Uma tragédia, desde Aristóteles, é diferente de um morticínio por banalidades. O que tem significado trágico é a manipulação de nossa visão.
Segundo Aristóteles, o que caracteriza a tragédia, entre outras coisas, é a imitação de uma ação importante e completa que suscite a compaixão ou o terror, tendo assim o efeito de purgar tais emoções no espectador.
A tragédia deve ser apresentada respeitando-se um limite de tempo razoável entre suas ações, de modo que o espectador não perca a perspectiva dos fatos narrados.
A tragédia se dá, geralmente, no decorrer de um ciclo solar ou pouco mais.
Se um inimigo mata outro, não há aí nada que mereça a compaixão, ou mesmo se pessoas estranhas entre si se matam. A compaixão será despertada na tragédia quando os acontecimentos se produzem entre pessoas unidas pela afeição.
Não é conveniente, ainda, mostrar pessoas boas passando da felicidade ao infortúnio, nem homens maus passando do crime à prosperidade ou mesmo um homem perverso tombando da felicidade ao infortúnio.
O temor nasce do homem comum, nosso semelhante, nem totalmente virtuoso nem completamente perverso, que cai no infortúnio em conseqüência de algum erro que cometeu.
Deve-se oferecer uma mudança da felicidade para o infortúnio não em conseqüência da perversidade do personagem, mas por causa de algum erro grave que cometeu. Há que se ter começo meio e fim, intriga e desenlace, peripécias e reconhecimento.
Dito isto, sob o prisma da Arte Poética, de fato o que vem ocorrendo no mundo ocidental desde o ano de 711 não poderia ser caracterizado como uma tragédia.
O que há é apenas a comoção perante a monstruosidade. Milhares de pessoas mortas estupidamente por motivações ideológicas bem definidas não é uma tragédia, não é poesia ou filosofia, mas apenas a crua e árida história.
Mesmo se considerarmos a definição mais vulgar de tragédia, como sendo qualquer coisa ruim que acontece, ainda não cabe no caso do terrorismo islâmico.
Quando acontece uma tragédia, seja no âmbito pessoal ou não, a primeira coisa que questionamos, mesmo sem qualquer possibilidade de resposta racional, é: “por quê?”
Nesse sentido uma doença, por exemplo, seria uma tragédia.
É a mão pesada do Destino desabando sobre nós ou sobre nossos semelhantes de maneira imprevisível e inevitável. Um carro perfeitamente dentro das normas de segurança e respeitando as leis de trânsito, quando atingido por uma carreta guiada por um motorista bêbado e irresponsável sofre uma tragédia nesse sentido.
Se alguém ameaça matar outrem e assim o faz, de modo algum essa morte pode ser considerada uma tragédia, pois era um fato premeditado, avisado e previsível.
A tragédia carrega algo de inevitável, de surpreendente.
O que ocorreu em Nice foi parte da intenção anunciada e conhecida do fundamentalismo islâmico de destruir a civilização ocidental, matar os “infiéis” e fundar um califado mundial.
Nessa pseudo-tragédia moderna, gente inocente sofre as conseqüências dos erros de políticos, jornalistas e acadêmicos que, cegos às ameaças gritadas pelo islamismo em alto e bom som, buscam justificar o terrorismo islâmico de todas as maneiras possíveis que não seja o próprio islamismo e, dessa forma, acabam encontrando soluções equivocadas, sempre baseadas na mentalidade multiculturalista e politicamente correta.
Podemos acompanhar a cobertura do atentado em Nice da Globo News o dia inteiro que não ficaremos sabendo o porquê de mais esse ataque, quais são suas causas, qual a ideologia que apregoa tais ações. Ontem, no Jornal Nacional, a palavra “islâmico” não foi usada durante toda a cobertura do atentado.
Como Aristóteles claramente alertava como exemplo de condução dramática imoral, os maus e os covardes, aqueles que propõem soluções erradas e inúteis baseados em seus diagnósticos ideologicamente viciados, longe de amargarem o infortúnio, acabam sendo alçados à condição de sábios e “formadores de opinião”, ganhando fama, dinheiro e notoriedade.
Quem cai em desgraça é o povo comum, a multidão sem rosto cruelmente assassinada, enquanto aqueles que detém o poder para fazer algo estão seguros em seus castelos e protegidos por seguranças armados.
O atentado em Nice não foi uma tragédia, mas uma brutalidade, um crime contra a Humanidade totalmente previsível e anunciado. A verdadeira tragédia é ver pessoas comuns pagando com a própria vida pelos erros e pela pusilanimidade de uma elite política, acadêmica e midiática.
18 de julho de 2016
Tom Martins, senso incomum
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