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O "Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra" é definido por alguns cientistas sociais como "uma escola itinerante, em face da importância dada pelo principal movimento social do continente à formação, tanto de seus militantes como do conjunto de seus milhões de seguidores".
Edgard Kolling, pedagogo e educador, pertencente à Coordenação Nacional do MST, por sua vez, diz estar convencido que os Sem-Terra devem ser postos ombro a ombro, junto com os operários e outros setores sociais para a "construção de uma nova sociedade”. Socialista, evidentemente. Prossegue Kolling: "A História nos mostra que os camponeses foram peças importantes nos processos revolucionários, desde a Rússia e China, até Cuba e Nicarágua.
Coincidimos também na idéia de que o trabalho coletivo supera o individual e por isso incentivamos a formação de cooperativas, pois assim as famílias alcançam um maior desenvolvimento de consciência política".
O MST integra uma rede mundial de organizações camponesas coordenada pela "Via Campesina", com atuação em todos os continentes, bem como uma rede latino-americana denominada "Coordenadora Latino-Americana de Organizações Camponesas (CLOC)".
A maioria dos atuais dirigentes chegou ao MST através de um trabalho prévio junto à Igreja, na Pastoral da Terra e em Comunidades Eclesiais de Base, e uma boa parte desses dirigentes tem experiência pessoal como professor.
Cerca de 200 mil jovens, filhos de pais ligados ao Movimento, estão recebendo educação em todos os níveis (escolar básico, superior e formação política) em escolas organizadas pelo MST que funcionam com o apoio de prefeituras e do Estado, e também em Cuba. Essas escolas estão localizadas em assentamentos e nos acampamentos do MST, de acordo com o conceito de "escola itinerante". Tão logo se constitui um acampamento, estabelece-se automaticamente uma escola, logo reconhecida pelo Estado. Cerca de 500 militantes cursam, atualmente, Pedagogia e Magistério.
O MST tem cerca de seis mil pessoas dedicadas ao trabalho de Educação. Mas que tipo de Educação?
Segundo uma longa reportagem publicada pela revista "Isto É", de 17 de agosto de 1998, relatando o que foi visto na Escola Agrícola de Primeiro Grau 15 de Maio, próxima aos assentamentos rurais de Faxinal dos Domingues e União da Vitória, no interior de Santa Catarina, "embalados pela música engajada da cantora argentina Mercedes Sosa, um grupo de crianças aprende a traduzir do espanhol frases aguerridas de ícones da Revolução Cubana, como Che Guevara e José Martí, numa cena que parece saída da década de 60. Mas não é só. As aulas na língua falada na pátria de Fidel Castro vão além de simples traduções. Os alunos também aprendem a discutir conceitos complicados como luta de classes, reforma agrária e exclusão social".
Prossegue a reportagem: "Essas crianças são formadas pela pedagogia linha-dura do MST, desenvolvida pelo seu setor de Educação, que hoje faz a cabeça de um exército de 40 mil crianças em cerca de mil escolas de Primeiro Grau em acampamentos e assentamentos. O projeto de Educação do MST nasceu há 10 anos e amplia-se a cada dia. A pedagogia dos professores vai das idéias do educador pernambucano Paulo Freire às de Che Guevara, e inclui ainda clássicos da filosofia comunista como Karl Marx, Friedrich Engels, Mao Tsetung e Antonio Gramsci. Alunos e professores cantam músicas que evocam ideais revolucionários. As letras defendem a famigerada união operária e camponesa e de quebra ainda criticam a burguesia e o latifúndio. O ritmo é marcado pelos braços erguidos e os punhos fechados".
Raul Jungman, que foi Ministro da Reforma Agrária, nessa mesma reportagem assinalou: "A fixação de modelos como estes no fundo está voltada para a formação de quadros para um projeto político, para a continuidade do movimento e não para a formação de cidadãos. A cabeça do povo não é lata. Esse é um modelo fracassado, como o usado na antiga União Soviética e em Cuba, país que leva zero em matéria de democracia. Falo isso como socialista que sempre fui e continuo sendo".
Essa rede de escolas do MST, as quais constituem verdadeiros "sovietes", foram montadas com dinheiro dos contribuintes, de ONGs internacionais e de certas ordens religiosas estrangeiras. E as aulas são ministradas em espanhol. Objetivam transcrever literalmente o pensamento de Che Guevara.
Todavia, em todo esse trabalho existe um enorme abismo entre os "Acampamentos" e os "Assentamentos" no que diz respeito à formação do "homem novo", pois nos "Acampamentos" o MST busca engendrar "o novo". Entretanto, quando o homem passa a ter acesso à terra, o germe do "novo" evapora-se, dissolvendo-se, pois a luta pela sobrevivência e a busca pelo trabalho passam a ocupar todos os espaços, sufocando "o novo", e a luta cotidiana para produzir melhores condições de vida é a luta de todos em qualquer tempo e espaço. Como não há nada de novo em todo esse processo, alguns cientistas sociais já assinalaram que o MST pode estar reproduzindo relações sociais que engendram homens burgueses.
