluxo irregular de recursos federais para manter serviços contratados.
A percepção coletiva sobre a crise na Saúde recrudesceu nas pesquisas de opinião no último semestre. O problema é crônico, mas agora reflete também o desalento de uma etapa de desemprego recorde, na qual parte dos 11,5 milhões de desempregados perdeu acesso aos planos de saúde privados.
Em 19 capitais, do Rio Grande do Sul ao Amapá, segundo o Ibope, ampla maioria de eleitores acha que esse voltou a ser o principal problema nacional. Atribuem ênfase até 30 pontos percentuais acima da segunda maior aflição coletiva, a Segurança Pública, em cidades como Rio e São Paulo.
MUITOS ERROS – O efeito cascata de algumas decisões de Dilma sobre as contas das prefeituras ultrapassa a fronteira crítica da Saúde. Ela decidiu, de forma unilateral, privilegiar grupos empresariais com reduções tributárias (impostos sobre a renda e sobre produtos industrializados), fez cortes nos repasses a municípios e deu calote em compromissos assinados.
Resultou numa dívida de R$ 40 bilhões da União com municípios. Das 5,6 mil prefeituras, 80% dependem do repasse de recursos federais para pagar as contas, inclusive a folha de salários. A Confederação Nacional dos Municípios informa que há um ano pelo menos 600 prefeitos vêm pagando salários de funcionários com três a seis meses de atraso.
Dilma acelerou gastos em convênios com estados e prefeituras à medida que avançava o processo de impeachment. Em busca de aliados, o governo multiplicou compromissos financeiros com obras, projetos e serviços de transportes urbanos no primeiro semestre.
NA ÚLTIMA HORA – O valor dos acordos assinados até a sexta-feira, 15 de abril, 48 horas antes da votação na Câmara que decidiu pelo seu afastamento da Presidência, é 77 vezes maior do que o governo federal tem para gastar no Orçamento deste ano, sob a rubrica “Mobilidade urbana”. Esse artifício foi repetido em outros contratos, para obras, projetos e serviços de saneamento, urbanização e habitação.
O legado de Dilma continuará presente na vida e nos bolsos dos brasileiros. Pela tradição, em pouco tempo será debitado na conta política do sucessor.
02 de setembro de 2016
José Casado
O Globo
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