A entrega da pasta da Justiça ao vice-procurador-geral eleitoral, doutor Eugênio Aragão, merece censura. Franca e contundente. Acima da legislação que trata desta escolha, aceitação e nomeação, está a moralidade pública que não as permite e veda. Governo, partido e parlamentares governistas (ou não) que estão sendo investigados, denunciados e condenados por iniciativa do Ministério Público Federal por crimes de lesa-pátria, não poderiam e não poderão, jamais, ter como ministro um membro deste próprio Ministério Público Federal, do seu mais alto escalão, aliás. Anda mais ministro da Justiça. Que barbaridade!
É uma acumulação imoralíssima. Seria o mesmo que convocar um juiz ou desembargador federal (do Paraná, de preferência), ou convidar ministro do Supremo ou do Superior Tribunal de Justiça, para ser, também, ministro de Estado. O impedimento que recai sobre o doutor Eugênio é impedimento natural. É supralegal. Nem precisa constar da legislação. É questão de pudor, de sensatez, de brio, de honorabilidade… Quem integra instituição a cujos membros competem investigar, denunciar e julgar os integrantes dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário não pode exercer outra função pública em qualquer um desses três poderes da República.
O doutor Eugênio Aragão integra o Ministério Público Federal. É ele um dos 73 subprocuradores-gerais da República. Desde que assumiu a promotoria pública e após dois anos de exercício, o doutor Eugênio nunca mais deixará de ser promotor (procurador) público federal. Seu cargo é vitalício. Com que autonomia, com que liberdade, independência e sem subordinação a um governo que seus próprios pares investigam e denunciam por práticas criminosas, o doutor Eugênio Aragão vai desempenhar a função de ministro da Justiça? Será que ele próprio se sentirá à vontade e fará uma gestão apolítica, imparcial e isenta?
Quero ver o dia em que Dilma escalar o ministro da Justiça Eugênio Aragão para reprovar um gesto, uma ação ou atitude que a promotoria pública federal tenha tomado contra este(s) ou aquele(s) membro(s) integrante(s) do seu governo.
QUESTÃO LEGAL
A Constituição Federal proíbe que membros do Ministério Público exerçam, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério (CF, artigo 128, II, letra “d”). No mesmo sentido dispõe a Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar nº 75 de 1993): “É vedado aos membro do Ministério Público da União…IV – exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério” (artigo 237, nº IV). A justificativa legal para que o doutor Eugênio Aragão, sem deixar a carreira no MPF, assuma o ministério da Justiça, estaria no artigo 29, § 3º dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que é um anexo integrante da Constituição Federal de 5 de Outubro de 1988. Lá diz que o membro do Ministério Público, que já integrava a instituição antes da promulgação da Carta da República, poderá optar pelo regime anterior à Constituição, no que diz respeito às garantias e vantagens. E quanto às vedações, ficam referidos integrantes sujeitos à situação jurídica anterior, não se sujeitando, portanto, às proibições introduzidas com a nova Carta de 5 de Outubro de 1988. É verdade.
Antes da promulgação da CF/88, as Constituições de 1946 e 1969 não previam tal vedação. Daí porque o doutor Eugênio Aragão, que ingressou no MPF em 1987, não estaria apanhado pela proibição do artigo 128, II, “d” da Constituição de 88, ao contrário de seu colega, doutor Wellington César, que ingressou no MPF após 1988, chegou a ser empossado ministro da Justiça, mas teve que deixar a pasta por ordem do STF.
QUESTÃO MORAL
Tá bem. O fato do doutor Eugênio Aragão ter ingressado no Ministério Público em 1987, antes, portanto, da Constituição de 1988, não o impede de, mesmo sem deixar a carreira na promotoria pública federal, assumir, também, o cargo de ministro da Justiça. Há embasamento legal, muito embora discutível, uma vez que frente à Constituição não existe Direito Adquirido, e isto se aprende nos bancos das faculdades de Direito quando se começa a estudar Direito Constitucional. O que a nova ordem constitucional impõe derroga e faz desaparecer do mundo jurídico todos os anteriores preceitos que com ela não se conformam. Ou que com a nova ordem seja(m) colidente(s) e incompatível(veis), ainda que contida na mesma Carta, daí advindo a chamada Inconstitucionalidade à (própria) Constituição.
ESTÁGIO PROBATÓRIO
Além disso, a vitaliciedade o doutor Eugênio Aragão só veio adquirir em 1989, após cumprir dois anos seguidos no exercício da promotoria pública. É assim para promotores e para juízes. É o chamado “estágio probatório”. Ocorre que nem tudo que é legal é moral. Um exemplo: legalmente, credor de uma dívida prescrita não pode mais cobrá-la, nem o devedor tem o dever de pagá-la. E moralmente?
Outro exemplo: aos membros do Ministério Público Federal compete, dentre outras funções institucionais, exclusiva e privativamente, investigar e promover a ação penal pública contra agentes públicos federais, do mais simplório até o presidente da República, e que tenha(m) cometido crime(s) contra os bens materiais e imaterias na Nação. Isso é rigorosamente legal. Mas, sem deixar o MPF,esses mesmos membros podem ir também integrar o Executivo, que é um dos três poderes sobre os quais o Ministério Público Federal tem sob os seus olhos de fiscalização e poder de atuação repressiva? Isso é moralmente aceito? É decente?
Vamos aguardar para ver se algum partido político dê entrada no STF com outra ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, para barrar essa outra indicação de Dilma, como ocorreu com o anteriormente indicado, o doutor Wellington César.
QUESTÃO DE MORALIDADE
Não é o tempo, nem uma determinada data que torna indecente e moralmente recusado o que antes era tolerado como decente a aceito moralmente. Antes ou depois da Constituição Federal de 1988, a moralidade administrativa jamais aceitou ou aceita que um Procurador da República, um Promotor Público Federal, sem deixar a instituição à qual pertence, vá ser ministro da Justiça de um governo e partido que a própria Procuradoria da República fez sentarem-se no banco dos réus e serem condenados. A incompatibilidade é total. São opostos que não se atraem.
15 de março de 2015
Jorge Béja
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