Os fluxos migratórios têm se constituído em um retrato humano da política mundial em nosso tempo. A movimentação de pessoas tem se intensificado inclusive pelas facilidades que as tecnologias de transporte e de comunicação trouxeram para o cotidiano das pessoas em toda parte. Na Europa e nos EUA os debates sobre o tema da imigração têm ocupado a mídia e tendem a se acentuar quando há algum processo eleitoral à vista. Nos debates a prática corrente é dividir simplificadamente os políticos e os partidos políticos em dois grupos: aqueles que são francamente favoráveis a políticas mais liberais e generosas para com os imigrantes e aqueles que estão mais preocupados com a imigração como fator de distúrbio da ordem social doméstica.
É curioso notar que no Brasil, apesar de ser um país que geralmente se orgulha de ter sido formado por imigrantes, o tema não tem atraído grande interesse dos meios de comunicação e tudo indica que não fará parte dos debates nas eleições previstas para este ano. Talvez uma melhor compreensão do fenômeno das migrações internacionais de pessoas seja oportuno e ajude também a melhor compreender a própria posição do Brasil neste mundo do início de um novo milênio. Parece inevitável questionar: por que esse tema tão sensível e presente nas nações mais avançadas não tem sido objeto de debates no Brasil? Por que, o Brasil tem sido virtualmente ignorado pelas correntes migratórias em nosso tempo?
Mudanças nos padrões dos fluxos migratórios internacionais
O demógrafo e sociólogo francês Alfred Sauvy (1898-1990), que introduziu a expressão Terceiro Mundo (Tiers Monde, 1952) na política mundial dedicou boa parte de sua obra ao estudo do fenômeno do desenvolvimento econômico em regiões não industrializadas e, em especial, ao papel das migrações internacionais nesse processo. Sauvy costumava iniciar sua argumentação explicando que o fenômeno das migrações internacionais de pessoas resulta de duas forças que se combinam: de um lado, as forças de expulsão de migrantes e, de outro, as forças de atração de fluxos migratórios. Talvez seja útil, mesmo nesse mundo globalizado tão diferente da década de 1950, revisitar a construção conceitual do demógrafo francês.
Na essência, as forças de expulsão e de atração continuam a orientar os fluxos migratórios em nosso tempo. Guerra, insegurança política e social, e pobreza continuam a ser as principais forças de expulsão de refugiados e de migrantes que deixam seus países onde se sentem ameaçados e onde têm remotas possibilidades de construir um futuro de prosperidade para si e para suas famílias. Por outro lado, as forças de atração de migrantes mudaram significativamente desde os grandes movimentos migratórios do século XIX.
Na realidade, as sucessivas ondas de migração do século XIX da Europa e da Ásia para as Américas, para a África e para a Austrália, foram responsáveis pela conformação das populações dos países na modernidade. Há, no entanto, substanciais diferenças entre as forças de atração no século XIX em relação àquelas que orientam os fluxos migratórios de hoje. Uma dessas diferenças é o fato de que no século XIX havia terras em abundância nos novos continentes e a maioria dos países desses continentes queria receber imigrantes. Países como os EUA e Brasil formularam políticas voltadas para a atração de imigrantes. Por exemplo, no caso do Brasil, a política de atração de imigrantes japoneses incluiu a assinatura de acordos formais, visitas oficiais de autoridades e a preparação de relatórios sobre as condições para a vinda de imigrantes do Japão. Na realidade, essa política incluiu também a organização de palestras sobre usos e costumes e até mesmo algum treinamento básico da língua portuguesa. Atualmente, as condições se revelam substancialmente diferentes. Não há mais novas terras a serem ocupadas e a urbanização avançou a ponto de tornar-se o padrão dominante em toda parte. Uma consequência inevitável é que os imigrantes passaram a competir por empregos com as populações locais, em especial onde os índices de desemprego são elevados.
