Nos próximos meses, a primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) terá que decidir quem venceu o campeonato brasileiro de 1987, o Flamengo ou Sport Club do Recife. Em 1999, mais de dez anos depois do campeonato e muita discussão, o Sport garantiu na Justiça Federal o título, que venceu por WO. Em 2011, porém, a CBF deu a vitória aos dois clubes. O Sport recorreu e conseguiu manter a decisão anterior no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O Flamengo apelou, então, ao STF, mas seu recurso foi recusado pelo relator, ministro Marco Aurélio Mello, no início deste ano. O time carioca recorreu novamente, levando o julgamento agora para a primeira turma.
O caso levantado pelo Valor (3/8) ilustra alguns dos mais sérios problemas da Justiça brasileira. Um deles é a demora em dar uma resposta definitiva para as partes em litígio; o outro é o fato de a Constituição brasileira permitir que praticamente qualquer assunto seja levado ao STF, atulhando a corte. Atualmente, o Supremo tem 65,2 mil processos aguardando decisão. Os últimos dados do levantamento Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), indicam que 2015 começou com um estoque de 71,2 milhões de processos pendentes, com uma taxa de congestionamento de 71,4%.
Para complicar a situação, há uma firme tendência à judicialização dos debates e ao aumento dos casos envolvendo réus com foro privilegiado, em temas que monopolizam a pauta do STF, como o Mensalão e a Lava-Jato. Nos últimos dez anos, a chegada de novos inquéritos no Supremo cresceu 162 vezes e o número de novas ações penais saltou 57 vezes, de acordo com levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) a pedido do Valor, com base em dados do projeto Supremo em Números (1/8).
O levantamento mostra também que, nesse período, o Supremo levou em média 945 dias para condenar ou absolver os réus com foro privilegiado, pouco mais de dois anos e meio, prazo que vem se alongando. Cresceu mais ainda, cerca de três vezes, o tempo para que uma ação penal transite em julgado, chegando a 1,5 mil dias, ou quatro anos.
O aumento das ações referentes a foro privilegiado desvia o foco do Supremo de importantes questões. Um desses casos é o da recomposição das perdas geradas pelos planos econômicos nos anos 1980 e 1990. Passam de 900 mil os processos que aguardam decisão do STF sobre o assunto.
Com muitos casos de foro privilegiado no Supremo, cresce o risco de impunidade, reconhece o próprio ministro Luís Roberto Barroso, pela demora e pela possibilidade de que o investigado renuncie ao mandato, levando seu processo para a primeira instância, onde a tramitação terá que recomeçar. Segundo o levantamento da FGV, entre 2005 e 2015, cerca de metade das ações penais prescreveram ou foram remetidas a outros tribunais por perda de mandato ou função.
Em meio ao descontentamento em relação ao funcionamento do Judiciário, a temperatura esquenta com as recentes propostas de aumento de salário do setor que, além de tudo, complicam o quadro fiscal. A Justiça brasileira já era das mais caras do mundo em 2013, de acordo com o pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Luciano Da Ros, em parceria com Matthew M. Taylor, da American University, situação que pode ter piorado de lá para cá. Levantamento feito por eles mostrou que o Poder Judiciário, incluindo o Ministério Público, custava o equivalente a 1,8% do PIB, dez vezes mais que na Argentina; seis vezes mais que na Itália, na Colômbia e no Chile; e quatro vezes mais que em Portugal, Alemanha e Venezuela. A mão de obra tem forte influência na despesa: a Justiça tem 412,5 mil funcionários, 210 para cada 100 mil habitantes. Os magistrados nos postos mais elevados ganham 16 vezes a renda média da população; e os que estão em início de carreira, 13 vezes mais, em comparação com duas a seis vezes mais em outros países.
Várias saídas são apontadas. O ministro Barroso sugere a criação de uma vara específica para ações de foro privilegiado; outros defendem simplesmente o fim desse privilégio. O advogado e CEO do Sem Processo, Bruno Feigelson, apoiou nestas páginas (8/8) a disseminação dos acordos extrajudiciais, especialmente nas questões ligadas ao Direito do Consumidor, que cresceram muito nos últimos anos. Sem falar nas soluções que passam pelo maior uso da tecnologia e das lawtechs. Ideias não faltam, resta encarar o problema de frente.
