"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

JANOT DIZ QUE A LAVA JATO REVELOUY "UM MODO DEGENERADO DE FAZER POLÍTICA"

Acabar com a corrupção é utopia inalcançável, diz JanotO procurador-geral da República, Rodrigo Janot, avalia que a Lei de Abuso de Autoridade – em discussão no Congresso – contém ‘tipos penais de constitucionalidade duvidosa’. Janot declara ser ‘absolutamente favorável’ à revisão da lei que data de 1965, ‘concebida sob a égide de um Estado de exceção’. Mas alerta que o texto, que tem apoio do senador Renan Calheiros (PMDB/AL), alvo da Lava Jato, “deixa lacunas inaceitáveis, como a não incriminação da famosa ‘carteirada’, infelizmente, prática ainda habitual em nossa cultura”.


Nesta entrevista ao Estadão, o procurador que comanda a Lava Jato perante o Supremo Tribunal Federal diz que acabar com a corrupção ‘é uma utopia inalcançável’, mas defende debelar malfeitos ‘como uma forma natural de fazer política e negócios no país’. Para ele, ‘a análise de custo-benefício feita pelo corrupto o incentiva a seguir em frente no seu intento criminoso, os ganhos são polpudos e o risco de ser preso é muito baixo’.

Janot observa que a Lava Jato revelou ‘um modo degenerado de fazer política e a simbiose deletéria que se estabeleceu entre certos setores do empresariado e agentes públicos para ganhos espúrios e para perpetuação no poder’. E condena o fato de 22 mil políticos no País desfrutarem do foro privilegiado. “Claramente um exagero antirrepublicano.”

A Lei do Abuso de Autoridade é um sinal de retaliação de políticos e partidos? 

Ela intimida a Lava Jato?Nossa atual Lei de Abuso de Autoridade data de 1965 e está em vigor há mais de 50 anos. Essa norma foi concebida sob a égide de um estado de exceção autoritário e antidemocrático. É absolutamente imprescindível que o Congresso Nacional estabeleça um novo marco normativo que regule os limites do exercício legítimo da autoridade estatal em defesa das liberdades públicas e dos direitos de cidadania. Sou, assim, absolutamente favorável à revisão da Lei de Abuso de Autoridade. Sobre o tema, tramita, hoje, no Senado, o Projeto de Lei 280/2016, o qual, em tese, deveria cumprir o papel de atualizar a Lei 4.898/65, mas que, de fato, traz uma sequência de tipos penais abertos, de constitucionalidade duvidosa, que podem sim inibir indevidamente a atuação das autoridades no combate à corrupção e à criminalidade crescente. Além do mais, deixa lacunas inaceitáveis, por exemplo, a não incriminação da famosa “carteirada”, infelizmente, prática ainda habitual em nossa cultura. Apesar disso, estou confiante de que o Senado, no exercício legítimo de suas atribuições, procederá, nessa questão, com a cautela que lhe é peculiar

Até onde vai a Lava Jato?

As investigações da Lava Jato revelaram não apenas grandes atos de corrupção no sistema político e empresarial do país, mas um modo degenerado de fazer política e a simbiose deletéria que se estabeleceu entre certos setores do empresariado e agentes públicos para ganhos espúrios e para perpetuação no poder. A envergadura e o alcance do trabalho desenvolvido mobilizaram a sociedade brasileira em torno do problema da corrupção, trazendo a questão para a ordem do dia. Temos diversos empresários e políticos investigados e processados. Temos dezenas de inquéritos em andamento, centenas de pessoas já denunciadas – algumas já condenadas em primeira instância –, além de fatos novos que ainda chegam ao nosso conhecimento e que merecem apuração rigorosa. A questão, portanto, não é até onde vai a Lava Jato, mas se as nossas instituições terão capacidade de absorver todo o know-how desenvolvido nesse caso, de modo a torná-lo um padrão a ser seguido daqui para frente. Pessoalmente, após o salto qualitativo que se deu no enfrentamento à corrupção, tenho certeza de que não há espaço para retrocessos, mas a sociedade precisa continuar alerta e vigilante.

Acredita que o projeto “10 medidas contra a corrupção”, iniciativa de seus pares, vai passar no Congresso?

