A reunião hoje entre o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e seu colega russo, Vladimir Putin, representa bem mais do que o processo de reatamento diplomático entre duas nações. Na verdade, o encontro está sendo visto por especialistas como um jogo perigoso do líder turco, que ameaça se afastar de seus aliados do Ocidente, principalmente EUA e União Europeia.
As relações entre Ancara e Moscou foram rompidas depois que as Forças Armadas turcas derrubaram um caça russo na fronteira entre Turquia e Síria, em novembro passado, matando seus dois pilotos. O incidente foi o ápice de uma escalada de tensão. Erdogan acusava Putin de violar o espaço aéreo turco, ao realizar bombardeios contra rebeldes sírios, em apoio ao presidente Bashar al-Assad, aliado da Rússia. No início do mês passado, Erdogan enviou carta a Putin, reabrindo o diálogo.
Após a fracassada tentativa de golpe em 15 de julho, a Turquia adotou com rapidez uma série de medidas autoritárias, criticadas por seus aliados ocidentais. Erdogan aproveitou a oportunidade para implementar o que ele chama de “nova Turquia”, um país islâmico que rompe com o passado secular inaugurado por Mustafa Kemal Ataturk, o fundador da Turquia moderna.
Com o apoio de uma população radicalizada e armada, Erdogan prendeu milhares de pessoas acusadas de fazer oposição a ele, inclusive nas Forças Armadas, nas universidades, nos meios de comunicação e outras instituições. Para justificar, reforçou uma retórica de elogio ao glorioso passado otomano, quando Istambul era o centro de um califado, cujos domínios se espalhavam pela região.
As críticas de países ocidentais à truculência do regime turco, após a revolta fracassada, irritaram Erdogan. Ele ficou especialmente estremecido com o governo americano, a quem insinuou ter apoiado a insurgência militar, ao acolher o clérigo islâmico Fethullah Gülen, a quem Erdogan acusa de ser o mentor da tentativa de golpe, e se recusar a extraditá-lo à Turquia.
A importância geopolítica da Turquia é proporcional à ambiguidade do regime. Situado estrategicamente entre o Ocidente e o Oriente, o país é membro da Otan e abriga importante base aérea americana. Essa posição privilegiada garantiu ao presidente turco certa tolerância em relação a abusos de autoritarismo e repressão contra minorias. Sua adesão à UE, que vem sendo costurada há tempos, ganhou impulso depois do acordo com Bruxelas para receber refugiados que tentam entrar ilegalmente na Europa.
Mas, agora, Erdogan parece caminhar na direção oposta, reforçando, ao se aproximar de Putin num momento em que UE está fragilizada pelo Brexit, a posição de Moscou no xadrez político da região. Ou talvez esteja apenas blefando. Seja como for, trata-se de um jogo perigoso.
12 de agosto de 2016
Editorial O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário