“Não tenho sentimento nenhum politico ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriotico. Minha patria é a lingua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incommodassem pessoalmente. Mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa propria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.”
Fernando António Nogueira Pessoa (1888-1935), escritor, poeta, crítico e polemista português.
Fernando Pessoa aferrou-se, a vida toda, à grafia etimológica (ou pseudoetimológica) pela qual se havia alfabetizado. Recusou dobrar-se à nova regra – dita “simplificada” – instituída pela Reforma Ortográfica portuguesa de 1911.
Para constar, note-se que essa reforma de 1911 foi temperada, cozida e gratinada exclusivamente em Portugal. O Brasil só foi avisado uma vez que o acepipe já estava à mesa, disposto em terrinas fumegantes, pronto a ser servido. Naturalmente, a reforma foi ignorada deste lado do Atlântico. Ora, pois!
Não é de hoje que constantes e inconsistentes imposições de novas regras têm acentuado o sentimento de insegurança linguística que nos fere a todos. Essas frequentes alterações podem até satisfazer o ego (e o bolso) de um punhado de confrades, mas constragem o cidadão comum. Seja ele brasileiro, luso, angolano ou timorense.
Se as línguas que nos cercam conseguem manter o vigor sem reformas ortográficas, por que razão precisamos nós remendar a nossa tão seguidamente? Que nos preocupemos em consertar o que estiver avariado, pois não? Nosso caminho é outro: nenhuma reforma ortográfica será capaz de salvar nosso falar da degradação.
O inglês é língua oficial de jure ou de facto de 79 países ou entidades territoriais. A língua francesa é oficial em 48 países ou entidades. Quanto ao espanhol, 22 países o têm como língua oficial. A despeito dessa disseminação – ou talvez por causa dela – nenhum dos falantes dessas línguas vive engessado num normativismo sufocante como vivemos nós.
Para dar um basta a essa esbórnia, uns bons Fernandos Pessoas andam fazendo muita falta.
08 de março de 2015
José Horta Manzano
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