O julgamento pelo Supremo que estabeleceu o rito do processo de impeachment de Dilma Rousseff não sai do noticiário, com opiniões favoráveis e contrárias. Até leitores se manifestam por cartas. Mas tudo está só no começo. A ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que o PCdoB propôs ainda está em tramitação. Quando o recesso do Judiciário terminar e o Acórdão (íntegra da decisão dos 11 ministros) for publicado, é certo que a decisão da Corte será bombardeada com recurso de Embargos de Declaração e mesmo Mandado de Segurança. Eduardo Cunha, em nome da Câmara dos Deputados, antecipou que já vai protocolar Embargos de Declaração, antes mesmo da publicação do Acórdão. Isso é tolice. Se embargar antes, não poderá embargar depois, em razão do “princípio consumativo dos recursos”.
Um recurso, uma vez impetrado, consome o prazo para a sua interposição depois e gera preclusão consumativa, com a impossibilidade de posterior acréscimo ou alteração do recurso apresentado. Nem mesmo admite oposição de novo recurso contra a mesma decisão. Cuidado, Cunha. Trate disso com a assessoria jurídica da Câmara, formada de doutores em Direito todos concursados e talentosos.
UMA AUTÓPSIA LEGAL
Mas a finalidade deste modesto artigo é a dissecação e o cotejo da Lei nº 9882/99, que dispõe sobre o processo e julgamento de uma ADPF, com as etapas e os desdobramentos que o STF imprimiu ao curso da ação do PCdoB naquela Corte e que visou “filtrar” a Lei do Impeachment (nº 1079/50) e adaptá-la à Constituição Federal de 1988. Vamos usar o método de perguntas e respostas (heurística) para facilitar o entendimento. E vamos ter em mente que assim como no trânsito de pessoas e veículos não há sinal sem utilidade, também na lei não há palavra inútil, nem tempo verbal inadequado.
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10 PERGUNTAS, 10 RESPOSTAS
10 PERGUNTAS, 10 RESPOSTAS
1) Na ADPF do PCdoB houve pedido incidental de Medida Cautelar visando obter liminares até que o processo recebesse julgamento final?
R – Sim. O PCdoB pediu, na ação, através de Medida Cautelar incidental, que fossem concedidas liminares, isto é, a antecipação da tutela, a perdurar até que o processo fosse definitivamente julgado. O pedido foi feito logo nas primeiras das 74 páginas que formaram a chamada Petição Inicial.
2) A ADPF comporta Medida Cautelar com pedido liminar para a antecipação da tutela? Caso positivo, como deve proceder o ministro relator?
R – Sim, comporta. Nesse caso, reza o § 2º do artigo 5º da mencionada lei que “o relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da República, no prazo de 5 (cinco) dias”.
3) Considerando que aquele “poderá” significa mera faculdade que não precisa ser observada, o relator ministro Fachin optou por observá-la?
R – Sim, o ministro Fachin suspendeu, por 6 ou 7 dias, o resultado da votação secreta da Câmara que elegeu a chapa avulsa e mandou ouvir, em 5 dias, todas as partes envolvidas e contra as quais o PCdoB direcionou a ação. E as partes atenderam ao chamado e apresentaram seus arrazoados, feitos às pressas, é claro, porque 5 dias para rebater uma ação de 74 páginas é prazo exíguo.
4) Ultrapassada esta fase, o que diz a lei?
R – O ministro relator imediatamente submete (como de fato submeteu) ao plenário do STF aqueles pedidos de liminares postos na Medida Cautelar, para que os 11 ministros apreciassem e decidissem a respeito dos requerimentos. Cumpriu-se, portanto, o artigo 5º da lei da ADPF: “O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na arguição de descumprimento de preceito fundamental“.
5) Com esse julgamento pelo plenário a ação do PCdoB estava definitivamente decidida, sem necessidade do seu prosseguimento e o processo terminou aí?
R – Não, não estava definitivamente resolvida. O que foi debatido e julgado restringiu-se apenas às liminares solicitadas na Medida Cautelar Incidental. O curso do processo era para ter prosseguimento.
6) Em que parte a Lei nº 9882/99 determina o prosseguimento do processo após a apreciação e julgamento dos pedidos de liminares na Medida Cautelar?
