CUNHA E JAQUES WAGNER NO TEATRO DO ABSURDO
O encontro entre Eduardo Cunha e Jaques Wagner em Brasília, de acordo com a reportagem de Fernanda Krakovics, Simone Iglésias, Júnia Gama e Sérgio Roxo, O Globo, edição de quinta-feira, transformou o presidente da Câmara e o chefe da Casa Civil em atores de uma peça do absurdo, tema preferido do romeno Eugene Ionesco que viveu em Paris até sua morte em 1994. Sim. Pois somente sob o ângulo do absurdo é que se pode interpretar o diálogo travado entre ambos, principalmente de parte do parlamentar do PMDB.
Eduardo Cunha propôs obstruir a aceitação do processo de impeachment de Dilma Rousseff em troca da influência do governo no Conselho de Ética da Câmara, além de, através do Ministério da Justiça, interferir nos rumos da Operação Lava-Jato, que deixou evidente o gigantesco assalto praticado contra a Petrobrás. Para tanto, ele chegou a sugerir a nomeação do vice Michel Temer para a pasta da Justiça no lugar de Eduardo Cardozo. Isso porque Cardozo não tem controle sobre a Polícia Federal.
Esta opinião, aliás, é compartilhada pelo ex-presidente Lula. Para início de conversa, digo eu, primeiro é impossível cercear a ação da Polícia Federal; segundo, a simples tentativa tornar-se-ia um escândalo tão grande, que refletiria tanto nacional quanto internacionalmente. Seria uma explosão no que resta no campo da ética na esfera governamental.
BAIXÍSSIMO NÍVEL
Mas o que chama a atenção e a indignação é a existência de um clima que tornou possível proposta desse nível. A política brasileira, que já desceu demais, transmite a sensação de que permanece em declínio. Parece incrível. Porém está ocorrendo. O vice Michel temer, contudo, apressou-se em afirmar que não aceita ser nomeado ministro da Justiça.
A que ponto chegam as pessoas neste país… E tudo isso, toda essa série vergonhosa de atos, para nada. Sim, para nada. Porque é impossível deter a denúncia formalizada pelo Procurador Geral contra Eduardo Cunha, deslocando o processo de investigação para o STF. Como, diante do comunicado do Ministério Público da Suíça, a Corte Suprema poderá arquivar da noite para o dia, como num passe de mágica, paralisar a evolução natural dos fatos? Absolutamente impossível.
O ex-presidente Lula tem a obrigação de saber traduzir todo o episódio para o contexto da época atual. Tem, na realidade, a obrigação de saber. Afinal de contas é o único político do mundo a ter disputado sete eleições seguidas. Perdeu as três primeiras, venceu as outras quatro. (incluindo as de Dilma)
Experiência não lhe pode faltar para a leitura do termômetro que mede a situação do poder. No momento, frágil, abalada por uma sequência colossal de escândalos. Um atrás do outro. Como, então, explicar a distonia atual? Só pode ser esclarecida a partir do clássico Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro, somada à embriaguez do sucesso.
DONO DO MUNDO
Com as vitórias de 2002 a 2014, Lula passou psicologicamente a se considerar invulnerável, podendo flutuar acima das leis, rompendo limites a que todos os seres humanos estão obrigados a respeitar. Não respeitou. E, como repetiu a atuação sucessivamente, julgou-se um personagem de aço, capaz de poder fazer qualquer coisa. No país e no exterior. Eduardo Cunha também. Chocaram-se com a força da realidade e com o poder insuperável da opinião pública. Ionesco no palco do Planalto.
17 de outubro de 2015
Pedro do Coutto
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