Outra mudança notável ocorrida no fenômeno das migrações no século XIX e os fluxos migratórios de hoje refere-se à direção desses fluxos. No século XIX, independente das forças de expulsão, a grande maioria dos migrantes saía dos tradicionais centros econômicos da Europa e da Ásia em direção aos países recentes situados na periferia, com baixa densidade populacional, muitos desses países tendo deixado há pouco seu status colonial em relação a alguma potência europeia. Hoje, as pressões da migração internacional se concentram sobre as nações centrais. Devido à proximidade em relação às regiões mais turbulentas do Oriente Médio e do norte da África, os países europeus tornaram-se o principal destino pretendido por refugiados e migrantes dessas regiões. Nas Américas, de longe, os EUA constituem o destino preferido por migrantes e refugiados do hemisfério e também de migrantes oriundos de outras regiões mais distantes já que as facilidades de transporte tornam a migração também um fenômeno globalizado.
Alguns padrões das migrações no século XXI
Os dados mostram que os EUA, a Alemanha e o Reino Unido têm sido as nações que, de forma sistemática têm recebido o maior contingente de refugiados e migrantes. Anualmente os EUA e a Alemanha têm recebido uma media de 1,2 milhões de imigrantes, enquanto o Reino Unido perto da metade dessa cifra. Na outra direção, isto é, os países que têm gerado migrantes e refugiados estão listados a seguir compreendendo o período de 2005-2010.
É curioso notar que no Brasil, apesar de ser um país que geralmente se orgulha de ter sido formado por imigrantes, o tema não tem atraído grande interesse dos meios de comunicação e tudo indica que não fará parte dos debates nas eleições previstas para este ano. Talvez uma melhor compreensão do fenômeno das migrações internacionais de pessoas seja oportuno e ajude também a melhor compreender a própria posição do Brasil neste mundo do início de um novo milênio. Parece inevitável questionar: por que esse tema tão sensível e presente nas nações mais avançadas não tem sido objeto de debates no Brasil? Por que, o Brasil tem sido virtualmente ignorado pelas correntes migratórias em nosso tempo?
Mudanças nos padrões dos fluxos migratórios internacionais
O demógrafo e sociólogo francês Alfred Sauvy (1898-1990), que introduziu a expressão Terceiro Mundo (Tiers Monde, 1952) na política mundial dedicou boa parte de sua obra ao estudo do fenômeno do desenvolvimento econômico em regiões não industrializadas e, em especial, ao papel das migrações internacionais nesse processo. Sauvy costumava iniciar sua argumentação explicando que o fenômeno das migrações internacionais de pessoas resulta de duas forças que se combinam: de um lado, as forças de expulsão de migrantes e, de outro, as forças de atração de fluxos migratórios. Talvez seja útil, mesmo nesse mundo globalizado tão diferente da década de 1950, revisitar a construção conceitual do demógrafo francês.
Na essência, as forças de expulsão e de atração continuam a orientar os fluxos migratórios em nosso tempo. Guerra, insegurança política e social, e pobreza continuam a ser as principais forças de expulsão de refugiados e de migrantes que deixam seus países onde se sentem ameaçados e onde têm remotas possibilidades de construir um futuro de prosperidade para si e para suas famílias. Por outro lado, as forças de atração de migrantes mudaram significativamente desde os grandes movimentos migratórios do século XIX.
Na realidade, as sucessivas ondas de migração do século XIX da Europa e da Ásia para as Américas, para a África e para a Austrália, foram responsáveis pela conformação das populações dos países na modernidade. Há, no entanto, substanciais diferenças entre as forças de atração no século XIX em relação àquelas que orientam os fluxos migratórios de hoje. Uma dessas diferenças é o fato de que no século XIX havia terras em abundância nos novos continentes e a maioria dos países desses continentes queria receber imigrantes. Países como os EUA e Brasil formularam políticas voltadas para a atração de imigrantes. Por exemplo, no caso do Brasil, a política de atração de imigrantes japoneses incluiu a assinatura de acordos formais, visitas oficiais de autoridades e a preparação de relatórios sobre as condições para a vinda de imigrantes do Japão. Na realidade, essa política incluiu também a organização de palestras sobre usos e costumes e até mesmo algum treinamento básico da língua portuguesa. Atualmente, as condições se revelam substancialmente diferentes. Não há mais novas terras a serem ocupadas e a urbanização avançou a ponto de tornar-se o padrão dominante em toda parte. Uma consequência inevitável é que os imigrantes passaram a competir por empregos com as populações locais, em especial onde os índices de desemprego são elevados.
Outra mudança notável ocorrida no fenômeno das migrações no século XIX e os fluxos migratórios de hoje refere-se à direção desses fluxos. No século XIX, independente das forças de expulsão, a grande maioria dos migrantes saía dos tradicionais centros econômicos da Europa e da Ásia em direção aos países recentes situados na periferia, com baixa densidade populacional, muitos desses países tendo deixado há pouco seu status colonial em relação a alguma potência europeia. Hoje, as pressões da migração internacional se concentram sobre as nações centrais. Devido à proximidade em relação às regiões mais turbulentas do Oriente Médio e do norte da África, os países europeus tornaram-se o principal destino pretendido por refugiados e migrantes dessas regiões. Nas Américas, de longe, os EUA constituem o destino preferido por migrantes e refugiados do hemisfério e também de migrantes oriundos de outras regiões mais distantes já que as facilidades de transporte tornam a migração também um fenômeno globalizado.
Alguns padrões das migrações no século XXI
Os dados mostram que os EUA, a Alemanha e o Reino Unido têm sido as nações que, de forma sistemática têm recebido o maior contingente de refugiados e migrantes. Anualmente os EUA e a Alemanha têm recebido uma media de 1,2 milhões de imigrantes, enquanto o Reino Unido perto da metade dessa cifra. Na outra direção, isto é, os países que têm gerado migrantes e refugiados estão listados a seguir compreendendo o período de 2005-2010.
Os dados (arredondados) são acumulados e referem-se ao saldo líquido entre os que entraram e os que deixaram o país no período.
India: (- 2.940.000)
Bangladesh : (- 2.900.000)
Paquistão: (-1.900.000)
China: (-1.890.000)
México: (- 1.820.000)
Indonésia: (- 1.270.000)
Filipinas: (- 1.230.000)
Zimbabwe: (- 900.000)
Peru: (- 725.000)
Marrocos (- 675.000)
Uzbequistão (- 520.000)
Brazil (- 500.000)
Em geral jornalistas e analistas internacionais têm suas atenções voltadas para países como os EUA, Alemanha, Reino Unido e França que são hoje os países pressionados por refugiados e migrantes que os escolhem como destinos preferenciais. Assim, pouca atenção é posta sobre as nações onde as forças de expulsão de migrantes e refugiados prevalecem. Na realidade, refugiados ou migrantes batalhando por conseguir documentos para trabalhar e residir em um outro país desperta o mesmo tipo de sentimento provocado por alguém batendo numa porta em busca de comida. Ao contrário, aqueles que deixam seus países podem estar tomando essa iniciativa por muitas razões pessoais e, no caso de guerras, tiranias ou outras formas de turbulências políticas, o analista têm muitas outras questões com as quais se ocupar e os fluxos de refugiados nascidos dessas turbulências acabam por ser apenas um fato entre muitos outros. Um fato interessante, mas curiosamente nunca lembrado, é o caso da fronteira dos EUA com o Canadá, que é quase três vezes mais extensa do que a fronteira entre os EUA e o México mas, apesar disso, não se verifica, nem de longe, os problemas de imigração ilegal, contrabando e tráfico de drogas como os que ocorrem nas fronteiras com o México.
Durante os anos da guerra fria muitos governos ergueram muros com o objetivo de evitar que seus cidadãos deixassem seus países. Eram chamados de “países-prisões”, restando dessa época apenas raros exemplares como são ainda os casos da Coréia do Norte e de Cuba. Hoje “construir muros” significa iniciativas para evitar e controlar a entrada de imigrantes e não a saída de cidadãos que querem deixar o país. Às vezes significa construir muros de concreto e tijolos mas, na maioria das vezes, significa criar legislações e procedimentos burocráticos para controlar e até a evitar que migrantes e refugiados cruzem as fronteiras e estabeleçam residência no país.
