"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

PARALELOS ITALIANOS

Paralelos italianos estão na moda. De boa-fé, Fernando Gabeira produziu um paralelo errado. “Outro dia, vi no Roda Viva Demétrio Magnoli lembrar que o PT faz parte da história do Brasil e, portanto, não acabaria”, escreveu no Estadão em 8 de maio, para divergir:
“O Partido Comunista da Itália era um pedaço da história do país, era até certo orgulho internacional por sua visão singular do comunismo. Acabou”. 

De má-fé, escribas governistas financiados por empresas estatais insistem em outro paralelo, também errado. 
Segundo essas vozes, a Lava Jato segue trajetória similar à da Operação Mãos Limpas, que teria sido responsável pela destruição do sistema político italiano e a consequente ascensão de Silvio Berlusconi.

Meu argumento é mais longo que a síntese de Gabeira. Eu disse, ou espero ter dito, duas coisas: 

a) O PT nasceu na transição do encerramento da ditadura militar, como uma reinvenção da esquerda brasileira; 

b) Por isso, apesar de tudo, representa parcela significativa do eleitorado. 

Mas, de um modo ou de outro, o paralelo italiano não funciona. O PCI não “acabou” como consequência de suas ações na Itália. O velho partido foi tragado por um evento externo: a demolição da utopia comunista, na hora da queda do Muro de Berlim e da implosão da URSS.

No fundo, com outras palavras, Gabeira repete Marta Suplicy: “Se o PT não mudar, acaba”. O conceito é discutível, talvez verdadeiro, mas comprova a inadequação do paralelo italiano. 
O PCI começou a mudar em 1969, como reação à invasão soviética da Tchecoslováquia, adotando uma “visão singular do comunismo”. 
No rumo do chamado eurocomunismo, distinguiu-se dos partidos ocidentais fiéis a Moscou e, por isso, conservou seu amplo apoio popular na Itália. 
Nem assim, contudo, escapou ao destino dos demais partidos comunistas.

Gabeira discute em busca do esclarecimento — e, nessa via, formula o dilema real que aflige o PT. A experiência no poder degradou o partido perante seu eleitorado original, que nele enxergava a imagem de uma esquerda democrática, pluralista e atenta à ética pública. Hoje, na encruzilhada, o PT resiste à mudança, preferindo fechar-se num discurso negacionista: a culpa é dos outros, da “elite”, da “mídia” ou do “conservadorismo popular”. 

A resistência expressa a subordinação do partido aos dirigentes históricos responsáveis pela crise. O PCI começou a mudar com a emergência de uma nova direção, representada por Enrico Berlinguer; o PT não será capaz de mudar enquanto o timão estiver nas mãos de Lula e José Dirceu. Eis aí o único paralelo viável entre os dois partidos.

O outro paralelo italiano emana de veículos eletrônicos controlados pelo lulopetismo, mas financiados pelo BNDES, pela Caixa e pela Petrobras, na orgia de desvios partidários de recursos públicos que se normalizou no país. 
Não é um esforço intelectual para decifrar a cena nacional, mas um artefato destinado a hipnotizar a militância petista na conjuntura da crise. É um simulacro de historiografia e de ciência política que ofende a evidência factual.
A Mãos Limpas (Mani pulite) funciona, efetivamente, como fonte de inspiração teórica e metodológica para o juiz Sérgio Moro. Na operação, os juízes italianos expuseram as intrincadas redes de corrupção estabelecidas entre políticos e empresários, num sistema de intercâmbios de suborno por contratos públicos. 
E, de fato, o escândalo provocou um terremoto no sistema político da Itália. 
A Democracia Cristã (DC), o maior partido do país, perdeu metade de seus votos em 1992 e explodiu dois anos mais tarde. 

O venerável Partido Socialista (PSI), fundado em 1892, desapareceu junto com a DC. Mas a ascensão de Berlusconi não derivou da Mani pulite, e sim da derrota final dos juízes de Milão — que foi provocada, em parte, pelos herdeiros do PCI.

O PCI não “acabou”: continuou mudando. Em 1991, no rastro da queda do Muro de Berlim, transformou-se no Partido Democrático da Esquerda (PDS). 
Cinco anos depois, a coalizão liderada pelo PDS venceu as eleições gerais, batendo Berlusconi. Nos governos de Romano Prodi e de Massimo D’Alema, entre 1996 e 2000, o partido da esquerda teve a oportunidade de apoiar as investigações judiciais que avançavam sobre os negócios mafiosos de Berlusconi. 
Contudo, a fim de proteger os seus próprios corruptos, o PDS ajudou a passar leis cuidadosamente desenhadas para retardar julgamentos e antecipar prescrições.

A santa aliança da elite política italiana quebrou as pernas da Mani pulite. O apertado triunfo de Berlusconi nas eleições de 2001 refletiu o desencanto dos eleitores com o teatro hipócrita da centro-esquerda. No refluxo da maré, atribuir aos juízes milaneses a responsabilidade pela instabilidade política e pela estagnação econômica converteu-se em algo como um esporte nacional. O ciclo de paralisia e negacionismo perduraria por mais de uma década, até o sismo político de 2014. 
Berlusconi não é um fruto do sucesso da Mani pulite, mas o resultado de seu fracasso.

O paralelo certo entre a Itália e o Brasil está em outro lugar. Aqui, como aconteceu lá nos anos quentes da Mani pulite, o governo procura caminhos para sabotar as investigações judiciais. De um lado, em público, Dilma Rousseff aplaude a Lava Jato e promete limpar a Petrobras dos “predadores internos” nomeados por ela mesma e por Lula. De outro, nas catacumbas, os pistoleiros do lulopetismo entregam-se à difamação de Sérgio Moro e à usinagem de uma vulgar falsificação histórica sobre a ascensão de Berlusconi.

A mensagem deles é que tudo deve permanecer como sempre foi.
Paralelos são melhores para identificar diferenças do que para iluminar semelhanças. 
Na Itália, o partido da esquerda desempenhou papel relevante, mas acessório, na derrota dos juízes de Milão. 
No Brasil, o lulopetismo é a principal ameaça às investigações conduzidas pelo juiz e pelos procuradores de Curitiba.


21 de maio de 2015
Demétrio Magnoli

http://lorotaspoliticaseverdades.blogspot.com/2015/05/paralelos-italianos.html

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