"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 5 de março de 2014

TUDO PELA NARRATIVA


Prezado leitor, espero encontrá-lo antes da quinta cerveja neste feriado carnavalesco. O tema é importante e preciso de sua atenção. Depois da leitura você pode voltar a focar nos desfiles. Talvez até precise, para relaxar um pouco...

O que tenho a dizer de tão sério? Não, eu não pretendo falar da conjuntura, do crescimento medíocre, da inflação alta, do risco de o PT transformar o Brasil em uma nova Venezuela, ou algo do tipo. Seria depressivo demais para a ocasião. Vou falar de algo mais estrutural, de uma tendência mundial que vem destruindo importantes valores ocidentais nas últimas décadas.

Falo da vitimização das “minorias”, que atende aos interesses de grupos organizados e atenta contra a justiça. Tudo que acontece deve passar pelo filtro ideológico dessa turma, para que possa pintar o homem branco judeu ou cristão como o maior vilão que a humanidade já teve.

Como poderíamos explicar o ensurdecedor silêncio do movimento gay em relação às novas leis na Uganda, que tornam a homossexualidade crime grave? A África é o continente mais homofóbico do mundo, mas não merece uma palavra de repúdio de Jean Wyllys?

A triste verdade é que condenar os africanos pela homofobia não ajuda na narrativa de minorias vítimas do “imperialista” branco do Ocidente. Há inclusive o risco de choque entre minorias: os racialistas poderiam alegar racismo contra qualquer crítica direcionada à África.

Os impasses das “minorias” não param por aí. A feminista, por exemplo, deve se colocar do lado da “minoria” islâmica contra o Ocidente, ou do lado das mulheres marginalizadas em várias culturas islâmicas? Os negros devem apoiar os regimes africanos ou condenar a escravidão vigente ainda hoje no continente, sem participação alguma de brancos?

Os ambientalistas, que encontraram no ecoterrorismo uma forma nova de condenar o capitalismo, devem aplaudir regimes socialistas, que sempre poluíram muito mais em termos relativos ao que é produzido?

São dilemas que tirariam o sono dos “coletivistas do bem”, caso tivessem consciência para ficar pesada. A menor minoria de todas é o indivíduo. Por isso, os liberais colocam a ênfase nele, independentemente de “raça”, credo, gênero ou inclinação sexual. Mas isso incomoda todo tipo de coletivista que fala em nome de alguma “minoria” qualquer.

O ministro da Ética e da Integração de Uganda perguntou: “Eles ficariam confortáveis se fossemos para os Estados Unidos e começássemos a praticar a poligamia? A homossexualidade é estranha para nós e a poligamia é estranha para vocês. Temos visões divergentes.”

Como um típico multiculturalista responderia a isso? Esse não é exatamente o tipo de discurso que os multiculturalistas usam para defender atrocidades em culturas diferentes, tais como a mutilação genital feminina dos muçulmanos e o infanticídio indígena, e negar qualquer superioridade ocidental?

As feministas cospem no Ocidente, que seria machista, e ignoram as culturas em que as mulheres realmente são cidadãs de segunda classe. Os ativistas gays cospem no Ocidente, que seria homofóbico, e ignoram as culturas em que os gays chegam a morrer por sua “preferência” sexual. Os militantes negros cospem no Ocidente, que seria racista, e ignoram as culturas em que os negros vivem ainda como escravos de outros negros.

Qual a lógica disso? Como sair desse impasse? Defender o multiculturalismo ou condenar o atraso africano em relação aos gays? Defender o multiculturalismo ou condenar o atraso islâmico em relação às mulheres? Defender o multiculturalismo ou condenar o atraso africano em relação à democracia? É tudo culpa dos homens brancos ocidentais?

Onde, senão no próprio Ocidente, as mulheres, os gays, os negros e os ateus encontram ampla liberdade? Mas a realidade não serve à causa da vitimização das “minorias” no próprio Ocidente. Por isso costuma ser tão ignorada.

Vejam, como último exemplo, o caso do ator negro Vinicius Romão, que foi preso injustamente ao ser confundido com o ladrão pela própria vítima do assalto. Logo os oportunistas de plantão apontaram o dedo: racismo! Mas ele mesmo já rejeitou essa análise. Para desespero dos militantes, tratou-se de uma infeliz confusão.

O perfil do bandido era parecido com o seu, ou seja, a copeira roubada, cuja cor a imprensa nunca mostra (por que será?), simplesmente se enganou. Nada a ver com racismo.

Não importa. Basta encaixar na narrativa das “minorias” exploradas pelo homem branco malvado. O resto é detalhe. Quem liga para os fatos? É tudo pela narrativa...

E agora pode voltar para sua folia. Bom carnaval!
 
05 de março de 2014
Rodrigo Constantino é Economista. Originalmente publicado em O Globo em 4 de

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