"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

A PROPOSTA ESTRATÉGICA DO PT: "GARANTIR A ROUBALHEIRA CONTINUADA"



Em entrevista à Veja.com, o professor Ricardo Vélez Rodríguez analisa a tradição autoritária e antiliberal do Brasil, expressa no culto ao Estado. Investigador das raízes históricas e culturais dos problemas da política brasileira, Rodríguez afirma que o PT "elevou as práticas patrimonialistas a um nível sistêmico", utilizando o Estado como "instrumento de enriquecimento" dos grupos hegemônicos. 

O que os petistas sempre quiseram, na verdade, foi garantir a "roubalheira continuada". Houve o saqueio sistemático dos cofres públicos. Comparado à ação do lulopetismo, o governo Collor foi apenas "um ladrão de galinha":

O professor Ricardo Vélez Rodriguez é uma figura peculiar no meio acadêmico: nascido na Colômbia, ele coordenou um dos primeiros centros de pós-graduação dedicados exclusivamente ao pensamento brasileiro, na Universidade Federal de Juiz de Fora. 
Autor de obras sobre o patrimonialismo e o Castilhismo - regime autoritário que nasceu no Rio Grande do Sul e teve influência decisiva sobre a República brasileira -, Rodriguez vive no Brasil desde 1979 e especializou-se em identificar as raízes históricas e culturais das mazelas que assolam a política brasileira. 
Aos 72 anos, ele vive em Londrina (PR) e continua lecionando. Rodriguez analisa o cenário político atual e afirma: o Partido dos Trabalhadores elevou as práticas patrimonialistas a um nível sistêmico. Leia a entrevista ao site de VEJA.


A corrupção no governo do PT tem algo de inédito?
A ciência política tem o conceito de patrimonialismo, que consiste na utilização do Estado como instrumento de enriquecimento. Ele é tão velho quanto a história do Brasil. Há momentos na história republicana em que esse senso de patrimonialismo fica evidente. Um deles foi no governo Sarney. Mas o PT realmente piorou as coisas em relação aos períodos anteriores, porque tornou a corrupção sistêmica. Elaborou uma espécie de grande proposta estratégica de garantir a roubalheira continuada utilizando para isso as empresas e os bancos estatais. Nunca se viu algo tão sistemático. Fernando Collor foi posto na rua porque Paulo César Farias tinha uma certa ideia de engenharia da corrupção, mas era ladrão de galinha comparado com o que o PT fez. Nos dez anos antes de chegar ao poder, o PT já tinha aparelhado o segundo escalão de ministérios da área social, como Saúde e Educação. Depois foi só colocar a colocar a culpa e sistematizar a coisa, porque já estava feito o trabalho de penetração. Eu digo que com o PT houve o seguinte fenômeno: a engenharia da corrupção conseguiu realizar a corrupção da engenharia. As grandes empresas que faziam obras de vulto para o Estado todas entraram no beco da corrupção com o PT.


O PT usa o patrimonialismo para fins diferentes?
Não tenha dúvida. Há uma proposta hegemônica no PT, aliada a um populismo que desmancha as instituições. Lula se encarregou de desprestigiar todas as instituições republicanas, começando pelo Executivo, que ficou cheio de podridão. O Legislativo, com o mensalão e o petrolão, tentou-se comprar. E o Judiciário foi aparelhado. Havia marxistas-leninistas no meio pensando a coisa. É o caso de José Dirceu. O PT tinha na cúpula um elemento estratégico que pensava uma perpetuação hegemônica do poder, de tipo gramsciano, e buscava garantir o financiamento disso. Foi um momento de potencialização dessa tendência privatista do poder econômico através do Estado para garantir uma hegemonia partidária em direção a um modelo totalitário, não há dúvida. O desaguadouro disso é a Venezuela. O modelo venezuelano é um modelo já mais avançado.


