Paralelos italianos estão na moda. De boa-fé, Fernando Gabeira produziu um paralelo errado. “Outro dia, vi no Roda Viva Demétrio Magnoli lembrar que o PT faz parte da história do Brasil e, portanto, não acabaria”, escreveu no Estadão em 8 de maio, para divergir:
“O Partido Comunista da Itália era um pedaço da história do país, era até certo orgulho internacional por sua visão singular do comunismo. Acabou”.
De má-fé, escribas governistas financiados por empresas estatais insistem em outro paralelo, também errado.
Segundo essas vozes, a Lava Jato segue trajetória similar à da Operação Mãos Limpas, que teria sido responsável pela destruição do sistema político italiano e a consequente ascensão de Silvio Berlusconi.
Meu argumento é mais longo que a síntese de Gabeira. Eu disse, ou espero ter dito, duas coisas:
Meu argumento é mais longo que a síntese de Gabeira. Eu disse, ou espero ter dito, duas coisas:
a) O PT nasceu na transição do encerramento da ditadura militar, como uma reinvenção da esquerda brasileira;
b) Por isso, apesar de tudo, representa parcela significativa do eleitorado.
Mas, de um modo ou de outro, o paralelo italiano não funciona. O PCI não “acabou” como consequência de suas ações na Itália. O velho partido foi tragado por um evento externo: a demolição da utopia comunista, na hora da queda do Muro de Berlim e da implosão da URSS.
No fundo, com outras palavras, Gabeira repete Marta Suplicy: “Se o PT não mudar, acaba”. O conceito é discutível, talvez verdadeiro, mas comprova a inadequação do paralelo italiano.
No fundo, com outras palavras, Gabeira repete Marta Suplicy: “Se o PT não mudar, acaba”. O conceito é discutível, talvez verdadeiro, mas comprova a inadequação do paralelo italiano.
O PCI começou a mudar em 1969, como reação à invasão soviética da Tchecoslováquia, adotando uma “visão singular do comunismo”.
No rumo do chamado eurocomunismo, distinguiu-se dos partidos ocidentais fiéis a Moscou e, por isso, conservou seu amplo apoio popular na Itália.
Nem assim, contudo, escapou ao destino dos demais partidos comunistas.
Gabeira discute em busca do esclarecimento — e, nessa via, formula o dilema real que aflige o PT. A experiência no poder degradou o partido perante seu eleitorado original, que nele enxergava a imagem de uma esquerda democrática, pluralista e atenta à ética pública. Hoje, na encruzilhada, o PT resiste à mudança, preferindo fechar-se num discurso negacionista: a culpa é dos outros, da “elite”, da “mídia” ou do “conservadorismo popular”.
Gabeira discute em busca do esclarecimento — e, nessa via, formula o dilema real que aflige o PT. A experiência no poder degradou o partido perante seu eleitorado original, que nele enxergava a imagem de uma esquerda democrática, pluralista e atenta à ética pública. Hoje, na encruzilhada, o PT resiste à mudança, preferindo fechar-se num discurso negacionista: a culpa é dos outros, da “elite”, da “mídia” ou do “conservadorismo popular”.
A resistência expressa a subordinação do partido aos dirigentes históricos responsáveis pela crise. O PCI começou a mudar com a emergência de uma nova direção, representada por Enrico Berlinguer; o PT não será capaz de mudar enquanto o timão estiver nas mãos de Lula e José Dirceu. Eis aí o único paralelo viável entre os dois partidos.
O outro paralelo italiano emana de veículos eletrônicos controlados pelo lulopetismo, mas financiados pelo BNDES, pela Caixa e pela Petrobras, na orgia de desvios partidários de recursos públicos que se normalizou no país.
O outro paralelo italiano emana de veículos eletrônicos controlados pelo lulopetismo, mas financiados pelo BNDES, pela Caixa e pela Petrobras, na orgia de desvios partidários de recursos públicos que se normalizou no país.
Não é um esforço intelectual para decifrar a cena nacional, mas um artefato destinado a hipnotizar a militância petista na conjuntura da crise. É um simulacro de historiografia e de ciência política que ofende a evidência factual.
A Mãos Limpas (Mani pulite) funciona, efetivamente, como fonte de inspiração teórica e metodológica para o juiz Sérgio Moro. Na operação, os juízes italianos expuseram as intrincadas redes de corrupção estabelecidas entre políticos e empresários, num sistema de intercâmbios de suborno por contratos públicos.
