Debate sobre exaustão da política de estímulos dos principais bancos centrais do mundo ganha espaço
As decisões do Banco do Japão (BoJ, na sigla em inglês) e do Federal Reserve (Fed) americano esquentam um debate que promete ganhar força: já terá a política de estímulos monetários adotada pelos principais bancos centrais de países desenvolvidos chegado à exaustão?
Desde a crise financeira de 2008, os bancos centrais lideraram a recuperação da economia mundial ao injetar trilhões de dólares nos mercados ao reduzirem os juros básicos para ao redor de 0% e, mais recentemente, até para taxas negativas em alguns países, além de comprar títulos governamentais e outros ativos a fim de aumentar a liquidez, reaquecer o mercado de crédito e estimular o consumo. Boa parte dessa montanha de dinheiro acabou em países emergentes, como o Brasil.
Nas últimas semanas, contudo, instituições como o BoJ vêm dando sinais de reversão de suas políticas monetárias de anos recentes, em especial os programas de afrouxamento quantitativo. Isso reflete uma avaliação de que esses programas não cumprem o objetivo de aumentar o crescimento econômico – incentivando o consumo ao se reduzir as taxas de rendimento das aplicações financeiras – nem de acelerar a inflação. A discussão agora é se os instrumentos tradicionais de política monetária se tornaram obsoletos e a solução terá de passar por estímulos fiscais ou reformas estruturais, tanto para aquecer o consumo e o investimento quanto para elevar a produtividade como forma de aumentar o crescimento econômico.
O BoJ manteve inalterados a taxa de juros e o volume de compra de títulos do governo japonês e de cotas em fundos de índices de ações, o que decepcionou quem esperava corte adicional dos juros de curto prazo ou compras adicionais de ativos. Muitos analistas disseram que o BoJ não enterrou ainda sua política de estímulos, mas migrou o foco da injeção de dinheiro via compra de ativos e juros negativos para a simples gestão da curva de juros, isto é, da variação das taxas pagas pelos títulos públicos de diferentes prazos.
A taxa paga pelos depósitos em bancos, por exemplo, encontra-se em -0,1%. Em vez de o dinheiro render, um poupador japonês acaba pagando para deixar o seu recurso depositado no banco. Com um número grande de aposentados, a queda no rendimento das aplicações financeiras não levou ao consumo de bens e serviços, como o governo esperava, mas a uma postura mais defensiva: o japonês passou a poupar mais para compensar uma rentabilidade menor ao temer que, no futuro, os seus investimentos crescerão a um ritmo insuficiente para a aposentadoria.
Do ponto de vista dos bancos, com as taxas negativas se aprofundando ao longo da curva de juros, a intenção do governo também falhou: as instituições financeiras relutavam em conceder empréstimos, pois captavam recursos no curto prazo a uma taxa (embora negativa) acima daquela que receberiam dos tomadores de crédito a prazos mais longos.
Não à toa, o BoJ fixou uma meta de 0% para os juros pagos pelos títulos do Tesouro japonês de 10 anos de prazo. Assim, a curva de juros japonesa tende a ficar mais inclinada: taxas negativas no curto prazo passando para zero no médio prazo. Por outro lado, o Boj deixará a inflação superar 2% e seguirá injetando uma quantidade suficiente de dinheiro no mercado até que os índices de preços caminhem para esse objetivo.
Já o Fed manteve inalterados os juros básicos entre 0,25% e 0,50% na sua reunião de política monetária ontem, mas deixou aberta a possibilidade de elevá-los no encontro de dezembro à medida que a economia americana dá sinais de recuperação. No caso dos EUA, mesmo com todos os estímulos adotados desde 2008, a economia cresce a um ritmo menor do que o esperado. No passado, essa política evitou um desastre econômico. Para crescer mais agora, contudo, será necessário o uso de outros instrumentos.
O debate sobre a exaustão dos estímulos monetários está só começando. Não dá para dizer que o trabalho dos bancos centrais terminou. Todavia, já é possível tirar a seguinte lição: política monetária não gera crescimento econômico de longo prazo. Isso é resultado de ganho de produtividade, ampliação na força de trabalho e aumento no estoque de capital. Mas essa tarefa não cabe ao BC.