Mas a postura do PT nem sempre coaduna com os ideais socialistas.
O que acho que se deve compreender é o seguinte: qual é a carta que o PT e os bolivarianos compraram? O pensamento de Chavez, o líder dos bolivarianos, qual era? Chegar ao poder utilizando o voto e as estruturas existentes. A proposta da revolução cultural gramsciana é esta. Visto que a revolução do proletariado no modelo clássico leninista sai muito cara e é muito pouco realizável devido à conjuntura internacional, é muito mais prático tomar por dentro. Como? Fazendo cair os valores da chamada sociedade burguesa. Então atacam a família, atacam a religião e tomam conta do sistema de ensino para rebaixá-lo. Paralelamente aparelham o Estado para financiar o partido no poder, que era a ideia de Gramsci. O "novo príncipe" de Gramsci era o partido hegemônico. O que o PT queria é isso.


O surgimento de uma oposição mais forte ao PT é algo temporário ou o cenário realmente mudou?
Acho que é algo diferente, porque passam meses e meses e os panelaços continuam. Querem tirar o PT de todas as formas. Eu acho que a oposição formal brasileira não entendeu direito o espírito da coisa. Os cardeais tucanos voaram todos em bando para Nova York no dia em que Fachin iria ser sabatinado no Senado. A oposição dá refresco demais ao PT. Era o papel da oposição formal, fundamentalmente do senador Aécio Neves, dar as caras e fazer o combate. E as ruas entendem isso. O próprio PSDB vai sentir nas próximas manifestações um pouco essa cobrança.


Uma eventual guinada ideológica no Brasil poderia influenciar o restante da América do Sul?

Acredito que sim. A crise é do PT e é da esquerda brasileira, que não tem proposta. Ficou restrita a essa missão estatizante maluca e não há uma visão clara. Falta quem veicule em programa político-partidário uma proposta conservadora que certamente teria muitos seguidores. É necessário que exista um partido conservador, que defenda causas que a esquerda esqueceu. Por exemplo: a defesa da família. Isso virou uma espécie de coisa careta que político nenhum quer mencionar. Hoje alguns evangélicos começam a colocar isso na rua. Mas eu acho que é uma proposta a ser defendida. O eleitor não encontra um partido conservador que seja uma opção clara. A própria Igreja Católica terminou perdendo muito do poder de comunicação. A CNBB tem ficado escondida feito uma ostra em face de todas essas coisas. Eu não vejo um pronunciamento da CNBB contra a imoralidade reinante, porque eles ficaram muito atrelados à política do PT. A bem da verdade o PT é filho do movimento sindical e da Igreja progressista. Então a Igreja progressista ficou calada e está perdendo espaço para outras vertentes mais conservadoras e perdendo capacidade de análise politica desse momento.


A tendência autoritária dos governos brasileiros tem raízes históricas?
O problema é esse. A nossa República já nasceu sob o signo da hipertrofia do Executivo. O modelo republicano que progrediu foi o praticado por Júlio de Castilhos. Esse modelo germinou lá no Rio Grande do Sul e em 1930 assumiu o protagonismo nacional com a segunda geração castilhista, por meio de Getúlio Vargas. É um regime de concentração de poderes no Executivo e de desvalorização no Legislativo. Para Getúlio valia o mesmo principio que valia para os castilhistas: O regime parlamentar é um regime para lamentar. Tira poderes do Legislativo, centraliza tudo o Executivo. Essa hipertrofia do Executivo é o que mais tem prevalecido.


Os militares também foram influenciados por essas ideias?
A volta dos gaúchos ao poder no regime militar é uma volta do castilhismo, sem dúvida nenhuma. Tanto do castilhismo da primeira geração, com hipertrofia do Executivo, quanto do castilhismo da segunda geração, com essa figura do autoritarismo instrumental.