A primeira vez que tive contato com esse pacote de medidas contra a corrupção, há pouco mais de 2 anos, sinceramente, pareceu-me um sonho distante, um ideal a ser perseguido, mas que talvez não se concretizasse ainda para a minha geração. De lá para cá, vi esse ideal crescer, ganhar corpo, fortalecer-se e encontrar uma extraordinária ressonância social. Assim que lançamos a campanha ostensivamente no início do ano de 2015, os apoios começaram a chegar quase que por uma força gravitacional irresistível. Segmentos dos mais diversos: igrejas, movimentos sociais, escolas, empresas, artistas, jornalistas abraçaram a causa e, desde então, trabalham incessantemente na divulgação do Projeto das 10 medidas. Estou confiante de que o Congresso Nacional será sensível à demanda da sociedade por um tratamento legislativo mais rigoroso contra a corrupção e pelo fim da impunidade.

Tem percepção de que muitos políticos não gostam do sr?

Desde o início do meu mandato como Procurador-Geral da República procurei manter diálogo aberto, republicano e institucional com todos os atores do cenário político e jurídico. Contudo, sempre acreditei que a tentativa de agradar a todos é uma fórmula infalível para o fracasso. Faço o meu trabalho, como aliás sempre o fiz, de forma técnica e impessoal, procurando respeitar a todos: réus, investigados, colegas e juízes. Mantenho-me sempre vigilante para não permitir que os problemas do cargo afetem minha vida pessoal e também para que as questões de ordem subjetiva não atrapalhem minha capacidade de discernir o melhor caminho a seguir na busca do interesse público.

Advogados, entre eles juristas prestigiados, protestam contra a Lava Jato, apontam excessos na investigação. Qual a sua avaliação?

Essas afirmações não resistem ao mais frágil teste de lógica. Em primeiro lugar, vivemos em um Estado de Direito no qual as instituições funcionam bem e estão fortalecidas como nunca. A democracia é hoje um consenso social e um valor inegociável. Em segundo lugar, as investigações da Lava Jato são escrutinadas pela opinião pública, realizadas à luz do dia, sob o pálio da publicidade e do respeito às garantias individuais, e não a sorrelfa em processos inquisitórios. Em terceiro lugar, aceitar que o Ministério Público Federal e a Polícia cometem excessos nessas investigações seria aceitar também que as quatro instâncias do Poder Judiciário – o juiz de primeiro grau, o TRF da 4ª Região, o STJ e o STF – seriam todas coniventes com a violação dos direitos dos réus e investigados, o que, convenhamos, ou é um delírio persecutório ou retórica vazia de quem não aceita a mudança de paradigma na evolução do direito. Por fim, é importante lembrar que as defesas já manejaram mais de 300 Habeas Corpus contra a Lava Jato, nas mais diversas instâncias da Justiça, e ainda assim as investigações continuam firmes e hígidas, fato que, por si só, joga por terra essa tese de abuso ou de excessos que alguns tentam lançar contra o Ministério Público.

Como agilizar as demandas que envolvem detentores de foro privilegiado?

Vai se formando no país um consenso de que, do jeito que atualmente é concebido, o foro por prerrogativa de função é inviável e leva à impunidade. Estima-se que existam no Brasil algo em torno de 22 mil pessoas com prerrogativa de foro. Isso parece claramente um exagero antirrepublicano. E o problema não é que os tribunais sejam lenientes com os criminosos, mas que eles não foram concebidos para instruir um processo desde o seu início. Sua estrutura foi pensada para julgar recursos de processos que já chegam devidamente instruídos. O importante é que essa questão entrou na agenda da sociedade e já se começa a discutir, senão o fim completo desse privilégio, ao menos a sua severa restrição para alguns poucos casos.

A Lava Jato vai mudar o País?

Sinto que o país passa por um processo de amplas transformações históricas. A Lava Jato cumpre um relevante papel nesse processo, mas, por si só, não promoverá as mudanças estruturais que o país requer para seguir em frente. Precisamos de sabedoria para não perdermos essa oportunidade ímpar de mudar as coisas e elevar o patamar ético da política desenvolvida em nosso país. Essa empreitada só terá sucesso se contar com um verdadeiro envolvimento da cidadania ativa: o poder é do povo, para o povo e pelo povo. Precisamos, assim, assumir o comando dos nossos destinos e promovermos os ajustes de rota indispensáveis para deixarmos a impunidade no esquecimento do passado e alcançarmos a vitória possível contra a terrível chaga da corrupção que ainda macula a honra do nosso país.


08 de agosto de 2016
Ricardo Brandt, Julia Affonso e Fausto Macedo
Estadão

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