As legendas nacionais vivem do Estado e desprezam os cidadãos. Melhor seria se funcionassem sob a lógica das empresas: sem agradarem ao cliente, deveriam desaparecer
AS PROPOSTAS DE UMA REFORMA política ressuscitaram no Brasil desde que Michel Temer assumiu a Presidência. O assunto não é novo. De tempos em tempos, projetos para implementar um sistema parlamentarista, instituir uma cláusula de barreira para novos partidos e proibir coligações ressurgem com promessas de sanar nossos males. Contudo, todas elas pecam ao pretender alterar mecanismos e sistemas como se apenas eles, e não as pessoas, fossem os responsáveis pela situação atual.
A reforma política - melhor dizendo, a reforma da política - deve ser discutida com a amplitude que o assunto merece. É algo que demanda uma identificação correta dos problemas existentes. Um dos mais fundamentais, quase sempre deixado de lado, é a fraca representatividade dos partidos que hoje existem no Brasil.
Não foi por outro motivo que muitos se assustaram ao assistir pela televisão às declarações dos parlamentares que votaram pelo afastamento da presidente Dilma Rousseff. Seus discursos anacrônicos soaram estranhos para uma boa parte da população. Esse distanciamento entre os partidos e a sociedade é fácil de constatar quando se observa o ínfimo número de filiações partidárias. Nas últimas duas décadas, elas nunca estiveram tão em baixa. Entre os mais jovens, a cena é ainda mais dramática. De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o número de filiados a partidos políticos com idade entre 16 e 24 anos caiu 56% de sete anos para cá nas cinco maiores legendas: PMDB, PT, PP, PSDB e PDT. O PT foi o que mais perdeu: a soma dos seus integrantes com menos de 24 anos caiu 60% desde 2009.
Basta abrir o Facebook para entender esse fenômeno. Das dez páginas políticas com maior número de seguidores, as cinco mais populares são de personalidades. A explicação é que, sem se identificarem com os partidos, os brasileiros criaram uma fidelidade às pessoas e a seu currículo, e não a um conjunto de ideias ou valores que, em teoria, seria representado pelas siglas. Das outras cinco páginas com mais seguidores que vêm na sequência, três são de partidos (o Novo, do qual faço parte, é um deles). As outras duas que restam são de movimentos que surgiram nas manifestações de rua: o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra Rua.
Partidos deveriam funcionar sob a mesma lógica das empresas privadas. Nenhuma companhia, em lugar algum do planeta, consegue sobreviver se não for capaz de atender bem seus clientes. Para a política, seria suficiente trocar essa última palavra por "cidadãos". No Brasil, as regras existentes empurram os partidos para longe deles. As legendas recebem muito dinheiro do governo e é com esse capital que se financiam. O dinheiro fácil torna desnecessário qualquer compromisso mais duradouro com seus apoiadores. Basta ser menos ruim que os concorrentes para garantir espaço. É significativo que o PMDB, o maior partido brasileiro, tenha recebido 86 milhões de reais do fundo partidário em 2015 e nada de pessoas físicas.
O desgaste dos partidos e sua falta de representatividade explicam muito dos obstáculos que temos quanto à governabilidade do país. A corrupção é um dos mais danosos entre eles. Quando os partidos são sustentados pelo Estado, e não pelos cidadãos, os políticos não se sentem na obrigação de prestar contas a seus eleitores. Ao contrário, trabalham para a consolidação de um Estado com amplo espectro de atuação, com leis excessivas, muito intervencionista, extremamente burocrático e voraz arrecadador de impostos. A consequência disso é um ambiente propício à venda de favores na gestão pública. Dos esboços já divulgados de uma reforma política, nenhum parece consertar esse sistema. Pelo contrário, o risco é eles perpetuarem seus defeitos.
Para resolvermos a questão de maneira definitiva, deveríamos adotar medidas simples, mas que dessem um incentivo na direção correta. Uma delas é a extinção do fundo partidário, a verba que sai diretamente dos cofres da União para alimentar as siglas. No meu entender, nenhum dinheiro público pode ser destinado a financiar partidos políticos. Cada agremiação deve ser sustentada pelos próprios apoiadores. À medida que as siglas conquistassem o coração dos brasileiros e recebessem doações de seus seguidores, elas garantiriam sua sobrevivência. As contribuições poderiam começar com valores baixos, permitindo a participação de grande parte dos cidadãos. O Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graacc), por exemplo, não estabelece um limite mínimo para doações. Conheço gente de baixa renda que, mesmo assim, envia 12 reais ao Graacc por mês. Se o PT, que tem 1,6 milhão de filiados, recebesse metade desse valor de cada um deles, já teria aproximadamente 9,6 milhões de reais por mês, o equivalente ao que recebe do fundo partidário atualmente.
Também é preciso acabar com o horário eleitoral gratuito na televisão e no rádio. Essa propaganda, apesar do seu nome, custa dinheiro do pagador de impostos. Seria mais saudável se essa soma fosse direcionada a serviços essenciais. A adoção do voto facultativo também daria uma grande contribuição ao favorecer o voto consciente e preservar a liberdade das pessoas. Seria importante ainda facilitar a montagem de partidos políticos de caráter nacional ou local. Tal flexibilização permitiria que qualquer grupo que não se julgue bem representado se organizasse adequadamente para manifestar seus interesses nas urnas.
A busca da representatividade e a preservação das liberdades individuais devem ser os principais objetivos de uma reforma política. A partir daí, a boa governabilidade do país viria como uma consequência natural. As demais medidas deveriam acontecer mais à frente, somente quando os brasileiro*, já tivessem a seu serviço um Legislativo que, de fato, represente de forma legítima e coerente seus anseios e interesses.
