"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 15 de março de 2016

ENTENDA QUEM REALMENTE ESTÁ COMBATENDO O ESTADO ISLÂMICO



A barbárie do Estado islâmico só será derrotada pela força



















O website do Aiatolá Khamenei, no Irã, entrevistou-me sobre a Síria e outros assuntos. Que imensa honra para mim. Sensacional poder falar a tanta gente no Irã, Iraque, Síria e Líbano. Eu disse que a verdadeira coalizão que luta contra o Estado Islâmico é a coalizão “4+1”: Rússia, Síria, Irã, Iraque, plus Hezbollah. Os avanços dela em campo e à vista de todos falam por si, enquanto a coalizão que os EUA ‘lideram pela retaguarda’ tem serventia de espetáculo, só show. Vejam os principais trechos da entrevista:
Quando os palestinos se autodefendem com pedradas, são chamados terroristas. Israel ameaça os palestinos sem parar, dia e noite, com jatos de combate, e é considerada livre de culpa. Políticos norte-americanos já disseram incontáveis vezes que Israel teria direito de se defender. O senhor acha que os palestinos não teriam também direito de se autodefender?
Pepe Escobar – Toda a narrativa, em todo o ocidente, é modelada pelas múltiplas ramificações do lobby israelense – incansavelmente inflado pelos sionistas e por sio-neoconservadores norte-americanos, franceses e britânicos. Esses controlam os grandes veículos da mídia-empresa e sempre se servem das mesmas táticas selvagens para desacreditar quem os critique. Qualquer crítica contra Israel – que praticamente sempre toma por alvo os traços de estado de apartheid – e a política interna e exterior de Israel é imediatamente tachada de “antissemita”. A crítica contra o sionismo jamais teve ou terá qualquer coisa a ver com antissemitismo. Acho que a mais completa desconstrução desse mito se encontra no livro que leva o muito adequado título de “Deconstructing Zionism”, Gianni Vattimo & Michael Marder (Bloomsbury, 2014) (sem tradução ao português [NTs]). Subtrama do mesmo mito é o meme “Israel tem o direito de se autodefender” – que vira a realidade de pés para cima, para tentar justificar qualquer ataque repressivo ou francamente fascista dos israelenses. Para completar, os israelenses não consideram os palestinos como cidadãos iguais a eles (a ‘lição’ máxima nesse sentido, impossível de esquecer, foi de Golda Meir: “Não há palestinos”), e a elite israelense em vasta maioria vê os árabes como se fossem seres inferiores.
Muitos dizem que o regime sionista foi plantado na região para semear discórdia e manter os países regionais atormentados em conflitos internos. O que o senhor pensa disso? Como o senhor interpreta o estabelecimento do regime sionista?
Israel é essencialmente uma Força Aérea europeia – depois, norte-americana – estacionada na área mais sensível do Sudoeste Asiático, que o ocidente chama de “Oriente Médio” – para “dividir para governar” os árabes, semear caos perpétuo e expandir fronteiras jamais definidas de modo a beneficiar uma propagandeada “Grande Israel”, Eretz Israel (“Greater Israel”). Essa entidade, é claro, só sobrevive se houver ‘ameaças’ das quais seja ‘obrigada’ a defender-se e esteja perpetuamente cercada por ‘inimigos (é a narrativa de uma “pequena e indefesa” Israel cercada por selvagens). As ‘ameaças’ e os ‘inimigos’ são hoje, essencialmente, os palestinos; de início eram todos os árabes em geral; depois, só os iraquianos (cujo país já foi destruído na invasão/ocupação por forças dos EUA) e os sírios (cujo país está hoje sendo destruído, nesse momento em que conversamos, por uma aliança CCG/OTAN [Conselho de Cooperação do Golfo/Organização do Tratado do Atlântico Norte]; e, finalmente, também o Irã, por causa da Revolução Islâmica, porque o Irã tem política externa independente e, também, porque o Irã é a real grande potência na região. O fato de que Israel e os wahhabistas da Arábia Saudita já estejam ligados numa aliança sinistra, com convergência total de interesses de política externa, fala por si, sobre o jogo de poder de Israel naquela região.
Quem, em sua opinião, mais se beneficia com o crescente caos na região e os crimes cometidos pelo Estado Islâmico e pela al-Qaeda?
Até aqui, quem mais se beneficia são o governo dos EUA e o Estado de Israel; os salafistas a espalharem o caos é perfeita ferramenta de Dividir para Governar. Os sio-conservadores de todas as griffes andam, já há anos, muito ocupados espalhando a conversa de que haveria alguma guerra dentro do Islã, com sunitas em guerra contra xiitas. Nada disso. A guerra em curso nada tem a ver com religião. É guerra de disputa do poder regional. Uma Casa de Saud paranoica, assustadíssima – e aliada de Israel – teme doentiamente a ascensão do Irã e a normalização das relações do país, com o ocidente.
O senhor acredita que há alguma real coalizão em luta contra o Estado Islâmico, que seria o único grupo terrorista? Como o senhor avalia as decisões de Irã, Rússia e China, de lutarem contra o terrorismo?
A verdadeira coalizão que luta contra o Estado Islâmico é a coalizão “4+1”: Rússia, Síria, Irã, Iraque plus Hezbollah. Os avanços dela em campo e à vista de todos falam por eles. A coalizão que os EUA ‘lideram pela retaguarda’ tem serventia de espetáculo, só show. Turquia e os países reunidos no CCG não têm real interesse em combater contra o Estado Islâmico. O discurso deles – que nada tem a ver com fatos em campo – insiste que o Estado Islâmico estaria composto com o governo Assad. A Rússia – e em seguida a China – e o Irã têm claros motivos para combater contra o terror salafista-jihadista derivado da matriz wahhabista. Afinal, essas três grandes potências eurasianas estão sendo alvo dos salafistas-jihadistas, de Xinjiang ao Cáucaso e ao sudeste do Irã.