23 de setembro de 2016
Fábio Alves, Estadão
As decisões do Banco do Japão (BoJ, na sigla em inglês) e do Federal Reserve (Fed) americano esquentam um debate que promete ganhar força: já terá a política de estímulos monetários adotada pelos principais bancos centrais de países desenvolvidos chegado à exaustão?
Desde a crise financeira de 2008, os bancos centrais lideraram a recuperação da economia mundial ao injetar trilhões de dólares nos mercados ao reduzirem os juros básicos para ao redor de 0% e, mais recentemente, até para taxas negativas em alguns países, além de comprar títulos governamentais e outros ativos a fim de aumentar a liquidez, reaquecer o mercado de crédito e estimular o consumo. Boa parte dessa montanha de dinheiro acabou em países emergentes, como o Brasil.
Nas últimas semanas, contudo, instituições como o BoJ vêm dando sinais de reversão de suas políticas monetárias de anos recentes, em especial os programas de afrouxamento quantitativo. Isso reflete uma avaliação de que esses programas não cumprem o objetivo de aumentar o crescimento econômico – incentivando o consumo ao se reduzir as taxas de rendimento das aplicações financeiras – nem de acelerar a inflação. A discussão agora é se os instrumentos tradicionais de política monetária se tornaram obsoletos e a solução terá de passar por estímulos fiscais ou reformas estruturais, tanto para aquecer o consumo e o investimento quanto para elevar a produtividade como forma de aumentar o crescimento econômico.
O BoJ manteve inalterados a taxa de juros e o volume de compra de títulos do governo japonês e de cotas em fundos de índices de ações, o que decepcionou quem esperava corte adicional dos juros de curto prazo ou compras adicionais de ativos. Muitos analistas disseram que o BoJ não enterrou ainda sua política de estímulos, mas migrou o foco da injeção de dinheiro via compra de ativos e juros negativos para a simples gestão da curva de juros, isto é, da variação das taxas pagas pelos títulos públicos de diferentes prazos.
A taxa paga pelos depósitos em bancos, por exemplo, encontra-se em -0,1%. Em vez de o dinheiro render, um poupador japonês acaba pagando para deixar o seu recurso depositado no banco. Com um número grande de aposentados, a queda no rendimento das aplicações financeiras não levou ao consumo de bens e serviços, como o governo esperava, mas a uma postura mais defensiva: o japonês passou a poupar mais para compensar uma rentabilidade menor ao temer que, no futuro, os seus investimentos crescerão a um ritmo insuficiente para a aposentadoria.
Do ponto de vista dos bancos, com as taxas negativas se aprofundando ao longo da curva de juros, a intenção do governo também falhou: as instituições financeiras relutavam em conceder empréstimos, pois captavam recursos no curto prazo a uma taxa (embora negativa) acima daquela que receberiam dos tomadores de crédito a prazos mais longos.
Não à toa, o BoJ fixou uma meta de 0% para os juros pagos pelos títulos do Tesouro japonês de 10 anos de prazo. Assim, a curva de juros japonesa tende a ficar mais inclinada: taxas negativas no curto prazo passando para zero no médio prazo. Por outro lado, o Boj deixará a inflação superar 2% e seguirá injetando uma quantidade suficiente de dinheiro no mercado até que os índices de preços caminhem para esse objetivo.
Já o Fed manteve inalterados os juros básicos entre 0,25% e 0,50% na sua reunião de política monetária ontem, mas deixou aberta a possibilidade de elevá-los no encontro de dezembro à medida que a economia americana dá sinais de recuperação. No caso dos EUA, mesmo com todos os estímulos adotados desde 2008, a economia cresce a um ritmo menor do que o esperado. No passado, essa política evitou um desastre econômico. Para crescer mais agora, contudo, será necessário o uso de outros instrumentos.
O debate sobre a exaustão dos estímulos monetários está só começando. Não dá para dizer que o trabalho dos bancos centrais terminou. Todavia, já é possível tirar a seguinte lição: política monetária não gera crescimento econômico de longo prazo. Isso é resultado de ganho de produtividade, ampliação na força de trabalho e aumento no estoque de capital. Mas essa tarefa não cabe ao BC.
23 de setembro de 2016
Fábio Alves, Estadão
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