Digníssimo patife,
Pelo presente instrumento, venho dirigir-me a vossa excelência. Com minúsculas e na segunda pessoa, pessoa de segunda que és, mauricinho de nariz empertigado. Tu, que te ocultas, sorrateiro, por trás dessa impecável e pretíssima toga de bosta. Tu que recebes aprumado a reverência do povo de joelhos à espera de tuas soberanas e irretocáveis decisões peremptórias. Tu que por horas discorres pausada e enfadonhamente em rede nacional teu arrazoado ululante. Tu que estás imbuído da divina prerrogativa, intransferível e vitalícia, de julgar e decidir o destino dos homens que habitam o mundo dos vivos, já que o dos mortos foge à tua jurisprudência, instância suprema à do teu supremo. Embora nutras anseios em manter paridade e equiparação divina com Aquele que exerce tal competência. Tu mesmo, nobre calhorda, que de tanto exercer o ofício de julgar os outros, julgas-te acima dos outros.
Venho oficiar-te, honorável canalha, que vejo mais retidão e honra na palavra espontânea e honesta que brota do coração de um humilde iletrado do que no alfarrábio que sustém tuas áridas, infindáveis, mirabolantes e ordinárias sentenças. As mesmas que revestes, impávido, em capa dura, fazendo-as constar com letras douradas dos anais que ostentas nas prateleiras intermináveis onde expões tua soberba grandiloquência farisaica e tua rocambolesca sapiência estéril.
Amealhas com vileza recursos tomados do povo injuriado para manter intacto esse intrincado e indecifrável sistema, tão inócuo quanto iníquo, que qualificas cinicamente de Justiça, a fim de cobrir com aura de magnificência e infalibilidade essa espetaculosa e suntuosa pantomima patética e embusteira a fim de deixar boquiabertas as legiões dos sem-justiça desse país, mantendo-os sob o jugo do teu julgar.
Sai da tocaia, egrégio velhaco. Desce desse palácio de letras, capítulos, parágrafos, alíneas, incisos, caputs e cláusulas em que te enclausuras. Cumpre salientar, excelentíssimo pústula, que permanecem livres e soltos, zombando de nossa cara e articulando novas tramoias os corruptos que pomposamente livrastes das masmorras. Não por um sentimento benevolente de perdão ou por uma crença abnegada no poder de recuperação humana mas por um displicente pragmatismo jurídico que mantém todos inimputáveis.
Sob o manto do teu garganteado ‘estado de direito’ malfeitores de todas as espécies ascenderam aos postos de direção com a tua serena condescendência. Mais: com a tua cruel cumplicidade. São estes que tratas com a mais alta leniência, amparando-os com a força irrefutável da lei, draconiana indulgência e intolerância zero. Cobrindo a impunidade com o manto legalista da imunidade. “Por falta de provas”, provas.
Todo teu empenho é de não punir. Inocentes ou culpados, pouco importa. ‘In dubio pro reo’, desde que tuas sagradas mordomias permaneçam intocadas e teus honorários quitados ‘in specie’ com correção, exatidão, integridade e... justiça.
E assim, por todos os pretextos, vais libertando das grades todos os poderosos tubarões, reservando os horrores dos calabouços aos despossuídos que não participam do pecúlio que sustenta a devassidão moral que apadrinhas, consagrando desavergonhadamente esse país como o paraíso da impunidade.
Deixa de hipocrisia. A quem pretendes enganar dizendo que és a fonte da Justiça? Teu ofício é apenas advogar em prol de vermes, devolvendo-lhes em serviços pérfidos o peso do ouro que repassam a teus confrades. A justiça é o contrário de ti. É tornar o mundo decente, com as pessoas podendo se olhar de frente, confiando umas nas outras. Prescindindo de teus sórdidos préstimos.
Justiça seja feita: quem te sustenta, respeitável biltre, são apenas os safados. Crápulas que, dispensando nobres considerações morais, estudam teus intrincados preceitos e se formam doutores para assimilar os meios legais, penais, constitucionais e amorais de permanecer impunes e qualificarem-se a ingressar em tuas rodinhas infames.
Os princípios de retidão e civilidade estão dentro de nós (e fora de ti). Num mundo de justos, tua justiça não se ajusta. Justamente!
Data vênia, vai pra p(*) que te pariu.
05 de março de 2014
Sérgio Sayeg
in blog o que de mim sou eu
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