Os franceses obviamente vivem melhor que os brasileiros. Têm mais renda, empregos bem remunerados, boas aposentadorias, saúde e escola públicas de qualidade, transporte público entre os melhores da Europa e, pois, do mundo, belas estradas. Além disso, os franceses inventaram e cultivam com cuidado e inovação algumas das melhores coisas da vida: a velha e a nova cozinha, os vinhos, os queijos, a moda e o estilo das mulheres. Em resumo: civilização, arte, cultura.
Mas em todas as pesquisas sobre felicidade pessoal — o modo como cada um percebe sua vida e seu futuro — o francês aparece no fim da lista. Declara-se infeliz e, não raro, muito infeliz. Já os brasileiros aparecem nas primeiras colocações.
Na ultima edição do Barômetro Global de Otimismo, do Ibope Inteligência em parceria com a Worldwide Independent Network of Market Research (WIN), entre os moradores de 65 países, o brasileiro aparece como o décimo mais feliz. Nada menos que 71% dos brasileiros se declararam satisfeitos com a própria vida.
É verdade que piorou um tanto. Em 2012, 81% se consideravam de bem com a vida. Mas os 71% da ultima pesquisa ainda superam a média mundial.
Aliás, houve aqui um movimento invertido. Se o número de brasileiros felizes caiu no ano passado, no mundo, a porcentagem de felicidade aumentou, de 53% para 60%.
Já na França, apenas 25% dos entrevistados se declararam felizes; 33% consideram-se infelizes; 42% nem uma coisa nem outra, o restante nem respondeu.
Pode-se dizer que a França ainda passa por uma crise longa e dolorosa, com aumento do desemprego. Mas isso ocorreu em praticamente toda a Europa e não cresceu da mesma maneira o número de infelizes.
Na Inglaterra, um país parecido com a França, tirante a comida e os vinhos, 53% se consideram felizes. Na Grécia, onde a crise foi mais devastadora, 30% dos habitantes se consideram felizes, número maior que os infelizes (23%).
E, para complicar de vez a questão, reparem nestes dados: afegãos felizes, 59%; sudaneses do Sul, 53%; palestinos em seus territórios, 20% (só aqui um número menor do que na França).
E então? Na edição especial de fim de ano, a revista “Economist” trouxe um excepcional ensaio sobre a malaise francesa. Tem a ver com a situação atual, mas pouco. Tem também algo a ver com a perda da importância global, inclusive a língua. E muito a ver com a cultura que forma e desenvolve um estado de espírito miserável.
Invertendo os termos, talvez se possa entender por que tantos países emergentes aparecem na ponta do ranking da felicidade. Além do Brasil, estão entre os dez mais animados: Colômbia (86% de moradores felizes), Arábia Saudita (80%), Argentina (78%), México (75%), Índia (74%) e Indonésia (74%).
Os emergentes, com poucas exceções, tiveram desempenho extraordinário desde o inicio deste século. Equilibraram suas economias, eliminaram velhos fantasmas, como a inflação, cresceram, ganharam renda e reduziram o número de pobres. E passaram com menores danos pela crise global justamente porque suas economias estavam com os fundamentos arrumados.
O sentimento geral é de melhora constante, o que deixa o pessoal mais animado em relação ao futuro. A vida normal nos emergentes, digamos assim, é de crescimento e melhora. Há de tudo por fazer e consumir: de metrôs a mais comida; de residências a celulares; de usinas hidrelétricas a motos. Mesmo em um ano fraco, permanece a sensação de que há muita coisa por fazer — e, pois, muitas oportunidades.
Já na Europa rica, parece que está tudo feito e que, daqui em diante, só pode piorar. O pessoal precisa se esforçar para manter o que tem e não sabe se isso é possível. Ou seja, é forte o sentimento de que se perderá algo, inevitavelmente, e que as novas gerações não serão tão ricas quanto a de seus pais.
Resumindo: nos emergentes, os habitantes estão em condições econômicas piores, mas vêm melhorando e mantêm a expectativa de melhora. Nos ricos, a sensação seria a de que a festa está acabando.
Entre os dez de mais bom astral, há apenas dois países ricos, FinIândia (com 78% de felizes) e Dinamarca (74%). Em comum: pequenas nações, pequenas populações, mais fácil de manter o padrão. Explica?
E quem são os mais felizes?
Os 88% dos 890 mil moradores das ilhas de Fiji, no Pacífico Sul. Têm um PIB per capita de 4.500 dólares, o que os classifica como pobres, numa economia dominantemente de subsistência. Passaram por uma sequência de golpes militares, o atual governo é ditadura. O lugar é lindo.
Vai saber.
16 de janeiro de 2014
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.
O Globo
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