A crise política e econômica atual cria a oportunidade de fazermos realmente mudanças profundas, como as reformas política, tributária e agrária. Para termos a embocadura correta, importa considerar alguns pontos prévios.
Em primeiro lugar, cabe situar nossa crise dentro da crise maior da humanidade como um todo. Não vê-la dentro desse embricamento é estar fora do atual curso da história. Somos momento de um todo maior. No nosso caso, não escapa ao olhar curioso dos países centrais e das grandes corporações qual será o destino da sétima economia mundial. Não é do interesse da estratégia imperial que haja no Atlântico Sul uma nação continental como o Brasil que não se alinhe aos interesses globais.
Em segundo lugar, a atual crise brasileira tem um histórico que jamais pode ser esquecido: nunca houve uma forma de governo que desse atenção adequada às grandes maiorias. O Estado, apropriado desde o início de nossa história pelas classes proprietárias, não estava apetrechado para atender suas demandas.
Em terceiro lugar, há que se reconhecer que, como fruto de uma penosa e sangrenta história de lutas e superação de obstáculos de toda ordem, se constituiu outra base social para o poder político que agora ocupa o Estado e seus aparelhos. De um Estado elitista e neoliberal se transitou para um Estado republicano e social que, no meio dos maiores constrangimentos e concessões às forças dominantes nacionais e internacionais, conseguiu colocar no centro quem estava sempre na margem.
BOAS MEDIDAS
É de magnitude histórica inegável o fato de o governo do PT ter tirado da miséria 36 milhões de pessoas e lhes dado acesso aos bens fundamentais da vida. O que querem os humildes da Terra? Ver garantido o acesso aos bens mínimos que lhes possam fazer viver. A isso servem a Bolsa Família, Minha Casa, Minha vida, Luz para Todos e outras políticas sociais e culturais.
Qualifiquem como quiserem essas medidas, mas elas foram boas para a imensa maioria do povo brasileiro. Não é a primeira missão ética do Estado de direito a de garantir a vida de seus cidadãos? Por que os governos anteriores, em séculos, não tomaram essas iniciativas?
Há ódio de classe, sim, neste país, além da indignação e da raiva compreensíveis provocadas pelos escândalos de corrupção havidos no governo hegemonizado pelo PT. Essas elites, com seus meios de comunicação altamente marcados pela ideologia reacionária e de direita, apoiados pela velha oligarquia, diferente da moderna, mais aberta e nacionalista, que em parte apoia o projeto do PT, nunca aceitaram um governo de cariz popular. Fazem de tudo para inviabilizá-lo e, para isso, se servem de distorções, difamações e mentiras.
ESTRATÉGIAS
Duas estratégias se desenham pela direita que conseguiu se articular para voltar ao poder central, que perdeu pelo voto, mas não se conformou. A primeira é manter na sociedade uma situação de permanente crise política para, com isso, impedir que Dilma governe. A segunda consiste num processo de desmontagem do governo do PT, caluniando-o como incompetente e ineficaz, e desconstruir a liderança do ex-presidente Lula com difamações, distorções e mentiras diretas, que, quando desmascaradas, não são desmentidas.
Esse tipo de procedimento apenas revela que a democracia que ainda temos é de baixíssima intensidade.
Não sairemos dessa crise nem desfaremos os conchavos revanchistas e golpistas sem as reformas política, tributária e agrária. Caso contrário, a democracia será manca e caolha.
25 de maio de 2015
Leonardo Boff
O Tempo
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