No sistema parlamentarista, o governo cai quando perde o apoio da maior parte do Legislativo. Quando acaba a confiança em suas ações, encerra-se de imediato a questão. Não precisa criminalizar ninguém ou encontrar mazelas do mandatário. Novas eleições ou novo pacto substituem o que se esvaziou.
O chefe de governo, cessando a confiança da maioria, apenas renuncia automaticamente. Limpa suas gavetas e volta pra casa sem apelação. Pode polemizar e dizer o que quiser, concorrer a novo mandato ou se retirar da vida pública. Não precisa provar delitos ou crimes; a falta de confiança, manifestada por maioria ou apenas por derrota de suas propostas legislativas, encerra sua autoridade. O mandato apenas se esvazia, seca, até cair no vazio.
Já na antiga Roma, a perda de confiança do imperador, quando anunciada por um emissário credenciado, permitia ao destituído um curto momento para cortar as veias numa banheira de água quente, antes que a execução se consumasse por um carrasco qualquer em praça pública. Nero “destituiu” dessa forma Sêneca, seu “primeiro-ministro”.
ENQUANTO ISSO, NO BRASIL…
A destituição do cargo de chefe do Executivo no Brasil não tem uma liturgia definida. Rito confuso e demorado. Ocorre por vias necessariamente traumáticas e depois de longas batalhas jurídicas.
O presidencialismo tupiniquim, embora existam bons presidencialismos no planeta, é papal, messiânico, concede tudo e não cobra nada. A ausência de uma fórmula de revogação automática, que se daria pela falta de confiança, impõe o rito primitivo por imputação de crime, por falta de decoro, desconsiderando pecados de má administração.
O fracasso, o aniquilamento da economia e da república não entram na lista das razões que levam à perda do cargo conquistado nas urnas. As urnas concedem ao investido a presunção da infalibilidade, da inviolabilidade, concedem-lhe qualquer poder e poucas responsabilidades. No limite do absurdo, ninguém veta ao eleito trancar-se dentro de um palácio e se deleitar no jardim com éguas e cavalos até expirar seu mandato.
ELEITOR TORNA-SE REFÉM
O eleitor passa a ser refém de seu voto por anos desesperadores. É necessário mover montanhas para caçar um prefeito, governador ou presidente. E, pior, a decisão depende de parlamentares muitas vezes maculados pelos mesmos pecados.
Um presidente que tome dezenas de decisões catastróficas, cercado de incompetentes e de uma montanha de apaniguados inúteis, de corruptos, ainda que venha a destruir a economia nacional, produzir milhões de desempregados, não poderá ser afastado de suas funções.
Collor, com a inflação em 80% ao mês, o Brasil mergulhado na catástrofe, na corrupção, perdeu o cargo quando apareceu um carro popular pago com um cheque do tesoureiro de campanha. Ter arrebentado o país não foi o motivo. Sem esse cheque, continuaria no Planalto, Itamar não assumiria, e o Plano Real não salvaria o Brasil.
CONFIANDO NA SORTE…
O sistema brasileiro confia na sorte. Protege a incompetência e a irracionalidade. A importância de um programa de governo é nula, no sistema vale mais um João Santana do que um Winston Churchill.
A falsidade ideológica em campanha é perdoada. Valoriza-se mais o rótulo, o jingle, do que o conteúdo do candidato. Na hora de tragar o que estava atrás do rótulo vêm a surpresa e a impossibilidade de se esquivar.
O sistema presidencialista no Brasil faliu. Mostra limites estreitos, não dá à nação a possibilidade de revogar os mandatos, de interrompê-los por justa causa, por falhas no alcance das metas ou pelos resultados insuficientes.
Como a Lei de Responsabilidade Fiscal, tão contestada no momento da sua aprovação, se transformou num importante instrumento de defesa do erário, precisa-se vincular o eleito ao cumprimento de metas. O mandato não pode ser incondicionado, representar um cheque em branco que se presta a qualquer estelionato.
CUSTO SOCIAL ELEVADO
No Brasil, as formas para interromper um mandato que fracassa são improváveis e de custo social muito elevado. Nos últimos 70 anos, tivemos interrupções por golpe, suicídio, renúncia, impeachment. Podemos e devemos ter, no Brasil, outras vias mais práticas e democráticas.
Como a folha que cai e abandona a árvore que a gerou, assim o chefe de um Executivo não precisa ser arrancado. Sua incompetência, seu descompromisso, seus estragos são motivos para tirá-lo sem tumulto, para retirá-lo do cargo a qualquer momento.
Cessariam a arrogância e o distanciamento do cínico poder a que assistimos.
As atenções, mais que aos partidos e aos parlamentares, ou à discussão de privilégios e negociatas, se voltariam para quem paga a conta, a população. Essa falha já custou caro demais ao Brasil.
15 de março de 2016
Vittorio Medioli
O Tempo
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