O governo sírio é conhecido pela resistência contra o sionismo. O senhor acha que essa seria a principal razão pela qual governos ocidentais querem derrubar o presidente Assad?
Há muitas razões para a demonização do governo sírio. A oposição ao sionismo é uma delas, e não há dúvidas de que uma Síria enfraquecida combina melhor com as políticas israelenses de “dividir para governar”. Israel quer tomar as Colinas do Golan. Qatar e Turquia querem construir um gasoduto que atravessaria a Síria para vender gás à Europa – em concorrência direta contra o gasoduto já proposto, de US$ 10 bilhões, Irã-Iraque-Síria. E, do ponto de vista de Washington, uma Síria governada por políticos servis, como mais um estado-cliente, enfraqueceria o Irã, dentro do mundo árabe. O que se vê aí é a mais feroz disputa pelo poder.
Já há vários meses o povo do Iêmen sofre a destruição de hospitais, moradias e da infraestrutura, por ação de bombardeios sauditas contra o país. O governo dos EUA, contudo, tem-se mantido em silêncio ou manifesta apoio aos sauditas. Como, na sua avaliação, os EUA beneficiam-se com a destruição do Iêmen, uma vez que o governo saudita bombardeia sunitas e xiitas no Iêmen – o que já gerou interpretações de que não se trata de guerra sectária, mas de evidente guerra política? O que o senhor pensa disso?
A guerra fracassada que os sauditas tentam contra o Iêmen é política, da mais violenta política. É a dita grande potência financeira do mundo árabe, a bombardear o mais pobre de todos os países árabes. Nada disso tem a ver com religião. Culpar o Irã só enganará os mal informados. A Casa de Saud teme desesperadamente um Iêmen que não atue como satrapia servil. Por causa do pacto – complexo e irracional – que une EUA e sauditas, Washington não pode se opor abertamente a Riad; e círculos influentes em Washington compraram como fato o mito de que os sauditas estariam combatendo contra “a agressão iraniana”. Para quase todos esses círculos, a prioridade sempre é demonizar o Irã – e nenhum fato abala essa decisão.
Há algum tempo, o presidente Obama dos EUA admitiu erros de governos norte-americanos nas relações com o Irã ao longo das últimas décadas, a saber, no golpe de 1953 e quando apoiaram Saddam na guerra contra o Irã. Na sua opinião, qual o crime mais odioso que os EUA cometeram contra o Irã?
Pode-se dizer que o crime mais odioso que Washington cometeu contra o Irã foi o golpe construído pela CIA para derrubar Mossadegh, que levou a dar posse ao Xá como “guardião do Golfo Persa”. Não só a CIA, mas todo o aparelho de segurança nacional dos EUA teria adorado que aquele estado de coisas durasse para sempre. E isso explica por que jamais se recuperaram do baque que foi, para eles, a vitória da Revolução Islâmica.
Funcionários do governo dos EUA dizem que preveniram o Irã, para que não construam bombas atômicas, ao assinarem o tratado nuclear com o Irã. O senhor acha que os governos dos EUA dizem a verdade ao povo norte-americano sobre o chamado ‘acordo nuclear’ com o Irã? Por que, na sua opinião, eles nunca citam a Fatwa (veredicto religioso, palavra final de autoridade religiosa, que não pode ser desobedecida) enunciada pelo Aiatolá Khamenei, que proíbe completamente que o país produza ou armazene armas nucleares?
Qualquer pessoa que conheça bem os eventos das últimas duas décadas sabe que o ‘dossiê nuclear’ sobre o Irã foi crise inventada, como o livro de Gareth Porter demonstra amplamente. As versões de ‘especialistas’, vendidas dentro dos EUA e em todo o ocidente pela equipe de governo de Obama, diziam que a diplomacia dos EUA teria impedido que surgisse um Irã nuclear. Bobagens. Nenhuma das muitas facções que operam em Washington jamais reconheceu a Fatwa do Supremo Líder contra armas atômicas. Afinal, até a equipe de Obama teve de render-se à evidência, e admitiram que as sanções e a perene demonização do Irã estava levando a coisa alguma – e eram péssimas para os negócios. Quanto a Obama, especialmente, o acordo nuclear é hoje sua única realização bem-sucedida de política externa. Há também a ideia – aí, à vista de todos – de que o Irã pode voltar na posição de parceiro para estabilizar o Oriente Médio, com Washington já investindo no tal “pivô para a Ásia”. Nenhuma dessas análises leva em conta que a “normalização” levará o Irã, isso sim, na direção de mais profunda integração na Eurásia – especialmente com China e Rússia – e de mais acordos comerciais com a Europa, mas não, necessariamente, rumo a alguma melhoria nas relações EUA-Irã.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Desculpem a dimensão da entrevista, mas o brasileiro Pepe Escobar é considerado o maior especialista mundial na política do Oriente Médio, que ele domina por completo, a ponto de ser entrevistado pelo site do Aiatolá Khamenei. A importante matéria foi enviada pelo comentarista Sérgio Caldieri. (C.N.)

15 de março de 2016
Pepe Escobar
Site do Aiatolá Khamenei

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