No século XIX a teoria econômica dizia que o comércio era o “motor do crescimento”, significando que o crescimento econômico era puxado pelo comércio, isto é, onde havia comércio, havia crescimento que atraía capital (investimentos) e trabalho (imigrantes). Se o comércio era, de fato, o motor do crescimento no século XIX, continua sendo objeto de controvérsia, mas não há qualquer contestação quanto ao fato de que os fluxos de pessoas seguia o comércio, os fluxos financeiros e o crescimento econômico. A grande maioria das pessoas que saía da Europa e da Ásia em direção às Américas, à África e à Austrália estavam em busca de oportunidades para dar um recomeço às suas vidas. Hoje há uma nova economia mundial, com padrões completamente diferentes, mas migrantes e refugiados continuam a ser atraídos pelas economias mais dinâmicas e mais seguras onde, em consequência, deverão estar as principais oportunidades de trabalho e de negócios. Numa linguagem mais apropriada para os nossos dias, é possível dizer que os principais destinos escolhidos pelos migrantes e refugiados são as economias classificadas como triple A pelas agências Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch.
Por que a imigração não tem sido uma questão pública no Brasil?
Países com baixo padrão de desempenho econômico não se tornam destinos preferenciais de migrantes e de refugiados. Mesmo países com grandes extensões territoriais e com baixas restrições e controle sobre a chegada de imigrantes como o Brasil não se tornam destinos preferenciais de migrantes e refugiados. Com efeito, os dados mostram que no período 2005-2010, o total de pessoas que deixaram o Brasil superou em 500 mil a entrada de imigrantes. Estes dados explicam em larga medida porque, diferentemente do que ocorre na Europa e nos EUA, o tema da imigração não tem feito parte dos debates políticos no Brasil, mesmo em períodos eleitorais. Recentemente a situação econômica na Venezuela se deteriorou consideravelmente e vem produzindo um aumento substancial no fluxo de venezuelanos para o Brasil. Em virtude desses desenvolvimentos o saldo entre os estrangeiros que ingressam no Brasil e os cidadãos brasileiros que deixam o País vai se tornando positivo mas, apesar disso, a questão da imigração ainda está longe de tornar-se um tema de debate público ao menos por três razões: a) as dimensões do País; b) o fenômeno é essencialmente regional; c) seus efeitos mais notáveis são de longo prazo.
a. As dimensões continentais do País diluem as pressões migratórias. Em termos demográficos, com a deterioração das condições econômicas e sociais da Venezuela a demanda por vistos de entrada aumentou para cerca de 100 mil/ano, o que significa menos do que 10% da demanda por vistos de imigração para os EUA;
b. O fenômeno é basicamente regional, isto é, são os Estados do norte do Brasil (notavelmente Roraima, Amazonas e Acre) que sofrem as pressões mais significativas. A história mostra que, após a segunda guerra mundial, apenas no período dos governos militares houve um claro entendimento de que a Região Norte deveria ser efetivamente integrada à nação (PIN, Decreto-Lei 1.106/1970). A ordem política vigente, fortemente assentada na ideia de que a democracia deve refletir tão somente representatividade (de grupos sociais e regiões) tem reforçado a pouca relevância dos Estados do Norte. Por que as questões das pressões migratórias que afetam essencialmente um Estado como Roraima precisam ser discutidas e abordadas pelas instituições federais? Mesmo que todos os eleitores de Roraima votassem em um só candidato dificilmente esse fato teria algum efeito significativo para os resultados de uma eleição presidencial.
c. As dimensões da nação brasileira diluem os efeitos de curto prazo das pressões migratórias capazes de sensibilizar a opinião pública e os participantes das disputas eleitorais. Os efeitos mais notáveis e, provavelmente mais importantes, de longo prazo, do que está ocorrendo com o fenômeno das migrações das pessoas que procuram residência e das que saem do País não são capazes de sensibilizar a opinião pública. Como a preferência de migrantes internacionais de qualquer tipo (inclusive de brasileiros) é por economias triple A, o Brasil acaba se tornando um destino dos migrantes e mesmo de refugiados que não tiveram opção melhor. Dessa forma, entre os migrantes que têm deixado o Brasil tem uma larga proporção de pessoas com bom nível de instrução e de formação profissional enquanto, no lado oposto, prevalece a entrada de grandes levas de pessoas de pouca instrução. Um engenheiro que sai do Brasil, leva consigo não apenas perto de 20 anos de investimentos em sua educação, mas leva também consigo um futuro que pode ser muito promissor e que não vai compartilhar com seus compatriotas.