R – Esta parte está clara no artigo 6º que diz: “Apreciado o pedido de liminar, o relator solicitará as informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado, no prazo de 10 (dez) dias“. Observe-se aqui que o verbo solicitar é imperativo: “solicitará”. E não, “poderá solicitar”. Neste ponto, a lei retira do relator o poder discricionário, o poder de mera faculdade, de mera conveniência, para lhe impor o dever, a obrigatoriedade de, novamente, pedir mais informações, desta vez em 10 dias, o dobro do prazo que a lei estipula para a apresentação das primeiras informações no âmbito da Medida Cautelar. Isto porque, daí para frente, vai-se debater, analisar e julgar a questão de mérito.
7) E o que acontece após o prazo de 10 dias para a entrega das informações que integram esta segunda etapa do processo?
R – A resposta está no artigo 7º da lei: “Decorrido o prazo das informações, o relator lançará o relatório, com cópia a todos os ministros, e pedirá dia para julgamento“. Observe-se que em nenhum outro artigo da lei a palavra “julgamento” aparece escrita. Julgamento mesmo somente ocorre nesta segunda etapa, após o plenário ter apreciado e decidido a respeito das liminares que sempre são decididas à luz de dois princípios: “periculum in mora” (perigo da demora do provimento final, eis que com o passar do tempo o dano pode ocorrer e ser irreversível) e “fummus boni iuris” ( basta a fumaça do bom direito, sem necessidade da constatação de um direito concreto, líquido e certo, como se costuma dizer).
8) Então, o que de errado ocorreu na sessão do STF dos dias 16/17 deste dezembro em curso?
R – O erro foi a convolação de uma decisão da Corte, restritiva às liminares, em decisão de mérito, definitiva e final. Erradíssimo, porque a lei 9882/99 foi mutilada. Desprezaram-se os artigos 6º e 7º que estabelecem o prosseguimento da tramitação da ADPF após a decisão sobre as liminares. Com isso, houve prejuízo em detrimento de uma adequada e completa prestação jurisdicional e ao devido processo legal. E o processo legal devido exigia que a ação ADPF do PCdoB prosseguisse. Sem poder, sem amparo legal e em afronta à lei e à própria Constituição, o presidente, lá no finalzinho da sessão, numa consulta rápida, sugeriu e o relator aceitou que aquele julgamento em sede de Medida Cautelar fosse convolado em julgamento definitivo, em julgamento de mérito, em julgamento final. Daí ter constado da Ata: “Ao final, o Tribunal, por unanimidade, converteu o julgamento da medida cautelar em julgamento de mérito“. Como isso pode ter acontecido? Permissa vênia, constituiu decisão disparatada, esdrúxula, teratológica e altamente prejudicial à segurança jurídica, ao devido processo legal.
9) Existe jurisprudência dos Tribunais Superiores que não aceitam este procedimento?
R – Sim, existe. Vem do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O relator foi o ministro Teori Zavascki, quanto integrava a Corte antes de ter assento no STF. Confira: “Liminar e sentença são provimentos com natureza, pressupostos e finalidades distintas e com eficácia temporal em momentos diferentes. Por isso mesmo, a decisão que defere ou indefere liminar, mesmo quando proferida por tribunal, não inibe a prolação e nem condiciona o resultado da sentença definitiva…” ( STJ, 1ª Turma, Recurso Especial 667.281, julgado em 16.5.2006). Em outras palavras: juiz e/ou tribunal não ficam adstritos à decisão primeira, que concedeu ou não liminar, nem a ela ficam condicionados, tendo inteira liberdade para decidir ao final do processo, confirmando ou revogando a(s) liminar(es).
10) E agora, cabe recurso contra a decisão do STF a respeito da ADPF do PCdoB?
R- Sim, cabe. Embora a Lei 9882/99 diga que a decisão é irrecorrível, cabem Embargos de Declaração e Mandado de Segurança. Ambos podem ser apresentados concomitantemente, com pedido para que seja anulada a decisão que converteu o julgamento da Medida Cautelar em decisão de mérito da ação principal, que é a ADPF do PCdoB e para que o processo retome o seu curso, observando-se o dispostos nos artigos 6º e 7º da referida lei.
31 de dezembro de 2015
Jorge Béja
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