E, de fato, o escândalo provocou um terremoto no sistema político da Itália.
A Democracia Cristã (DC), o maior partido do país, perdeu metade de seus votos em 1992 e explodiu dois anos mais tarde.
O venerável Partido Socialista (PSI), fundado em 1892, desapareceu junto com a DC. Mas a ascensão de Berlusconi não derivou da Mani pulite, e sim da derrota final dos juízes de Milão — que foi provocada, em parte, pelos herdeiros do PCI.
O PCI não “acabou”: continuou mudando. Em 1991, no rastro da queda do Muro de Berlim, transformou-se no Partido Democrático da Esquerda (PDS).
O PCI não “acabou”: continuou mudando. Em 1991, no rastro da queda do Muro de Berlim, transformou-se no Partido Democrático da Esquerda (PDS).
Cinco anos depois, a coalizão liderada pelo PDS venceu as eleições gerais, batendo Berlusconi. Nos governos de Romano Prodi e de Massimo D’Alema, entre 1996 e 2000, o partido da esquerda teve a oportunidade de apoiar as investigações judiciais que avançavam sobre os negócios mafiosos de Berlusconi.
Contudo, a fim de proteger os seus próprios corruptos, o PDS ajudou a passar leis cuidadosamente desenhadas para retardar julgamentos e antecipar prescrições.
A santa aliança da elite política italiana quebrou as pernas da Mani pulite. O apertado triunfo de Berlusconi nas eleições de 2001 refletiu o desencanto dos eleitores com o teatro hipócrita da centro-esquerda. No refluxo da maré, atribuir aos juízes milaneses a responsabilidade pela instabilidade política e pela estagnação econômica converteu-se em algo como um esporte nacional. O ciclo de paralisia e negacionismo perduraria por mais de uma década, até o sismo político de 2014.
A santa aliança da elite política italiana quebrou as pernas da Mani pulite. O apertado triunfo de Berlusconi nas eleições de 2001 refletiu o desencanto dos eleitores com o teatro hipócrita da centro-esquerda. No refluxo da maré, atribuir aos juízes milaneses a responsabilidade pela instabilidade política e pela estagnação econômica converteu-se em algo como um esporte nacional. O ciclo de paralisia e negacionismo perduraria por mais de uma década, até o sismo político de 2014.
Berlusconi não é um fruto do sucesso da Mani pulite, mas o resultado de seu fracasso.
O paralelo certo entre a Itália e o Brasil está em outro lugar. Aqui, como aconteceu lá nos anos quentes da Mani pulite, o governo procura caminhos para sabotar as investigações judiciais. De um lado, em público, Dilma Rousseff aplaude a Lava Jato e promete limpar a Petrobras dos “predadores internos” nomeados por ela mesma e por Lula. De outro, nas catacumbas, os pistoleiros do lulopetismo entregam-se à difamação de Sérgio Moro e à usinagem de uma vulgar falsificação histórica sobre a ascensão de Berlusconi.
O paralelo certo entre a Itália e o Brasil está em outro lugar. Aqui, como aconteceu lá nos anos quentes da Mani pulite, o governo procura caminhos para sabotar as investigações judiciais. De um lado, em público, Dilma Rousseff aplaude a Lava Jato e promete limpar a Petrobras dos “predadores internos” nomeados por ela mesma e por Lula. De outro, nas catacumbas, os pistoleiros do lulopetismo entregam-se à difamação de Sérgio Moro e à usinagem de uma vulgar falsificação histórica sobre a ascensão de Berlusconi.
A mensagem deles é que tudo deve permanecer como sempre foi.
Paralelos são melhores para identificar diferenças do que para iluminar semelhanças.
Paralelos são melhores para identificar diferenças do que para iluminar semelhanças.
Na Itália, o partido da esquerda desempenhou papel relevante, mas acessório, na derrota dos juízes de Milão.
No Brasil, o lulopetismo é a principal ameaça às investigações conduzidas pelo juiz e pelos procuradores de Curitiba.
21 de maio de 2015
Demétrio Magnoli
21 de maio de 2015
Demétrio Magnoli
http://lorotaspoliticaseverdades.blogspot.com/2015/05/paralelos-italianos.html
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