"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 17 de março de 2015

DOS "20 DO MASP" AO "MILHÃO DA PAULISTA", A SAGA DE UM BRASIL QUE NÃO SE ENTREGOU





Era também uma tarde de um domingo de verão. Por volta de 1.800 pessoas confirmaram presença no protesto via redes sociais. Mas apenas 20 apareceram no vão do MASP para exigir que o envolvimento do ex-presidente Lula junto ao Mensalão fosse apurado. A imprensa, já com o petismo escorrendo pelo poros, reportou cinicamente o que presenciou naquele 13 de janeiro de 2013. As duas dezenas de manifestantes viraram motivo de piada na internet. Mas aquilo que se pretendia aniquilá-los de vez apenas serviu para unir o grupo – que passou a atender pela alcunha de “Os 20 do MASP“.



Dois anos de uma agenda de protestos depois, a imprensa teve que se render. O G1 fechou as contas da PM em 2,3 milhões de pessoas nas ruas de ao menos 160 cidades de todos os estados do país exigindo o fim da corrupção e o impeachment de Dilma Rousseff. Na primeira tentativa de resposta do governo ao 15 de março de 2015, um novo panelaço se ouviu na noite das maiores cidades da nação. A cereja do bolo ocorreu já na manhã desta segunda. Renato Duque, o homem que contou com esforços pessoais de Lula para sair da cadeia, foi novamente preso, dessa vez na décima etapa da operação Lava Jato. Internamente, o PT teme que ele não tenha força para esconder o que sabe, como no passado tivera Delúbio Soares, entendido pelo partido como um herói por topar ir à prisão sem denunciar o ex-presidente.
O jogo virou

Fui destacado pelo Implicante para, em campo, registrar a história do dia de ontem sem intermediários. E ela começa, num tempo em que tanto se falou de seca, com chuva. Nada de outro mundo, mas o suficiente para já amarrar em casa alguns amigos que não estavam com a saúde em dia e temiam uma piora. Chegamos ao metrô num grupo bem menor que o acertado por Whatsapp. Mesmo assim, nos vimos obrigados a dispensar o primeiro trem rumo à Paulista pois já se encontrava lotado meia hora antes do combinado.






Harry Potter não é trouxa.

O grande temor era o fiasco, era a constatação de que os 100 mil previstos pelas redes sociais se dissolveriam na garoa fraca de um fim de semana abafado. Mas a descida na Consolação já dava o tom do que viria: gritos e “apitaços” animavam um mar de gente vestido em verde, amarelo, azul e branco. Era nítido, no entanto, que se tratava de um grupo desacostumado a eventos do tipo. Os gritos eram desencontrados, assim como a dinâmica. Enquanto uns iam, outros já voltavam. Contudo, o que poderia refletir desorganização entregava algo cada vez mais raro em manifestações do tipo (vide o que ocorrera dois dias antes): espontaneidade. Tanto que o primeiro canto a ser largamente entoado partiu de uma senhorinha ao nosso lado que lembrava a todos que estava lá a serviço de ninguém: “Eu vim de graça!”

Ao final do primeiro terço da Paulista, finalmente encontramos um caminhão com microfones e discursos. A estrutura era pequena, atingia apenas a fração de pessoas mais próximas ao veículo, de fato é impossível acreditar que alguém graúdo estaria por trás daquilo. Opta-se por cantar o hino da Independência em vez do hino Nacional. Um sindicalista tenta falar e logo é vaiado. Assim como alguém que tenta apresentar um discurso em tom religioso. Os aplausos pareciam estar guardados para “Ronaldo Fenômeno”, que recebe o microfone, pede mudanças, mostra a camisa em que assume ter votado em Aécio e sai de lá ovacionado.

