"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 25 de julho de 2016

A RELAÇÃO ENTRE O ISLÃ E O TERRORISMO

Sim, o Extremismo é Islâmico, mas isso é só o início do debate


As consequências do ataque terrorista em São Bernardino nos recordam, de forma dramática, que os Estados Unidos ainda não aprendeu como ter um debate construtivo sobre as ideias que movem organizações, tais como o Estado Islâmico e a al-Qaeda. Sabemos que os Estados Unidos estão comprometidos na guerra contra inimigos que veem a si mesmos como uma vanguarda do Islã. Ainda assim, não vamos além de um argumento cada vez mais polarizado sobre se podemos ou não aplicar o adjetivo “Islâmico” ao extremismo de nossos adversários. 
Como resultado disso, somos incapazes de ter um debate mais prático sobre os motivos que levam dezenas de milhares de jovens muçulmanos a reconhecerem as doutrinas do Estado Islâmico como autenticamente Islâmicas – e como evitar que essa percepção se espalhe.
O presidente Obama nega, há muito tempo, que haja qualquer coisa de “Islâmico” em nossos inimigos, e utiliza dois argumentos fundamentais em sua posição.  
O primeiro é o de que a descrição das crenças de nossos inimigos como islâmicas, de um jeito ou de outro, reforça a validação de seus esforços em serem retratados como líderes religiosos – guerreiros santos em defesa do Islã. “É assim que eles recrutam”, explica Obama. “É dessa forma que tentam radicalizar os jovens”.
A segunda preocupação do presidente é de que toda associação dos nossos inimigos a uma versão autêntica do Islã promove preconceitos divisores internamente que podem aumentar a agenda extremista no exterior. 
Assim, em seu discurso à nação, depois do tiroteio em San Bernardino, Obama disse: “É de responsabilidade de todos americanos – independente da fé – rejeitar a discriminação”, e que se falharmos nesse teste – “essa traição de nossos valores fará parte do jogo de grupos como o EI”.
Embora as intenções do presidente sejam nobres, sua recusa em reconhecer qualquer relação concreta entre o Islã e o extremismo não só é ineficiente, como tem o potencial de causar justamente o tipo de pânico desenfreado que ele tenta evitar. 
Acadêmicos de prestígio observam que de fato há uma interseção entre ideologias extremistas e as grandes correntes do pensamento islâmico. Como escreve o Dr. Shadi Hamid, da Brookings Institution: “o EI utiliza e extrai as ideias que possuem uma ampla ressonância entre os povos de maioria muçulmana”. 
Ele observa, por exemplo, que a maioria esmagadora de países árabes é favorável à pena de morte como forma de punição por apostasia. Ainda que seja pouco diplomático ao presidente referir-se a essa questão especificamente, ele poderia abrir as portas a um diálogo sobre como certas tradições islâmicas podem ser mais facilmente expropriadas pelo EI ou a al-Qaeda.
Verdade seja dita, o presidente Obama tem razão ao dizer que sua posição nessas questões não se diferencia consideravelmente daquelas de seu antecessor. Apenas alguns dias depois dos ataques do 11 de setembro de 2001, Bush falou no Centro Islâmico da capital, em Washington, onde declarou:
A face do terror não representa a verdadeira fé do Islã. Isso não se trata do Islã. Islã é paz. Esses terroristas não representam a paz. Eles representam o mal e a guerra.
Bush cunhou a expressão “radicalismo islâmico” ao longo de seu mandato, mas retratou o Islã, basicamente, da mesma maneira que Obama o faz nesse momento.
Independente de como o presidente estabelece o equilíbrio necessário entre a cortesia diplomática e a precisão analítica, o debate público sobre a relação entre o Islã e o terrorismo deveria começar com uma ênfase na escola de pensamento que as lideranças acadêmicas classificam como a Jihad Salafista, o Jihadismo radical, ou simplesmente o Jihadismo. Tanto os líderes da al-Qaeda quanto os do Estado Islâmico aderem explicitamente a esse movimento. 
Em um trabalho de análise pela Brookings Institution, Cole Bunzel, da Universidade de Princeton, explica que, enquanto extremo, o pensamento Jihad-Salafista é baseado “em uma leitura dos escritos islâmicos que também são textualmente rigorosos, profundamente enraizados em uma tradição teológica pré-moderna e extensivamente elaborados por um grupo de autoridades religiosas reconhecidas”.
Ainda que o salafismo não apoie o extremismo diretamente, ele possui elementos convenientes para se embasar uma interpretação extremista do Islã. Como Bunzel  percebe, “Salafistas veem a si mesmos como os únicos muçulmanos verdadeiros” enquanto consideram os praticantes da “idolatria majoritária” – incluindo todos os Xiitas – como apóstatas. 
Somado a isso, muitos acreditam que o governo democrático é uma forma de apostasia. Jaboc Olidort, também de Princeton, observa que pelo fato dos Salafistas compartilharem “o mesmo DNA teológico”, a transição entre práticas não violentas de fé e o jihadismo “não representa uma enorme diferença conceitual”.
Para países com um forte comprometimento com as liberdades de expressão e de consciência, talvez seja difícil lidar com uma ameaça que se apresenta por meio de ideias em vez de comportamentos. 
No entanto, isso se torna necessário quando certas crenças possuem o potencial de gerar extremismos e extremistas.
Em seu discurso à nação, o presidente Obama mencionou brevemente que o governo americano está trabalhando em conjunto “com a comunidade muçulmana em nosso país para conter a perversa ideologia que o EI promove pela internet.” 
Porém, em vez de descrever tal iniciativa —por quê tais esforços são necessários, ou o que podemos fazer para garantir seu sucesso —, ele rapidamente passa a articular propostas de desarmamento e reforma imigratória que não teriam impedido os atentados em San Bernardino.
Todavia, o presidente foi correto ao reiterar, no domingo (6/12/2015), a importância em rejeitar o preconceito e a intolerância contra os muçulmanos. Tendo em conta algumas sugestões recentes de que o governo deveria registrar seus cidadãos muçulmanos ou banir, temporariamente, muçulmanos estrangeiros de entrarem nos Estados Unidos, tal lembrete foi necessário. 
Ainda assim, isso deveria estabelecer condições para um debate sério sobre o Islã e o extremismo, em vez de uma desculpa para não reconhecer tal relação.
Negar-se a reconhecer a ligação entre o terrorismo e o Islã “não é sequer eficaz na luta contra a Islamofobia”, escreve Hamid, da Brooking Institution, pois “alegar que não há relação entre o EI e o Islã soa como algo totalmente fora da realidade.” 
Muito pelo contrário, ao explicar como certas tradições islâmicas conduzem ao extremismo sob determinadas circunstâncias, o presidente poderia até mostrar que o Islã em si não é uma ameaça enquanto promove discussões produtivas sobre como prevenir novos ataques.
25 de julho de 2016
[*] David Adesnik. “Yes, Islamic Extremism is Islamic, but That’s Just the Beginning of the Debate”. National Review,  17 de dezembro de 2015.
Tradução: Felipe Galves Duarte
Revisão: Hugo Silver

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