Leonel Brizola também se dizia influenciado por Júlio de Castilhos e, por sua vez, influenciou a presidente Dilma Rousseff.
O Brizola era castilhista de coração. Acreditava na hipertrofia do Executivo e adotava um discurso estatizante. É um sujeito que pegou os ideais castilhistas e os plantou do lado da esquerda. No Rio Grande do Sul houve um laboratório em que PT fez os ensaios iniciais para a tomada do poder. Os governadores petistas eles colocaram em andamento uma hipertrofia do Executivo, uma ingerência do Executivo muito dentro da linha castilhista.


O vício autoritário de governos de esquerda e direita no Brasil se deve, então, a equívocos na formação intelectual do país?
Uma das causas é que a intelectualidade brasileira da área de ciências sociais terminou sendo encampada por uma proposta estatizante. Há um livro do professor Antonio Paim que é muito interessante porque mostra como surge, na esteira da herança das ciências sociais francesas, uma proposta de intelectualidade da esquerda brasileira que é totalmente comprometida com a implantação de um vago socialismo. Esse vago socialismo termina encampando propostas estatizantes. A crise hoje é uma crise da esquerda, da intelectualidade da esquerda que entrou nesse beco sem saída, e é necessário um arejamento cultural para poder sair desa crise.


A militância que tem ido às ruas já se descolou dessa mentalidade predominantemente de esquerda?
Eu acho que há uma volta de ideias liberais. Há muitos jovens libertários, muita gente que transita pelas redes sociais, estudiosos do liberalismo que estão redescobrindo o caminho das pedras, e acho que essa geração que está alimentando esses movimentos de rua tem muito de inspiração liberal. Falta, ao meu ver, um estudo mais sistemático do liberalismo porque isso virou uma espécie de grande maldição no Brasil. É necessário dar a essas novas gerações elementos de conhecimento sistemático do pensamento liberal, do pensamento conservador, para poder arejar o ambiente e realizar algo que tenha raízes profundas


Esse esforço não é pequeno. É tarefa para uma geração?

É uma coisa de longo prazo que será tanto mais rápida quanto mais rápido for organizado um partido conservador, de direita que tenha um ideal liberal-conservador e o coloque em prática. Acho que o país está carente disso. A sociedade brasileira tem aspectos conservadores que foram esquecidos por todo esse discurso de esquerda e precisam ser resgatados.


Os partidos não percebem isso?
O problema é que os partidos terminaram vítimas do açodamento. Todos pensam na próxima eleição, não na próxima geração. Não há uma perspectiva estratégica dos partidos. O único que tinha uma perspectiva estratégica, é bom reconhecer, é o PT. Mas é uma perspectiva estratégica destruidora. O grande problema é que nossos partidos ficaram reféns dessa visão imediatista e personalista. Nossos partidos são como blocos de carnaval, que têm batucada mas não têm enredo. Nós precisamos de escolas de samba, com batucada e com enredo.


A crise no governo Dilma é reversível?

Eu acho que o PT vai terminar se esvaziando como detentor do poder. É bem provável que, se os empresários que estão fazendo delação premiada disserem tudo, o impeachment se torne uma realidade. Mas isso não vai mudar as coisas da noite para o dia. Seria necessária a uma proposta governamental diferente.


A saída, então, é pela via cultural?

Não tenha dúvida. Toda mudança profunda num país tem como, dizia Benjamnin Constant de Rebecque, de levar em conta as três variáveis clássicas: econômica, política e cultural. Econômica abrindo espaço para a livre inciativa, a produtividade que no Brasil há muitas amarras que atrapalham. Política mediante uma melhora da representação. Acho que adoção do voto distrital seria um caminho. E, na parte cultural, acabar com esse endeusamento do pensamento de esquerda que conduz ao nada. Arejar nossas ideias e possibilitar que as novas gerações conheçam as ideias liberais e conservadoras, que têm muito a dizer no mundo contemporâneo.



18 de maio de 2015
in orlando tambosi

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