12 de agosto de 2016
Editorial Valor Econômico
O caso levantado pelo Valor (3/8) ilustra alguns dos mais sérios problemas da Justiça brasileira. Um deles é a demora em dar uma resposta definitiva para as partes em litígio; o outro é o fato de a Constituição brasileira permitir que praticamente qualquer assunto seja levado ao STF, atulhando a corte. Atualmente, o Supremo tem 65,2 mil processos aguardando decisão. Os últimos dados do levantamento Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), indicam que 2015 começou com um estoque de 71,2 milhões de processos pendentes, com uma taxa de congestionamento de 71,4%.
Para complicar a situação, há uma firme tendência à judicialização dos debates e ao aumento dos casos envolvendo réus com foro privilegiado, em temas que monopolizam a pauta do STF, como o Mensalão e a Lava-Jato. Nos últimos dez anos, a chegada de novos inquéritos no Supremo cresceu 162 vezes e o número de novas ações penais saltou 57 vezes, de acordo com levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) a pedido do Valor, com base em dados do projeto Supremo em Números (1/8).
O levantamento mostra também que, nesse período, o Supremo levou em média 945 dias para condenar ou absolver os réus com foro privilegiado, pouco mais de dois anos e meio, prazo que vem se alongando. Cresceu mais ainda, cerca de três vezes, o tempo para que uma ação penal transite em julgado, chegando a 1,5 mil dias, ou quatro anos.
O aumento das ações referentes a foro privilegiado desvia o foco do Supremo de importantes questões. Um desses casos é o da recomposição das perdas geradas pelos planos econômicos nos anos 1980 e 1990. Passam de 900 mil os processos que aguardam decisão do STF sobre o assunto.
Com muitos casos de foro privilegiado no Supremo, cresce o risco de impunidade, reconhece o próprio ministro Luís Roberto Barroso, pela demora e pela possibilidade de que o investigado renuncie ao mandato, levando seu processo para a primeira instância, onde a tramitação terá que recomeçar. Segundo o levantamento da FGV, entre 2005 e 2015, cerca de metade das ações penais prescreveram ou foram remetidas a outros tribunais por perda de mandato ou função.
Em meio ao descontentamento em relação ao funcionamento do Judiciário, a temperatura esquenta com as recentes propostas de aumento de salário do setor que, além de tudo, complicam o quadro fiscal. A Justiça brasileira já era das mais caras do mundo em 2013, de acordo com o pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Luciano Da Ros, em parceria com Matthew M. Taylor, da American University, situação que pode ter piorado de lá para cá. Levantamento feito por eles mostrou que o Poder Judiciário, incluindo o Ministério Público, custava o equivalente a 1,8% do PIB, dez vezes mais que na Argentina; seis vezes mais que na Itália, na Colômbia e no Chile; e quatro vezes mais que em Portugal, Alemanha e Venezuela. A mão de obra tem forte influência na despesa: a Justiça tem 412,5 mil funcionários, 210 para cada 100 mil habitantes. Os magistrados nos postos mais elevados ganham 16 vezes a renda média da população; e os que estão em início de carreira, 13 vezes mais, em comparação com duas a seis vezes mais em outros países.
Várias saídas são apontadas. O ministro Barroso sugere a criação de uma vara específica para ações de foro privilegiado; outros defendem simplesmente o fim desse privilégio. O advogado e CEO do Sem Processo, Bruno Feigelson, apoiou nestas páginas (8/8) a disseminação dos acordos extrajudiciais, especialmente nas questões ligadas ao Direito do Consumidor, que cresceram muito nos últimos anos. Sem falar nas soluções que passam pelo maior uso da tecnologia e das lawtechs. Ideias não faltam, resta encarar o problema de frente.
12 de agosto de 2016
Editorial Valor Econômico
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