As notícias mais recentes informam que o número de pessoas que fogem para o Brasil, vindos especialmente da Venezuela e Haiti, apenas no Estado de Roraima já ultrapassa 10% da população daquele Estado (cerca de 40.000). Além disso, indígenas vindos da Venezuela tem acampado em praças públicas em Manaus. Apesar de tudo, nem o governo central e nem os meios de comunicação, que formam e que refletem a opinião pública, não se mostram sensibilizados com a questão.
03 de fevereiro de 2018
Eiiti Sato é professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília.
India: (- 2.940.000)
Bangladesh : (- 2.900.000)
Paquistão: (-1.900.000)
China: (-1.890.000)
México: (- 1.820.000)
Indonésia: (- 1.270.000)
Filipinas: (- 1.230.000)
Zimbabwe: (- 900.000)
Peru: (- 725.000)
Marrocos (- 675.000)
Uzbequistão (- 520.000)
Brazil (- 500.000)
Em geral jornalistas e analistas internacionais têm suas atenções voltadas para países como os EUA, Alemanha, Reino Unido e França que são hoje os países pressionados por refugiados e migrantes que os escolhem como destinos preferenciais. Assim, pouca atenção é posta sobre as nações onde as forças de expulsão de migrantes e refugiados prevalecem. Na realidade, refugiados ou migrantes batalhando por conseguir documentos para trabalhar e residir em um outro país desperta o mesmo tipo de sentimento provocado por alguém batendo numa porta em busca de comida. Ao contrário, aqueles que deixam seus países podem estar tomando essa iniciativa por muitas razões pessoais e, no caso de guerras, tiranias ou outras formas de turbulências políticas, o analista têm muitas outras questões com as quais se ocupar e os fluxos de refugiados nascidos dessas turbulências acabam por ser apenas um fato entre muitos outros. Um fato interessante, mas curiosamente nunca lembrado, é o caso da fronteira dos EUA com o Canadá, que é quase três vezes mais extensa do que a fronteira entre os EUA e o México mas, apesar disso, não se verifica, nem de longe, os problemas de imigração ilegal, contrabando e tráfico de drogas como os que ocorrem nas fronteiras com o México.
Durante os anos da guerra fria muitos governos ergueram muros com o objetivo de evitar que seus cidadãos deixassem seus países. Eram chamados de “países-prisões”, restando dessa época apenas raros exemplares como são ainda os casos da Coréia do Norte e de Cuba. Hoje “construir muros” significa iniciativas para evitar e controlar a entrada de imigrantes e não a saída de cidadãos que querem deixar o país. Às vezes significa construir muros de concreto e tijolos mas, na maioria das vezes, significa criar legislações e procedimentos burocráticos para controlar e até a evitar que migrantes e refugiados cruzem as fronteiras e estabeleçam residência no país.
No século XIX a teoria econômica dizia que o comércio era o “motor do crescimento”, significando que o crescimento econômico era puxado pelo comércio, isto é, onde havia comércio, havia crescimento que atraía capital (investimentos) e trabalho (imigrantes). Se o comércio era, de fato, o motor do crescimento no século XIX, continua sendo objeto de controvérsia, mas não há qualquer contestação quanto ao fato de que os fluxos de pessoas seguia o comércio, os fluxos financeiros e o crescimento econômico. A grande maioria das pessoas que saía da Europa e da Ásia em direção às Américas, à África e à Austrália estavam em busca de oportunidades para dar um recomeço às suas vidas. Hoje há uma nova economia mundial, com padrões completamente diferentes, mas migrantes e refugiados continuam a ser atraídos pelas economias mais dinâmicas e mais seguras onde, em consequência, deverão estar as principais oportunidades de trabalho e de negócios. Numa linguagem mais apropriada para os nossos dias, é possível dizer que os principais destinos escolhidos pelos migrantes e refugiados são as economias classificadas como triple A pelas agências Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch.