No início de maio de 2000 o MST concretizou uma de suas ações mais espetaculares desde que foi criado. Cerca de cinco mil militantes ocuparam prédios públicos em 14 capitais. Outros 25 mil realizaram invasões pelo interior e passeatas. Em três localidades foram atacadas sedes regionais do INCRA. Em outras onze, o MST invadiu escritórios do Ministério da Fazenda. "Agora vamos pegar o Malan. A vontade de nosso povo é pegar a foice e descer o cacete", disse Gilmar Mauro, um dos dirigentes do Movimento (revista "Veja", de 10 de maio de 2000).
Em uma palavra, o MST não quer mais terra. Ele quer "toda a terra". Quer tomar o poder por meio de uma revolução e, feito isso, implantar um socialismo tipo aquele que foi derrubado a partir de novembro de 1989, após a queda do Muro de Berlim. Quem diz isso são os próprios líderes do MST.
Num primeiro momento o inimigo do MST era o latifúndio improdutivo. Com o tempo, os latifúndios produtivos passaram a ser também atacados. Nessas invasões registram-se sempre ocorrências de roubo de gado e de grãos estocados, depredação de tratores e houve, até mesmo, um caso em que uma fazenda foi incendiada. Em uma fase seguinte, o MST deixou a área rural mas permaneceu nas pequenas cidades do interior, organizando saques a supermercados, invadindo delegacias de polícia para libertar companheiros presos e ocupando agências bancárias como forma de protesto.
Tal é o empenho do MST em enfatizar suas reivindicações que seus integrantes não hesitam em violar o Código Penal em vários artigos, invadindo repartições públicas e impedindo-as de funcionar, mantendo servidores do Estado em cárcere privado, danificando bens públicos e propriedades particulares. Como considera ilegítimo o Estado, o MST desconsidera suas leis.
Eis alguns pontos extraídos de uma cartilha do MST que orienta a formação política de seus militantes: "devemos lutar pela tomada dos bens de produção; os caminhos a trilhar para a libertação do proletariado são a reforma agrária e o socialismo, e para isso são válidas todas as formas de luta ; a luta pela terra passou do plano da conquista econômica para o da luta política contra o Estado; apenas ocupar a terra para trabalhar é uma posição já superada; o nosso sonho revolucionário é construir sobre os escombros do capitalismo uma sociedade socialista; é preciso desenvolver um trabalho ideológico para que as aspirações das massas adquiram um caráter político e revolucionário".
Após receber 22 milhões de hectares de terra, área equivalente a cinco Dinamarcas, o MST acrescentou um novo item ao seu tradicional discurso. Agora, a tônica de reivindicações do Movimento deixou de ser a distribuição de terras e passou a ser a distribuição do dinheiro público. Nesse sentido, a pauta completa de pedidos feita pelo MST ao governo tem 50 itens, entre os quais a diminuição da taxa de juros, concessão de créditos especiais e financiamentos para a construção de casas.
Existem duas interpretações conflitantes para as novas práticas do MST. Uma é a do Grande-Timoneiro, João Pedro Stédile: "Nossas ações são a única forma de chamar a atenção para a política social que empobrece o país". Stédile é pós-graduado em Economia, no México, aprecia os textos de Lenin, Marx e Mao Tsetung e, em sua opinião, as ações radicais e a indisposição ao diálogo são a forma adequada de apresentar à sociedade as mazelas do atual sistema de governo. Em suma, os governos todos são um Mal e o MST é um Bem.
Os pobres, que, na ausência de alternativas, seguem a bandeira do MST, querem um pedaço de chão, todavia as lideranças encaram a luta pela terra apenas como um instrumento político para atingir uma sociedade socialista..
Em março de 2002, após a invasão, roubo e depredação da fazenda dos filhos do Presidente da República, em Buritis, vemos, em abril, um dirigente do MST, financiado com dinheiro da "Via Campesina", dentro do "bunker" de Iasser Arafat, apresentando "a solidariedade" do MST à luta dos palestinos.
Ao mesmo tempo, no dia 3 de abril, em Brasília, após uma passeata do MST à Embaixada de Israel, o líder José Rainha, que há muito tempo não é mais sem-terra, declara apoio aos atentados contra alvos civis israelenses: "Os atentados contra Israel são a arma de defesa dos palestinos. Muitas vezes as vítimas são civis, mas não há outra saída".
Pergunta-se: o que mais deveremos esperar de um movimento como o do MST?
05 de março de 2014
Carlos Ilich Santos Azambuja é Historiador.
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