18 de julho de 2016
João Dionisio Amoêdo é administrador de empresas e presidente do Partido Novo
AS PROPOSTAS DE UMA REFORMA política ressuscitaram no Brasil desde que Michel Temer assumiu a Presidência. O assunto não é novo. De tempos em tempos, projetos para implementar um sistema parlamentarista, instituir uma cláusula de barreira para novos partidos e proibir coligações ressurgem com promessas de sanar nossos males. Contudo, todas elas pecam ao pretender alterar mecanismos e sistemas como se apenas eles, e não as pessoas, fossem os responsáveis pela situação atual.
A reforma política - melhor dizendo, a reforma da política - deve ser discutida com a amplitude que o assunto merece. É algo que demanda uma identificação correta dos problemas existentes. Um dos mais fundamentais, quase sempre deixado de lado, é a fraca representatividade dos partidos que hoje existem no Brasil.
Não foi por outro motivo que muitos se assustaram ao assistir pela televisão às declarações dos parlamentares que votaram pelo afastamento da presidente Dilma Rousseff. Seus discursos anacrônicos soaram estranhos para uma boa parte da população. Esse distanciamento entre os partidos e a sociedade é fácil de constatar quando se observa o ínfimo número de filiações partidárias. Nas últimas duas décadas, elas nunca estiveram tão em baixa. Entre os mais jovens, a cena é ainda mais dramática. De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o número de filiados a partidos políticos com idade entre 16 e 24 anos caiu 56% de sete anos para cá nas cinco maiores legendas: PMDB, PT, PP, PSDB e PDT. O PT foi o que mais perdeu: a soma dos seus integrantes com menos de 24 anos caiu 60% desde 2009.
Basta abrir o Facebook para entender esse fenômeno. Das dez páginas políticas com maior número de seguidores, as cinco mais populares são de personalidades. A explicação é que, sem se identificarem com os partidos, os brasileiros criaram uma fidelidade às pessoas e a seu currículo, e não a um conjunto de ideias ou valores que, em teoria, seria representado pelas siglas. Das outras cinco páginas com mais seguidores que vêm na sequência, três são de partidos (o Novo, do qual faço parte, é um deles). As outras duas que restam são de movimentos que surgiram nas manifestações de rua: o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra Rua.
Partidos deveriam funcionar sob a mesma lógica das empresas privadas. Nenhuma companhia, em lugar algum do planeta, consegue sobreviver se não for capaz de atender bem seus clientes. Para a política, seria suficiente trocar essa última palavra por "cidadãos". No Brasil, as regras existentes empurram os partidos para longe deles. As legendas recebem muito dinheiro do governo e é com esse capital que se financiam. O dinheiro fácil torna desnecessário qualquer compromisso mais duradouro com seus apoiadores. Basta ser menos ruim que os concorrentes para garantir espaço. É significativo que o PMDB, o maior partido brasileiro, tenha recebido 86 milhões de reais do fundo partidário em 2015 e nada de pessoas físicas.
O desgaste dos partidos e sua falta de representatividade explicam muito dos obstáculos que temos quanto à governabilidade do país. A corrupção é um dos mais danosos entre eles. Quando os partidos são sustentados pelo Estado, e não pelos cidadãos, os políticos não se sentem na obrigação de prestar contas a seus eleitores. Ao contrário, trabalham para a consolidação de um Estado com amplo espectro de atuação, com leis excessivas, muito intervencionista, extremamente burocrático e voraz arrecadador de impostos. A consequência disso é um ambiente propício à venda de favores na gestão pública. Dos esboços já divulgados de uma reforma política, nenhum parece consertar esse sistema. Pelo contrário, o risco é eles perpetuarem seus defeitos.
Para resolvermos a questão de maneira definitiva, deveríamos adotar medidas simples, mas que dessem um incentivo na direção correta. Uma delas é a extinção do fundo partidário, a verba que sai diretamente dos cofres da União para alimentar as siglas. No meu entender, nenhum dinheiro público pode ser destinado a financiar partidos políticos. Cada agremiação deve ser sustentada pelos próprios apoiadores. À medida que as siglas conquistassem o coração dos brasileiros e recebessem doações de seus seguidores, elas garantiriam sua sobrevivência. As contribuições poderiam começar com valores baixos, permitindo a participação de grande parte dos cidadãos. O Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graacc), por exemplo, não estabelece um limite mínimo para doações. Conheço gente de baixa renda que, mesmo assim, envia 12 reais ao Graacc por mês. Se o PT, que tem 1,6 milhão de filiados, recebesse metade desse valor de cada um deles, já teria aproximadamente 9,6 milhões de reais por mês, o equivalente ao que recebe do fundo partidário atualmente.
Também é preciso acabar com o horário eleitoral gratuito na televisão e no rádio. Essa propaganda, apesar do seu nome, custa dinheiro do pagador de impostos. Seria mais saudável se essa soma fosse direcionada a serviços essenciais. A adoção do voto facultativo também daria uma grande contribuição ao favorecer o voto consciente e preservar a liberdade das pessoas. Seria importante ainda facilitar a montagem de partidos políticos de caráter nacional ou local. Tal flexibilização permitiria que qualquer grupo que não se julgue bem representado se organizasse adequadamente para manifestar seus interesses nas urnas.
A busca da representatividade e a preservação das liberdades individuais devem ser os principais objetivos de uma reforma política. A partir daí, a boa governabilidade do país viria como uma consequência natural. As demais medidas deveriam acontecer mais à frente, somente quando os brasileiro*, já tivessem a seu serviço um Legislativo que, de fato, represente de forma legítima e coerente seus anseios e interesses.
18 de julho de 2016
João Dionisio Amoêdo é administrador de empresas e presidente do Partido Novo
Revista Veja
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