Com 67 pessoas já condenadas a penas que, somadas, se aproximam da marca de mil anos de prisão, a operação Lava Jato completa dois anos na próxima quinta-feira com indicativos fortes de que muita sujeira ainda será tirada de debaixo do tapete. Para além dos números que impressionam – são R$ 6,4 bilhões distribuídos em propinas –, analistas ressaltam que, mesmo longe do fim, a maior operação de combate à corrupção que o mundo já viu vai deixar entre seus legados uma mudança importante na forma como o povo brasileiro se relaciona com a política.
Essa é a primeira vez na história da recente democracia brasileira que figuras até então “inatingíveis” – leia-se: políticos e grandes empresários – estão sendo, de fato, punidas com prisões e condenações na Justiça. Réus que, pelas contas do Ministério Público Federal (MPF), terão que ressarcir os cofres públicos em R$ 14,5 bilhões.
Ao longo desses 24 meses, foram 133 mandados de prisão. Dentre os já condenados, 16 estão atrás das grades. “A Lava Jato já mudou a maneira como os brasileiros veem a corrupção, e isso fica muito claro quando, em pesquisa recente, a corrupção foi considerada a principal preocupação dos brasileiros”, ressalta Gil Castello Branco, fundador e secretário geral da entidade Contas Abertas.
Para Castello Branco, a operação possibilitou um aumento da consciência popular sobre a importância do acompanhamento e da fiscalização do destino dos recursos públicos. “A sociedade está mais atenta. Isso vai nos levar a mudanças que talvez não tenham a agilidade que desejamos, mas que são incontestáveis”, assinala.
Entre os resultados já alcançados está a recuperação de R$ 2,9 bilhões por meio de tratados internacionais de colaboração e fruto como dos acordos de delação premiada.
CONDUÇÃO COERCITIVA
Apesar dos bons resultados, a Lava Jato não é alvo apenas de elogios. Há especialistas que classificam que a condução da investigação ocorre de forma arbitrária e autoritária. “Tem o viés positivo de que pessoas poderosas econômica, social e politicamente estão sendo investigadas, mas tem uma série de práticas autoritárias que estão sendo exibidas como a única solução para o combate à corrupção, o que é extremamente perigoso”, avalia Thiago Bottino, professor de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), no Rio, e estudioso da corrupção no Brasil.
“Existe uma clientela tradicional do sistema penal, que são os pobres, os negros e as pessoas de baixa escolaridade. O Brasil é o terceiro país que mais prende no mundo, mas prende determinada parcela da sociedade. O que a Lava Jato tem como vantagem é dar foco a determinado tipo de crime que, tradicionalmente, não se investiga e não se pune no país”, acentuna Bottino.
Para o especialista, porém, a forma como os acordos são firmados, com suspeitos presos, não é a ideal. Bottino acredita que a colaboração premiada deveria ser permitida para quem estivesse em liberdade. “Não tenho a menor dúvida de que hoje a prisão é um fator que determina em grande parte se a pessoa vai colaborar ou não. É um incentivo perigoso, porque a colaboração está sendo obtida de maneira violenta. Imagina se o Estado puder prender para estimular a colaboração?”, questiona.
NOVA POLÍTICA
O cientista político Cláudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, também defende que, se bem utilizada, a delação é legítima. “O que não se pode é obter a delação por meio de uma prisão que não se justifica”. Outra ressalva é em relação às 117 conduções coercitivas da Operação Lava Jato, que, em sua avaliação, foram utilizadas de forma excessiva, “para promover o espetáculo”. “A condução do Lula, por exemplo, teve a intenção de pegar apoio na opinião pública e mobilizar a sociedade. Isso não é razoável”.
Como se sabe, o nome Lava Jato remete ao início da investigação, quando uma rede de postos de gasolina era usada para movimentar dinheiro sujo. Mesmo com o avanço da apuração, o nome se manteve.
DOIS ANOS DE INVESTIGAÇÕES
A operação Lava Jato completa dois anos com o diferencial de ter firmado 49 acordos de colaboração premiada com investigados. Polêmica, a medida foi responsável pela ampliação das investigações, à medida que os indiciados forneceram novos dados ao Ministério Público Federal em troca de reduções significativas em suas penas.
“Os brasileiros desconheciam essa possibilidade de estar entranhada no Estado uma corrupção que é sistêmica e institucionalizada, envolvendo as maiores empresas e partidos políticos do país. Até há pouco tempo, era impensável políticos e empresários sendo indiciados. Isso vai se refletir nas eleições. A insatisfação da sociedade é monstruosa, e deverá obrigar que os políticos pensem nova forma de fazer política, sem toda essa promiscuidade”, afirma Gil Castello Branco, da ONG Contas abertas.
14 de março de 2016
Luiza Muzzi
O Tempo
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