Mais próximo ao MASP, uma cena curiosa funciona como retrato deste momento político: enquanto Lucas Salles, novo repórter do CQC, tenta fazer sua graça em uma reportagem e é constantemente vaiado por quem não esqueceu as pautas petistas que o programa levou ao ar durante a campanha; Léo Lins, repórter do The Noite, programa do ex-CQC Danilo Gentili, quejamais se furtou de qualquer crítica ao PT, é abraçado e dá autógrafos.




Enquanto repórter do CQC é hostilizado…




…repórter do The Noite dá autógrafos e faz selfies.
Humans of Protesto




Quem é John Galt?

Um homem vestido de espartano questionava a representatividade de Dilma. Um garoto fantasiado de Harry Potter dizia não ser “trouxa” (um trocadilho com a forma como os humanos são tratados perante os bruxos da série). Uma faixa dizia não aceitar mais socialismo. Outra lembra que Toffoli, ministro do STF, é suspeito (por ter trabalhado como advogado do PT em ao menos 3 campanhas). Uma placa estampa os dizeres “Je Suis Caminhoneiro”, em referência não só ao massacre do Charlie Hebdo, mas também à primeira grande greve do segundo mandato de Dilma. Eram cartazes bem humorados, mas que denotavam algum nível de consciência do noticiário. Eu mesmo precisei assumir minha ignorância e perguntar aos meus pares quem era o John Galt questionado por uma manifestante. E a resposta rendeu uma interessante busca no Google.

Num breve exercício sem qualquer valor científico, interpelei os primeiros dez cartazes que cruzaram meu caminho. A intenção era entender um pouco o perfil de quem estava ali exigindo pautas do governo.
Wilson, 61 anos, um ferramenteiro,
pedia impeachment não só de Lula, mas também de Haddad, assim como um enfraquecimento geral do PT.
Bárbara, 11 anos, estudante,
nos ombros de seu pai, lembrava que a corrupção prejudica a educação brasileira.
Antonio, 20 anos, também estudante,
lembra que Dilma não o representava.
Carlos, 64 anos, autônomo,
queria a volta da independência entre os 3 poderes.
Leonardo, 19 anos, ajudante geral,
se dizia contra ladrões e a favor do Brasil.
André Luís, 30 anos, corretor de seguros,
se dispunha a pagar a passagem de Dilma para a Indonésia.
Fabio, 33 anos, professor de inglês,
chamava Dilma de mentirosa.
David, 24 anos, enfermeiro,
lembrava que estava lá sem qualquer financiamento, pois a honestidade dele não tem preço.
Joaquim, 62 anos, advogado,
definia golpe como a sabotagem que o PT vem fazendo do nosso regime democrático.
Rodrigo, 49 anos, produtor rural,
reclamava da prioridade que o PT vem dando à manutenção do próprio poder.




Duas horas de caminhada depois, finalmente encontramos uma esvaziada referência a intervenção militar.

Apenas após duas horas de caminhada, encontrei um primeiro cartaz – na verdade, um caminhão com uma faixa – defendendo intervenção militar. Estranhamente, num clarão em frente ao MASP, onde deveria ser o ponto de maior concentração. Era evidente o incômodo de quem passava à sua frente e logo buscava sair dali. Um grupo de mais ou menos 150 pessoas, alguns vestindo o “verde oliva”, defendiam que, por o sistema estar completamente contaminado de corrupção, só uma drástica quebra com ele colocará o Brasil no rumo. Usando uma interpretação própria da Constituição de 88, acreditam estar fazendo algo legal. De minha parte, acho natural que, em um grupo que chegue ao milhão de indivíduos, uma pequena parcela deles se entreguem a ideais mais radicais. Acho estranho, no entanto, que justo naquele ponto a imprensa se concentrasse. Em um segundo caminhão, do outro lado da rua, algumas dúzias de repórteres cinematográficos buscavam gerar ali um recorte do evento. Na ponta dele, o repórter do CQC xingado minutos antes gravava mais um depoimento para o programa que, acredito, irá ao ar mais tarde.
A batalha contra os “jornais”




