Em 1922, o filósofo espanhol José Ortega y Gasset publicou "Espanha Invertebrada". Sob este chamativo título, Ortega descrevia uma sequência de movimentos regionais e separatistas que pareciam se espalhar por toda Espanha e que tinham como causa principal a ausência de uma classe dirigente capaz de tomar decisões firmes.
Lembrei desse livro para começar esta breve resenha da situação política nacional. Escrevi outro dia que um ministro do Supremo Tribunal Federal falava em renúncia da presidente da república, do vice e do presidente da Câmara. Citei o discurso recente de um comandante militar que falava em "luta patriótica" e mencionei uma declaração de Dilma dizendo que "não havia corrupção no seu governo".
Quando fiz estes comentários, meu objetivo era dar uma ideia do tamanho da crise que nos atinge e, sem dúvida nenhuma, ironizar aqueles que insistem em falar em "normalidade democrática" e "estabilidade das instituições". Aqui a ideia é outra: é trazer à tona uma sensação de espanto, de perplexidade com esta espécie de sonambulismo, de inercia em que a própria História do país parece "adiada". Num sentido muito real, seria possível, penso eu, criar como fez Ortega uma nova expressão para resumir o que sinto - vou apresentá-la como "Brasil Adiado".
Não é fácil permitir-se o "direito do espanto" com adiamento de decisões num país que sempre se apresentou como sendo "o do futuro". Necessário é que algo de extraordinariamente importante seja postergado ou que uma sequência infinita de pequenas decisões, de infinitas questões da nossa vida pública entrem num processo de paulatina falência...algo semelhante à insuficiência de múltiplos órgãos que tão frequentemente leva à morte os pacientes críticos com infecção generalizada.
Todas as decisões importantes da vida administrativa do país esperam, todos os destinos de verbas, todas as mudanças de cargos, e os investimentos...tudo "paira no ar" perante uma multidão de funcionários de todos os escalões que simplesmente "não sabem o que vai acontecer" e que portanto não podem tomar decisões a longo prazo.
A questão é: quanto tempo pode uma economia sobreviver assim. Não falo mais em cultura nem em vida política porque as considero aspectos mais frágeis das relações dentro de um estado totalitário e que necessariamente precisam perecer antes das bases materiais da sociedade.
Digo que a mera possibilidade da vida política como alternativa à barbárie no Brasil Petista está encerrada e o faço porque tornou-se ela, vida política, o próprio território de bárbaros que tem como objetivo único escapar de uma eventual prisão.
Tal tipo de gente não produz política porque esta precisaria nascer do manejo das diferenças; não das semelhanças. Todas as diferenças que possam existir dentro da classe política brasileira são meros acidentes. A substância, aquilo que a faz "classe política", é hoje a corrupção e digo ser plausível atribuir a essa "morte da política" uma sensação de eterno adiamento, esse sentimento de que algo deve acontecer a qualquer momento mas, ato simultâneo, precisa ser "adiado" e que encontra dentro de uma cultura que faz a apologia do relativismo o seu maior sustentáculo.
Há, de maneira geral, na ideia de "adiar-se alguma coisa" uma pretensa elegância, um inefável aspecto de moderação que pretende ser, em si, a demonstração cabal de que "vivemos em tempos democráticos". Confunde-se, pois, sob aparência de atitude prudente, as verdadeiras intenções e a astúcia dos que estão para ser presos.
Deles o tempo parece ser eterno "aliado", deles é o "eterno devir" onde tudo há de se perder. Vigora a ideia de que aquilo que não pode ser lembrado não aconteceu e a Nação inteira procura por saídas que não atrapalhem o Carnaval e o próximo Campeonato Brasileiro.
Muitas vezes eu encontrei no egoísmo do povo, na indiferença que pode ser sanada pela "confissão aos domingos" ou pelas "campanhas de solidariedade na próxima enchente" a causa para este eterno sonambulismo político, para esta noção muito minha enquanto brasileiro, de que "enquanto não passar fome o povo não acorda". Já não sei mais se acredito em algo assim: me parece simples demais.
Por outro lado, já escrevi que se é verdade que a história não é uma luta de classes, também não é uma fábrica de pizzas cujo dono é do PMDB e que posso imaginar agora gordo, com seus bigodes enormes, sonegando imposto de renda e servindo sobras em algum rodízio de pizzas aqui em Porto Alegre.
Sozinho, ao lado do forno à lenha e depois do expediente, ele ouviria Cazuza cantando baixinho que o "Tempo Não Pára" e pensaria: "é verdade...mas ele pode ser adiado"
Milton Pires é Médico.
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