Por que a imigração não tem sido uma questão pública no Brasil?
Países com baixo padrão de desempenho econômico não se tornam destinos preferenciais de migrantes e de refugiados. Mesmo países com grandes extensões territoriais e com baixas restrições e controle sobre a chegada de imigrantes como o Brasil não se tornam destinos preferenciais de migrantes e refugiados. Com efeito, os dados mostram que no período 2005-2010, o total de pessoas que deixaram o Brasil superou em 500 mil a entrada de imigrantes. Estes dados explicam em larga medida porque, diferentemente do que ocorre na Europa e nos EUA, o tema da imigração não tem feito parte dos debates políticos no Brasil, mesmo em períodos eleitorais. Recentemente a situação econômica na Venezuela se deteriorou consideravelmente e vem produzindo um aumento substancial no fluxo de venezuelanos para o Brasil. Em virtude desses desenvolvimentos o saldo entre os estrangeiros que ingressam no Brasil e os cidadãos brasileiros que deixam o País vai se tornando positivo mas, apesar disso, a questão da imigração ainda está longe de tornar-se um tema de debate público ao menos por três razões: a) as dimensões do País; b) o fenômeno é essencialmente regional; c) seus efeitos mais notáveis são de longo prazo.
a. As dimensões continentais do País diluem as pressões migratórias. Em termos demográficos, com a deterioração das condições econômicas e sociais da Venezuela a demanda por vistos de entrada aumentou para cerca de 100 mil/ano, o que significa menos do que 10% da demanda por vistos de imigração para os EUA;
b. O fenômeno é basicamente regional, isto é, são os Estados do norte do Brasil (notavelmente Roraima, Amazonas e Acre) que sofrem as pressões mais significativas. A história mostra que, após a segunda guerra mundial, apenas no período dos governos militares houve um claro entendimento de que a Região Norte deveria ser efetivamente integrada à nação (PIN, Decreto-Lei 1.106/1970). A ordem política vigente, fortemente assentada na ideia de que a democracia deve refletir tão somente representatividade (de grupos sociais e regiões) tem reforçado a pouca relevância dos Estados do Norte. Por que as questões das pressões migratórias que afetam essencialmente um Estado como Roraima precisam ser discutidas e abordadas pelas instituições federais? Mesmo que todos os eleitores de Roraima votassem em um só candidato dificilmente esse fato teria algum efeito significativo para os resultados de uma eleição presidencial.
c. As dimensões da nação brasileira diluem os efeitos de curto prazo das pressões migratórias capazes de sensibilizar a opinião pública e os participantes das disputas eleitorais. Os efeitos mais notáveis e, provavelmente mais importantes, de longo prazo, do que está ocorrendo com o fenômeno das migrações das pessoas que procuram residência e das que saem do País não são capazes de sensibilizar a opinião pública. Como a preferência de migrantes internacionais de qualquer tipo (inclusive de brasileiros) é por economias triple A, o Brasil acaba se tornando um destino dos migrantes e mesmo de refugiados que não tiveram opção melhor. Dessa forma, entre os migrantes que têm deixado o Brasil tem uma larga proporção de pessoas com bom nível de instrução e de formação profissional enquanto, no lado oposto, prevalece a entrada de grandes levas de pessoas de pouca instrução. Um engenheiro que sai do Brasil, leva consigo não apenas perto de 20 anos de investimentos em sua educação, mas leva também consigo um futuro que pode ser muito promissor e que não vai compartilhar com seus compatriotas.
As notícias mais recentes informam que o número de pessoas que fogem para o Brasil, vindos especialmente da Venezuela e Haiti, apenas no Estado de Roraima já ultrapassa 10% da população daquele Estado (cerca de 40.000). Além disso, indígenas vindos da Venezuela tem acampado em praças públicas em Manaus. Apesar de tudo, nem o governo central e nem os meios de comunicação, que formam e que refletem a opinião pública, não se mostram sensibilizados com a questão.
03 de fevereiro de 2018
Eiiti Sato é professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília.
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