"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

A DILMA DE SEMPRE

A presidente afastada, Dilma Rousseff, conseguiu o cúmulo do paradoxo, em sua defesa ontem no Senado, ao elogiar a Lei de Responsabilidade Fiscal como o maior instrumento de gestão pública que o país tem, a mesma legislação que ela transgrediu, e por isso está sendo julgada. 
O paradoxo é acentuado quando atribui “à mídia” a culpa pelo golpe e, sempre que pode, utiliza-se da mesma “mídia” para apoiar sua tese de que o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha aceitou o impeachment por vingança.

Claro que ninguém esperaria que a presidente afastada fosse ao Senado admitir sua culpa. E dizer-se inocente é comportamento comum a todos que estão em julgamento. Mesmo quando confessam seus crimes, os acusados têm direito a julgamento, no qual o advogado de defesa tentará justificar o ato ilegal, minimizar suas consequências, pedir compreensão dos jurados pelo que motivou a atitude do acusado.

Com a presidente Dilma não foi diferente. Ela não admite seus erros, tenta convencer seus julgadores, os senadores, que nada do que fez desrespeitou a legislação brasileira. 
Mas, implicitamente, tenta minimizar as acusações, dizendo que está sendo acusada por causa de “apenas” três decretos de suplementação orçamentária e “pedaladas” no Banco do Brasil para financiar a safra agrícola.

Aproveita-se da desatualização da lei de impeachment, de 1950, que impede que um presidente da República seja julgado por ato ocorrido fora de seu mandato, não levando em conta que a reeleição foi aprovada em 1997. 
O senador petista Humberto Costa destacou o que vários outros apoiadores de Dilma repetiram ontem: o impeachment é uma pena exagerada para tão pequenos desvios.

Não é possível fazer essa relativização, pois seria a mesma coisa que aceitar “um pouco de inflação”, como aconteceu durante o governo Dilma. 
Essa é a origem do verdadeiro problema dos governos petistas, considerar que os objetivos de seus projetos, supostamente benéficos aos mais pobres, podem ser alcançados sem controles externos.

Paradoxalmente, esse descontrole foi justamente o que provocou a maior depressão econômica que o país já viveu. Se na fala inicial a presidente afastada foi calculadamente sensata e alguma coisa emotiva, ao responder às perguntas dos senadores e senadoras ela voltou a ser a velha Dilma de sempre, misturando conceitos e teses, confusa na sua fala e, sobretudo, insistindo nos mesmos argumentos que atribuem principalmente à crise internacional as causas das nossas mazelas econômicas e sociais.

Dilma insistiu sempre nos mesmos argumentos, de que não houve crime de responsabilidade. A questão é que, em todos os julgamentos, há visões distintas em embate, e quem decide é a maioria dos jurados, isto é, os senadores e senadoras. A presidente afastada insistiu, no seu discurso e nas respostas, na tese do golpe parlamentar que estaria em curso.

Mas ela fez um rearranjo no seu conceito sobre o golpe, afirmando que até o momento ele não se caracterizou, mas, se ela for condenada, aí, sim, o golpe estará caracterizado. Como salientou o senador tucano Cassio Cunha Lima, essa tese é o mesmo que um pai dizer ao filho: pode torcer para qualquer time, desde que seja o Flamengo.

A tese de que o golpe será dado pela definição da maioria dos senadores a favor do impeachment, que continua sendo o resultado mais provável do julgamento, significa que a presidente afastada e seus seguidores não aceitam os senadores e senadoras como juízes, mas os qualificam como militantes políticos, golpistas no caso de condenação, e democratas e republicanos em caso de absolvição.

Não resiste a um raciocínio linear. Se a presidente afastada aceita todo o processo de julgamento, submete-se a todo o rito que foi definido pelo Supremo Tribunal Federal, vai pessoalmente ao Senado convalidando o processo, e só o considera distorcido ou golpista em caso de sua condenação, não há como levar a sério um provável recurso que ela já deixou insinuado ao Supremo Tribunal Federal.

31 de agosto de 2016
Merval Pereira, O Globo

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