"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 7 de março de 2014

A CRIMÉIA E UM POUCO DE REALISMO

 

Um parágrafo de um post meu sobre a crise na Ucrânia gerou algumas crispações de quem procurou ler o que não estava escrito, ignorando o que estava, a saber:

“A Crimeia, no entanto, que tem um governo local e goza de relativa autonomia, jamais deixará de ser pró-Rússia porque essa é a vontade da esmagadora maioria do seu povo, que é russa. Talvez seja esse o preço de Putin por uma derrota no resto da Ucrânia, que, a esta altura, parece certa.”
 
O que está escrito aí? O óbvio. Quase 60% dos habitantes da Crimeia são russos étnicos. Os ucranianos não chegam a um quarto da população. Enquanto estavam todos sob a ditadura soviética, os rancores ficavam mitigados. Agora não. A propósito: a Ucrânia é ainda um eco da redefinição de fronteiras na esteira do fim do comunismo. Nem sempre isso se deu da melhor maneira, como sabem as repúblicas que compunham a antiga Iugoslávia.
 
Afirmo ainda o óbvio: Putin já perdeu. Perdeu o quê? O resto da Ucrânia. Era um satélite da Rússia e não será mais. Qualquer que seja o governo eleito, será pró-Ocidente, pró-Europa. O presidente russo está pedindo uma compensação: a Crimeia. Apenas por orgulho ferido? Não! A questão é, antes de mais nada, militar. Pesquisem um pouquinho sobre a chamada “Frota do Mar Negro”, que data do século 18, e tem na cidade de Sebastopol, na Crimeia, a sua maior base.
 
Não estou justificando, obviamente, as ações de Putin. Eu as estou explicando. Em outro texto, escrevi também que tivessem os EUA e a Europa líderes um pouquinho mais sensatos e responsáveis, a crise não teria chegado a esse ponto. É claro que a destituição do presidente Viktor Yanokovich foi um erro. Alguém deveria ter advertido Obama — e, se possível, Angela Merkel: “A Rússia não vai aceitar uma solução hostil por causa da Crimeia”.
 
Cumpre também baixar a bola da retórica. Só uma cretina como Hillary Clinton ousaria, como ousou, comparar a ação de Putin à de Hitler. É de tal sorte estúpido que mal se acha o fio por onde contestar a bobagem. O, por assim dizer, império russo está minguando, não se expandindo; não existe um movimento no país para alargar as suas fronteiras; luta-se ali é para preservar uma presença militar de mais de dois séculos. Política também se faz com os fatos.
 
“Ah, então, agora, é festa. Putin vai invadindo, fazendo referendos e anexando territórios…” É uma simplificação grosseira; todo mundo sabe que não é assim. De resto, insisto, ele já perdeu. O resto da Ucrânia já mudou de lado. Da Crimeia, no entanto, ele não vai abrir mão.
O que significa “não abrir mão”? Vamos ver. Que a Crimeia não será “ucraniana”, ah, isso não será.
 
07 de março de 2014
Reinaldo Azevedo

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