Certamente o leitor já teve ocasião de ouvir entrevistas do tipo em que o repórter pergunta – “O que é isto ou aquilo para você?”. E o entrevistado responde – “Ah! Isso para mim é tudo!”. Tudo? Como assim “tudo”? Atribuir totalidade a algo é sintoma de fragilidade mental. Coisa nenhuma pode corresponder ao todo na medida em que o todo é, por definição, a agregação de tudo. Nem Deus pode ser tudo porque se o fosse acabaria agasalhando sua contradição, seu antípoda, o sujeito da fumegante fornalha do andar de baixo. Mesmo assim, o fato permanece: muitas pessoas agem como se alguma coisa fosse tudo, mesmo.
Quando isso ocorre com futilidades, as conseqüências, por vezes graves, se limitam ao âmbito pessoal ou familiar. Constitui, porém, desvio psicológico capaz de produzir verdadeiras tragédias atribuir essa totalidade à política. O leitor muito provavelmente sabe do que estou falando; conhece e convive com pessoas para as quais a política é tudo. E certamente conhece também idéias políticas que, seduzindo corações e mentes, cobram dos que a elas aderem essa entrega total.
Tudo é o partido e nada é mais importante do que a reunião do partido, a defesa do partido, a propaganda partidária. Prioridade alguma se pode sobrepor aos atos convocados pelo partido e nenhuma razão traz consigo a audácia de questionar suas razões e seus procedimentos.
TOTALITARISMO
Estou exagerando? Pense no professor que usa a sala de aula para fazer a cabeça dos alunos, no religioso que emprega o púlpito como palanque e que não distingue sua ação pastoral de sua militância política, no jornalista que, na cozinha da redação, manipula o fato para produzir a versão que mais convém ao partido, no torcedor de futebol que mistura o símbolo de seu partido com a bandeira de seu clube, transformado qualquer coisa em vetor de suas próprias manias e compulsões.
Essa totalidade, na política, é a farinha e o fermento do totalitarismo. Mobilize-a com o que bem quiser (insatisfação, revolta, revolução) ou lhe dê o nome que preferir (utopia, radicalização da democracia, organização da cidadania). O produto final será sempre antidemocrático, maniqueísta, totalitário. A melhor proteção contra esse produto é o conhecimento de sua natureza. Da mesma forma, a comprovar a importância do equilíbrio, ignorar completamente a dimensão política do ser humano e a importância da política à vida em sociedade é sinal de pouco juízo e rompimento com um grave dever moral. A omissão na política, pavimenta o caminho dos demagogos, dos incompetentes, dos oportunistas e dos tiranos. E o omisso, cedo ou tarde, será chamado, com todos os demais, a pagar essa conta.
27 de julho de 2015
Percival Puggina
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