"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

MITOLOGIA REFORÇADA

Em entrevista a canal de televisão do Oriente Médio, Dilma pediu votos e evocou o mito lulista do “nunca antes neste país”

A presidente Dilma Rousseff deu entrevista semana passada à tevê Al Jazeera, do Qatar, na qual pede votos para continuar mais quatro anos no poder. Embora notável em todo o mundo por suas corajosas reportagens, sobretudo a respeito dos conflitos que envolvem o Oriente Médio, a emissora certamente não tem no Brasil nem a audiência, nem o poder de influenciar decisivamente os eleitores. Nem por isso – ou até mesmo por isso – Dilma age de forma prudente ao usar um meio de comunicação para, falando na condição de presidente da República, desfilar supostos sucessos do seu grupo político na administração do país e afirmar que o povo, por gratidão, deve dar-lhe um novo mandato.

O principal feito de Dilma e de seu padrinho-antecessor, o ex-presidente Lula, teria sido o de elevar à classe média milhões de brasileiros que viviam na pobreza extrema. Disse-o com a arrogância com que complementou a explicação pelo sucesso: ela e seu grupo, se souberam bem governar nos últimos 12 anos, poderão repetir o êxito nos próximos anos – ao contrário dos que os antecederam e que, embora pudessem ter feito melhor, não sabiam como fazer. Evidentemente, Dilma se referia aos oito anos de Fernando Henrique Cardoso.

Não se trata, aqui, de fazer uma defesa político-partidária do ex-presidente, mas tão-somente de restabelecer uma verdade histórica – abafada pela mitologia lulista do “nunca antes neste país”, segundo a qual o PT ergueu o Brasil do zero – que mereceu reconhecimento mundial: é de FHC a obra principal que deu sustentação às (sem dúvida elogiáveis) políticas de promoção social empreendidas por seus sucessores imediatos.

Não fosse a derrota que impôs à renitente e galopante inflação que herdou; não fosse a implementação do Plano Real, que estabilizou a moeda e estabeleceu condições para o controle das contas públicas; não fosse a abertura dos mercados e desestatizações que tiraram, em vários setores, o país da era das trevas – não fosse este conjunto de ações, Lula e Dilma não teriam tido as mesmas condições para dar continuidade às políticas sociais também já iniciadas pelo antecessor.

É certo que o país cresceu pouco nos anos FHC, mas, ao assumir seu primeiro mandato, em 2003, Lula já encontrou o país minimamente ajustado e com firmes fundamentos de política econômica, de viés nitidamente liberal e flagrantemente contrária à pregação estatizante e heterodoxa do PT até então. Aliás, para conquistar a vitória em 2002, Lula precisou fazer juras de obediência à cartilha do Plano Real ao assinar a Carta aos brasileiros, instrumento que usou para afastar o medo que evocava na opinião pública.

Por mais que Lula negue, foi por seguir rigorosamente a cartilha que sua gestão pôde assegurar ao país exuberantes taxas de crescimento econômico – um ciclo que foi quebrado já no fim de seu segundo mandato, quando abandonou os fundamentos para aventurar-se na heterodoxia que denominou de anticíclica, uma política que deveria se reduzir à sua eventualidade conjuntural apenas para combater os efeitos de nova crise mundial, a de 2008, mas que erroneamente se perpetua. Foi o que bastou para desarrumação que hoje se reflete na pressão inflacionária, nos falsos números da “contabilidade criativa” e no crescimento pífio da economia brasileira – diferentemente dos Estados Unidos e dos países europeus, muito mais sensíveis à crise, que já voltaram a crescer, enquanto por aqui Dilma segue culpando a crise internacional pelos fracos resultados de sua gestão.

Ao negar o passado e atribuir-se todos os êxitos, faltou a Dilma a aura do verdadeiro estadista, aquele que mais se preocupa com o futuro da nação que com a próxima eleição.

 
18 de julho de 2014
Editorial Gazeta do Povo, PR

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