O governo pagou pelo menos R$ 22,6 bilhões no ano passado, pagará mais neste ano e ainda teve de enfrentar um fiasco humilhante por três erros cometidos com uma só decisão. Ao tentar renovar à sua maneira as concessões do setor elétrico, a presidente Dilma Rousseff pretendeu também reduzir as contas de energia e conter o aumento dos indicadores de inflação. Truques semelhantes foram encenados para controlar as tarifas de transporte urbano e para atrasar o aumento - há muito necessário - dos preços de combustíveis. Apesar dessas manobras, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), referência oficial para a meta de inflação, subiu 5,91% e superou a alta do ano anterior, de 5,84%.
O primeiro erro foi a tentativa de administrar o índice, em vez de cuidar seriamente das pressões inflacionárias. O evidente fracasso afetou a credibilidade do governo, já reduzida por uma porção de trapalhadas, e alimentou expectativas de inflação ainda mais alta neste ano. A missão do Banco Central (BC), único órgão federal empenhado de fato no combate à alta de preços, ficou mais difícil, especialmente porque uma política fiscal mais séria é altamente improvável em ano de eleições.
O segundo erro consistiu em jogar mais um encargo sobre o governo federal, num ano previsivelmente ruim para as contas públicas. Os R$ 22,6 bilhões incluem as indenizações pagas a concessionárias pela renovação antecipada dos contratos (R$ 12,7 bilhões até novembro) e os subsídios para contenção do preço da energia (R$ 9,9 bilhões). Oficialmente, o Tesouro só custeou cerca de R$ 8 bilhões dos subsídios, porque o resto saiu de fundos próprios do setor energético. Mas o Tesouro terá provavelmente de intervir para realimentar esses fundos, já quase esgotados.
O Executivo chegou a montar no fim do ano um esquema para essa finalidade, com participação da Caixa Econômica. Mas o uso da Caixa apenas disfarçaria o caráter fiscal da operação, evidente para a imprensa e para os analistas privados. O Ministério da Fazenda abandonou o plano pelo menos provisoriamente. Poderá tentar de novo a manobra neste ano.
Não há, no entanto, como evitar um enorme problema para as finanças federais. Indenizações e subsídios serão pagos ou pelo Tesouro, afetando diretamente as contas fiscais, ou por fundos do setor elétrico, desviando recursos necessários às políticas de desenvolvimento. A transferência de recursos por meio de bancos oficiais serve apenas para maquiar de forma precária o custo fiscal da operação. Nenhum truque desse tipo funciona mais como disfarce. Em pouco tempo a manobra se torna visível e sem grande mistério para quem acompanha profissionalmente a gestão das contas públicas. Neste ano, o governo terá de continuar pagando as indenizações pela renovação antecipada e a subvenção da energia consumida a preços favorecidos.
O terceiro erro foi cometido quando o governo se arriscou a comprometer um pouco a credibilidade da política fiscal. Tarifas contidas de forma voluntarista podem atrair a simpatia de uma parte do público e render vantagens eleitorais. Mas afetam a confiança dos profissionais mais informados sobre questões financeiras e sobre gestão pública. Isso pode resultar, por exemplo, no corte da nota de crédito do Brasil.
Mesmo sem esse corte, o financiamento do governo pode ficar mais caro. A mera rolagem da dívida pública tende a tornar-se mais custosa. Esse efeito já tem sido notado nas operações do Tesouro. O risco, neste ano, é ampliado pela redução dos incentivos monetários nos Estados Unidos. Essa mudança já afeta os mercados financeiros e torna menos generosa a oferta de financiamentos. Tomadores de recursos com a credibilidade reduzida serão, presumivelmente, os mais prejudicados. Ao dar prioridade aos objetivos eleitorais, a presidente Dilma Rousseff parece haver negligenciado, perigosamente, a preocupação com a credibilidade.
Uma piora nas condições de financiamento, em 2014, afetará a ação do governo tanto neste ano quanto no próximo, início do mandato de quem vencer a eleição presidencial. O vencedor, tudo indica, terá um primeiro ano muito complicado.
16 de janeiro de 2014
Editorial O Estado de S.Paulo
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