Os protestos envolviam também o poder judiciário

Parece apenas um apelido carinhoso para com os jornalistas, mas é como parte da internet vem apelidando o profissional de comunicação que não faz seu trabalho de forma exemplar, se permitindo, mesmo que disfarçadamente, um viés governista. Na volta para casa, já com acesso completo a TV e internet, buscamos entender melhor o que testemunhamos lá do meio. Um estranho ruído de motor que ouvimos ao longe? Uma centena de motociclistas que cruzaram a Paulista se somando ao protesto. Um helicóptero que cortava o céu a todo instante? Era a polícia militar fotografando a manifestação para chegar ao número apresentado ao final. O engarramento na saída do “palco da festa”? A talvez mais simbólica cena de toda a tarde: caminhoneiros que partiram de Santos com suas famílias para se somarem à multidão.

No entanto, parte da imprensa parece não querer aprender a lição dada pelos “20 do MASP” e insistem em praticar a pauta proposta pelo PT. Na TV, uma repórter da Rede Record levanta bolas para Cardozo cortar, reclamando da desproporção do evento de São Paulo com as demais cidades do país (e ignorando que essa desproporção já começa pelo tamanho da população). Na internet, o Datafolha retira da gaveta o polêmico método utilizado para contar multidões em manifestações. Por que não o usaram para medir as manifestações de junho de 2013?, pergunto-me sem chegar a uma resposta. No site do PT, com o auxílio de alguns eufemismos, o partido da presidente da república acusa a rede Globo detramar um golpe, mesmo a emissora evitando ao máximo pronunciar a palavra “impeachment” em sua cobertura.




Je Suis Caminhoneiros

Só às 21 horas temos contato com um trabalho jornalístico digno de aplausos. Por 27 minutos, o Fantástico viaja pelo país para mostrar que a manifestação atingiu todo o Brasil, mesmo que mais concentrada na região sudeste. Identifica os pontos negativos, mas reforça que foram ofuscados pelos positivos. Se há algo que se pode questionar é a postura crítica à ideia de impeachment, mas finalmente o canal se permitiu entrar no debate. Como ele está apenas começando, há tempo para essa postura ser revista.

Na semana passada, juntamente com a Reaçonaria, convidamos o Movimento Brasil Livre e a Turma do Chapéu a assinar um manifesto em defesa de uma cobertura limpa no Dia 15. Por mais ingênua que a iniciativa soasse, ela chegou a 13 mil curtidas apenas neste site. A ideia era alertar a imprensa da responsabilidade que tinha para com o dia de ontem. Mas, igualmente, denunciar à população da malícia de algumas reportagens, como a que inesperadamente deu vida aos 20 do MASP, também signatários do texto.

Não se esperava com isso revolucionar a imprensa brasileira em uma semana, mas fechar um pouco mais o cerco ao mau profissional de comunicação. Sempre que um grande acontecimento vem a público, há toda uma batalha de informação travada na mídia. A internet vem sendo o campo onde cidadãos livres conseguem fazer a fiscalização que parte do jornalismo se nega.Who watches the watchmen? Aqui na web essa missão vem cabendo aos usuários das redes sociais. Ela não vem sendo cumprida exclusivamente com acertos, mas é certo que a verdade possui bem mais sustenção que a mentira, o que nos faz crer que, ao final, o bem prevalecerá.

Quando virá este final? Antes para uns, depois para outros. Que este 15 de março represente o fim da primeira batalha de uma grande guerra que apenas se inicia. Um batalha que colocou um país em debate; uma guerra que pretende colocar o país no rumo. Ontem, um em cada 10 paulistanos tomou chuva e sol para passar a tarde em pé exigindo decência do governo. Ontem, um em cada 100 brasileiros foi às ruas pedir a queda de Dilma, de Lula e do PT. Mas jamais esqueceremos que isso começou com apenas 20 pessoas no vão do MASP. E que a imprensa nacional fez pouco caso do fato.


17 de março de 2015
 Marlos Ápyus
implicante

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