O mal-estar com a política nacional tem dado impulso aos clamores por uma reforma política. Digo "uma" e não "a" reforma política, pois cada um pode esperar dela o que bem entender - se é que espera algo em particular, ou entende algo a seu respeito. A insatisfação com o modo de fazer política é de tal magnitude e tão disseminada que a palavra de ordem da reforma política ganhou paulatinamente mais e mais adeptos. Tornou-se inclusive, um tema popular - sucesso de público e mídia. Já perdi a conta das palestras e entrevistas sobre o tema para as quais fui convidado e para as quais tenho tido pouca paciência.
Para alguns parece óbvio que já que a política vai mal, a solução é reformar as instituições. O problema é que reformar pode significar coisas não só distintas, mas também opostas. E, problema ainda maior, esse clamor sem foco por uma reforma política abre uma caixa de Pandora da qual brotam as maiores estultices. Veja-se o caso da escalafobética ideia de ampliar o mandato dos senadores para dez anos. Não basta já serem pouco efetivos os controles dos eleitores sobre os eleitos, e se propõe ampliar o tempo que os segundos podem passar sem o escrutínio dos primeiros. Felizmente, o desatinado propositor da ideia foi obrigado a retroceder.
Ainda mais mirabolante é a ideia de unificar todas as eleições - de vereador a presidente da República - num único pleito, sob as alegações ingênuas de que isso reduz os gastos e impede que o país fique paralisado a cada dois anos. Além de introduzir maior complexidade nas decisões eleitorais (o cidadão teria de escolher pessoas para sete ou oito cargos), tornaria o debate eleitoral um cipoal, pois ter-se-ia que discutir da tampa do bueiro à atuação do Brasil na ONU. Difícil imaginar um desserviço maior à qualidade da discussão política e à compreensão pelo cidadão dos problemas que lhe afetam.
Reforma política, para ser mais que uma temerária palavra de ordem, precisa ser dotada de foco. Mais produtivo seria escolher um ou dois temas principais e debatê-los a fundo. Qual nosso maior problema atual? O financiamento das campanhas? Então que se reformem as regras de financiamento, não sem antes deliberar cuidadosamente sobre a questão. Se o tema for outro, que se faça o mesmo com relação a ele.
Nada disso impede que se discutam outros problemas ao longo do tempo, mas sem a sanha por uma "mãe de todas as reformas", incapaz de parir qualquer coisa - ou, ao menos, algo que preste.
Em meio a essa discussão confusa pudemos testemunhar a apreciação, pelo Senado, de indicações feitas pela presidente da República para cargos cuja ocupação depende de aval parlamentar - o mais importante deles sendo o de um Ministro do supremo tribunal Federal. Eis aí um tema que mereceria maior consideração e, quem sabe, aprimoramento institucional. Nada que precise ser feito com urgência e com a ilusão de que, uma vez mudadas as regras, todos os problemas seriam resolvidos. Mesmo porque, ao abrir discussão sobre tal assunto sempre se cria o risco de tornar as coisas piores.
Os processos da aprovação de Luiz Fachin para o STF e da rejeição de Guilherme Patriota para a OEA são instrutivos a esse respeito. No caso do magistrado, tivemos uma inaudita discussão pública sobre o indicado. Decerto, em toda a nossa experiência democrática nunca houve tamanha atenção da imprensa à apreciação do nome, nunca se levantaram tantas informações sobre ele e nem se discutiu (no Senado e fora dele) de forma tão acalorada uma indicação. Nem mesmo os controversos nomes de Gilmar Mendes (ainda durante os anos FHC) e Dias Toffoli (já no governo Lula) renderam tamanho debate. O próprio Fachin montou uma campanha pública em defesa de sua indicação, com esclarecimentos e vídeos na internet.
Seria ótimo que fosse sempre assim, como é a tradição norte-americana. Lá, a apreciação de um juiz para a Suprema Corte recebe atenção pública similar à de uma disputa eleitoral, com posicionamentos contra e a favor do nome e a revelação de fatos de sua vida pregressa. Em suma, ocorre uma alentada discussão na sociedade sobre o nome indicado, de modo que a deliberação no Senado e a sua decisão final tornam-se apenas o desfecho de um processo que conta com a participação da cidadania. Entre nós a rotina são os casos em que poucos dias se passaram entre a indicação do nome pela Presidência da República, sua sabatina pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e, finalmente, sua aprovação pelo Plenário. Houve mesmo situações em que sabatina e aprovação ocorreram no mesmo dia, sem tempo para a repercussão pública da arguição do indicado pelos senadores.
Seriam desejáveis aprimoramentos institucionais que tornassem o debate público sobre os nomes indicados algo rotineiro e não algo possível apenas quando o governo se vê às turras com o Congresso. Por que não uma sabatina também pela CCJ da Câmara, algumas semanas antes da feita pelo Senado, de modo a deixar o indicado exposto ao sereno do escrutínio público até que uma nova arguição parlamentar o ponha a teste? Nesse meio tempo, novidades poderiam surgir e explicações públicas teriam de ser dadas. Em vez de reformas nessa linha, que aumentariam o controle social sobre a composição da Corte, o que vimos foi o casuísmo da PEC da Bengala, que aumentou o tempo de permanência no cargo dos juízes - dando-lhes mandatos de longevidade nobiliárquica.
A reação do senador Lindbergh Farias (PT-RJ) à rejeição de Guilherme Patriota para a OEA é emblemática. Lamentou ele: "É a primeira vez que um diplomata de carreira é rejeitado no plenário do Senado". O estranho não foi o que aconteceu agora, mas o que nunca ocorreu antes. Se no caso das nomeações para o STF jamais houve maior discussão pública, menos ainda ela se deu no que concerne a outros cargos de indicação presidencial e aprovação senatorial, como diplomatas, diretores do Banco Central e membros dos Tribunais de Contas. Eis aí um tema que mereceria atenção e, por que não, até mesmo reforma.
