"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

CAFUNDINDO TUDO...

O dia em que Dilma Rousseff confundiu tijolo com diploma, piso com cobertura, primário com ginásio, Bolsa Família com bolsa escolar — e invocou dona Maria na hora errada




O que a presidenta fala não se escreve ─ o dilmês, inédito idioma com um único usuário, estacionou sua semântica na fase pré-escrita da linguagem e, por isso, não pode ser transcrito sem grave ofensa à instituição da Presidência da República. Ao quebrar esse dogma, reproduzindo os discursos de Dilma com fidelidade quase integral, minutos depois de terem sido cometidos, o Portal do Planalto oferece à consulta pública, em tempo real, documentos preciosos que um dia serão analisados por historiadores isentos ─ e só então encarados com o devido espanto.

Desde o início das manifestações de rua, com a consequente queda vertiginosa de sua incrível popularidade, os discursos de Dilma se avolumaram em duração e frequência ─ às vezes três numa mesma cidade, no mesmo dia, cada qual numa plataforma diferente do Brasil Maravilha. Só de “comprimentos”, dá mais de meia hora/dia.

Mas esta semana, em Campinas, onde participaria de duas cerimônias, o espanto foi da própria presidente, logo aos 32 segundos do primeiro discurso, que celebraria a entrega de unidades do Minha Casa, Minha Vida na cidade, ao se dar conta de que um auto-hacker, falando em dilmês escorreito, invadira sua fala.

O preâmbulo “cut-cut” do discurso seria o caso edificante de uma mulher resgatada de sua miséria por um curso profissionalizante ─ e que talvez já tenha até casa própria, mas não é da Dilma.
“Eu quero cumeçá contando uma história pra vocês de uma mulher que estudou somente até a 5ª série ginasial e… aliás, a 5ª série do curso fundamental, porque vivia na roça com mais nove irmãos e não teve condições de continuar estudano. Mas essa mulher… eu vou tratá dela nu, na, na próxima cerimônia que eu vou participar aqui em Campinas…”

Continuar estudano? Só aí caiu a ficha: “essa mulher” era figurante do discurso seguinte, o de entrega de diplomas de cursos profissionalizantes para formandos do Pronatec. O que estaria fazendo ela numa entrega de casa própria? Ao perceber o erro, a presidente promete “tratá dela” na próxima cerimônia ─ seria quando falasse do Mais Médicos?

Enquanto o pânico certamente se instala nos arredores ─ com os assessores remexendo nervosamente a papelada para encontrar o texto da vez ─ Dilma não acusa o golpe e, sem perder a embocadura, como sói acontecer entre os grandes oradores, tenta encenar o teletransporte, à cerimônia seguinte, da personagem que não pertencia àquele mundo:
“… na próxima cerimônia que eu vou participar aqui em Campinas, que é a formação…do Bolsa Família”.


Espere: não seria do Pronatec? Que formação é essa do Bolsa Família? Da poupança?
Não há nada que não possa ser consertado em dilmês:
“Quiquié formação do Bolsa Família? Quando a gente dá o Bolsa Família, nós estamos permitindo que as pessoas sobrevivam..”.


Humm, essa história não vai acabar bem… Enfim, depois de segundos que pareceram uma eternidade, a mão salvadora ─ veja no vídeo acima ─ deposita sobre o púlpito o papel certo. Seria a hora de mudar de assunto e abandonar o penoso improviso ─ o tema da cerimônia, afinal, é a casa própria. Mas não Dilma.
Ela vai até o fim. A tal “formação do Bolsa Família” ─ que parece ter deixado de ser esmola para ser escola ─ precisa ser explicada.

“Quando a gente dá o Bolsa Família, nós temos de dá também condições pras pessoas mudarem de vida. Mudá de vida ocê muda de várias formas. Primeiro, estudano….”.
É o toque aristolélico, que explica a “formação do Bolsa Família”. Mas, espere: de novo, e a casa própria? Aqui está ela, gloriosa, embora em versão “própia”:

“Primeiro a casa própia. Segundo, curso profissionalizante pra pessoa tê a carteira assinada e podê consegui um emprego”.

Fechou o raciocínio? Sem dúvida, mas é preciso dar uma caprichada no enunciado, inclusive linkando a coisa com o motivo do discurso seguinte, de onde “essa mulher” saiu inadvertidamente:
“Tô feliz, bastante feliz, porque hoje, aqui em Campinas, é minha primeira visita como presidente. E como presidente, eu venho fazer dois atos que são essenciais pra mudar a vida das pessoas: casa própia de um lado, formação profissional de outro lado”.

E dona Maria ─ como se verá adiante ─ no meio dos dois.
Bem, o discurso prossegue, além do vídeo, por longos 22 minutos, integralmente transcritos pelo Portal do Planalto, com Dilma em seu melhor habitat: a velha história da casa que é muito mais do que uma casa. É uma casa:

“Hoje, nós estamos entregando 1060, 1060 moradias que são na verdade, não são construção, porque uma casa pode ser de material, pode ter azulejo, ferro, aço, alumínio, mas uma casa não é isso. Uma casa é onde a gente cria os filhos, onde a gente mora com a família, onde a gente recebe os amigos, onde a gente cria os laços afetivos que qualquer ser humano quer carregar ao longo da sua vida”.

Passada a tensão inicial, Dilma parecia exultante ─ mas com os pés no chão:
“Eu estou muito feliz, porque eu entro lá nos apartamentos para olhar o quê? Eu olho o chão, eu olho se o chão está coberto. A moça ali me perguntou, porque antes não se cobria o chão. A primeira fase, a primeira fase não se cobria o chão, agora que se começou a cobrir. Nós decidimos várias coisas, melhorias, porque você vai aprendendo. Agora é obrigado ─ é bom vocês saberem o que é obrigado a fazer: por exemplo, o chão tem de estar coberto, ou por madeira ou cerâmica, e a área social também. Se o seu não estava, ele terá de estar”.

E nada como o olhar de uma igual:

“Eu sou, como vocês… hoje eu não sou dona de casa porque eu sou presidente, mas eu fui dona de casa até pouco tempo atrás. Quero dizer para vocês que, como qualquer dona de casa, vocês têm de fazer o seguinte: vocês têm de olhar os preços nas lojas. E olhar o preço, ver qual é o melhor e comprar o que é melhor”.
Não é à toa que se tornou presidente: alguém já tinha pensado nisso antes?

A seguir:

─ A mulher que invadiu por engano o discurso da casa própria volta com tudo no discurso certo e é obrigada a ouvir a profissão de fé da presidente na educação e nos nossos mestres:
“E o professor, o professor, a pessoa professor e professora, nós, sociedade brasileira, governo, estudantes, nós temos de valorizar”
“Independentemente de quem quer que seja, nós carregamos a educação que nós conquistamos para nós”

─ Dilma pede ajuda aos universitários para lembrar o nome do micro-ondas
─ Os desafios do Mais Médicos:
“Nós vamos primeiro atacar o grosso”
“Gripe é aquilo que ataca cada um de nós”
“O Brasil precisa de oncologista, que vai tratar das doenças do câncer”


02 de setembro de 2013
CELSO ARNALDO ARAÚJO

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