21 de maio de 2015
Claudio Gonçalves Couto, Valor Econômico
Para alguns parece óbvio que já que a política vai mal, a solução é reformar as instituições. O problema é que reformar pode significar coisas não só distintas, mas também opostas. E, problema ainda maior, esse clamor sem foco por uma reforma política abre uma caixa de Pandora da qual brotam as maiores estultices. Veja-se o caso da escalafobética ideia de ampliar o mandato dos senadores para dez anos. Não basta já serem pouco efetivos os controles dos eleitores sobre os eleitos, e se propõe ampliar o tempo que os segundos podem passar sem o escrutínio dos primeiros. Felizmente, o desatinado propositor da ideia foi obrigado a retroceder.
Ainda mais mirabolante é a ideia de unificar todas as eleições - de vereador a presidente da República - num único pleito, sob as alegações ingênuas de que isso reduz os gastos e impede que o país fique paralisado a cada dois anos. Além de introduzir maior complexidade nas decisões eleitorais (o cidadão teria de escolher pessoas para sete ou oito cargos), tornaria o debate eleitoral um cipoal, pois ter-se-ia que discutir da tampa do bueiro à atuação do Brasil na ONU. Difícil imaginar um desserviço maior à qualidade da discussão política e à compreensão pelo cidadão dos problemas que lhe afetam.
Reforma política, para ser mais que uma temerária palavra de ordem, precisa ser dotada de foco. Mais produtivo seria escolher um ou dois temas principais e debatê-los a fundo. Qual nosso maior problema atual? O financiamento das campanhas? Então que se reformem as regras de financiamento, não sem antes deliberar cuidadosamente sobre a questão. Se o tema for outro, que se faça o mesmo com relação a ele.
Nada disso impede que se discutam outros problemas ao longo do tempo, mas sem a sanha por uma "mãe de todas as reformas", incapaz de parir qualquer coisa - ou, ao menos, algo que preste.
Em meio a essa discussão confusa pudemos testemunhar a apreciação, pelo Senado, de indicações feitas pela presidente da República para cargos cuja ocupação depende de aval parlamentar - o mais importante deles sendo o de um Ministro do supremo tribunal Federal. Eis aí um tema que mereceria maior consideração e, quem sabe, aprimoramento institucional. Nada que precise ser feito com urgência e com a ilusão de que, uma vez mudadas as regras, todos os problemas seriam resolvidos. Mesmo porque, ao abrir discussão sobre tal assunto sempre se cria o risco de tornar as coisas piores.
Os processos da aprovação de Luiz Fachin para o STF e da rejeição de Guilherme Patriota para a OEA são instrutivos a esse respeito. No caso do magistrado, tivemos uma inaudita discussão pública sobre o indicado. Decerto, em toda a nossa experiência democrática nunca houve tamanha atenção da imprensa à apreciação do nome, nunca se levantaram tantas informações sobre ele e nem se discutiu (no Senado e fora dele) de forma tão acalorada uma indicação. Nem mesmo os controversos nomes de Gilmar Mendes (ainda durante os anos FHC) e Dias Toffoli (já no governo Lula) renderam tamanho debate. O próprio Fachin montou uma campanha pública em defesa de sua indicação, com esclarecimentos e vídeos na internet.
Seria ótimo que fosse sempre assim, como é a tradição norte-americana. Lá, a apreciação de um juiz para a Suprema Corte recebe atenção pública similar à de uma disputa eleitoral, com posicionamentos contra e a favor do nome e a revelação de fatos de sua vida pregressa. Em suma, ocorre uma alentada discussão na sociedade sobre o nome indicado, de modo que a deliberação no Senado e a sua decisão final tornam-se apenas o desfecho de um processo que conta com a participação da cidadania. Entre nós a rotina são os casos em que poucos dias se passaram entre a indicação do nome pela Presidência da República, sua sabatina pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e, finalmente, sua aprovação pelo Plenário. Houve mesmo situações em que sabatina e aprovação ocorreram no mesmo dia, sem tempo para a repercussão pública da arguição do indicado pelos senadores.
Seriam desejáveis aprimoramentos institucionais que tornassem o debate público sobre os nomes indicados algo rotineiro e não algo possível apenas quando o governo se vê às turras com o Congresso. Por que não uma sabatina também pela CCJ da Câmara, algumas semanas antes da feita pelo Senado, de modo a deixar o indicado exposto ao sereno do escrutínio público até que uma nova arguição parlamentar o ponha a teste? Nesse meio tempo, novidades poderiam surgir e explicações públicas teriam de ser dadas. Em vez de reformas nessa linha, que aumentariam o controle social sobre a composição da Corte, o que vimos foi o casuísmo da PEC da Bengala, que aumentou o tempo de permanência no cargo dos juízes - dando-lhes mandatos de longevidade nobiliárquica.
A reação do senador Lindbergh Farias (PT-RJ) à rejeição de Guilherme Patriota para a OEA é emblemática. Lamentou ele: "É a primeira vez que um diplomata de carreira é rejeitado no plenário do Senado". O estranho não foi o que aconteceu agora, mas o que nunca ocorreu antes. Se no caso das nomeações para o STF jamais houve maior discussão pública, menos ainda ela se deu no que concerne a outros cargos de indicação presidencial e aprovação senatorial, como diplomatas, diretores do Banco Central e membros dos Tribunais de Contas. Eis aí um tema que mereceria atenção e, por que não, até mesmo reforma.
21 de maio de 2015
Claudio Gonçalves Couto, Valor Econômico
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