"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

TIRANOSSAURO DO TOM


 

 
Ao fechar do ano, o governo federal puxou para 6,38% o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de quem gasta no exterior com cartões de débito, faz saques com o cartão do banco ou compra traveller checks. Para cartões de crédito, o nível já era esse. Mas para estas novas modalidades de pagamento, a taxa anterior era de 0,38%. 
 
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, explicou ao GLOBO que o IOF é regulatório. Seu objetivo é fazer as pessoas pensarem duas vezes antes de comprar, só isso. “Os gastos dos turistas brasileiros estavam muito elevados,” disse. Tem analista que acha outra coisa. Regulatório nada, querem mesmo é fazer caixa. O aumento é gigante mas, no bolso do consumidor, R$ 5 a mais não fará ninguém deixar de comprar o tênis bacana. De tostão em tostão, o governo faz seu quinhão. Nada disso, porém, é importante. Importante mesmo é o tiranossauro do Tomás.
 
Tom tem três anos, vai fazer quatro. Já é, como faz questão de frisar, um menino “enorme”. (Diz isso estendendo o Ó com vontade: enoooorme.) É também um naturalista. Tudo que é ou foi vivo lhe interessa. Bichos grandes ou pequenos, gosta de pegar insetos, não sai à rua sem catar um galho aqui, uma flor ali. Coleciona sementes bonitas. Gosta de dinossauros. Certo dia viu na loja um que era fora de série. O T-Rex alemão. De plástico, porém pesado. Não enorme, médio. Mas que detalhes. Cada escama da pele, a cor dos olhos, a cara feroz. Bicho feio. Pediu um ao Papai Noel. No Brasil, afinal, o brinquedo custa R$ 163.
 
Composição de preço não é arte para os fracos. É feito na China, mas não só a manufatura barata deve ser levada em conta. Por trás de qualquer brinquedo sofisticado há um designer. Não lhe basta fazer o molde. É preciso viajar à fábrica, escolher os materiais. Selecionar as tintas por usar — sua qualidade e suas cores. Indica como pintar com as máquinas para que o amarelo e o verde se encontrem em tais pontos, com tal efeito. Neste T-Rex, a mandíbula é móvel. Como funciona o encaixe, o que lhe dá resistência, tudo é uma decisão, um teste. Há que ter controle de qualidade. Os alemães o têm. É um brinquedo bonito, dá prazer de ver. Tem custo real para fazer. Na Amazon americana sai por US$ 18. Seria quase R$ 43 aqui.
 
O importador brasileiro precisa de um corretor que sirva de intermediário. O navio da China para o Brasil ou para os EUA não sai tão mais caro assim. Mas as lojas de brinquedo não estão com margens de lucro tão altas que lhes permitam luxos. Os impostos pesam. O que quer o governo?
 
Não está claro o que quer. O ministro da Fazenda deseja que o brasileiro gaste menos com importados. O mercado acha que deseja fazer caixa. Não deve ter combinado com os russos, porque os cortes de gastos na alfândega, segundo informou o GLOBO ontem, deve aumentar o contrabando em 50%. Número do governo. A política para os importados, afinal, qual é?
 
O T-Rex do Tom é um luxo, dirão alguns. Mas não é. Ele é um padrão. A R$ 50, mais crianças poderiam ter um brinquedo de qualidade. Se uma camisa polo Ralph Loren custa num outlet vagabundo de Miami os mesmos R$ 50 é porque ela pode custar isso. Se um jeans GAP chega a R$ 40 na ponta de estoque, a gente paga tão mais por coisa de pior qualidade por quê? No mundo do comércio eletrônico global, o imposto brasileiro não pune a classe média alta. Pune a classe C. São eles os excluídos. São eles que são obrigados a pagar mais do que podem por produtos piores.
 
Um tablet Galaxy Tab 3 de 7 polegadas sai por R$ 700 no Brasil e R$ 400 lá. Na aritmética federal, e isso não era diferente antes de o PT chegar ao Planalto, o imposto alto coíbe em parte as importações e isso devolve uma balança comercial mais generosa. Coíbe também o desenvolvimento da indústria nacional, que não precisa concorrer.
 
Quem acha que o T-Rex do Tom é um luxo não entendeu o mundo. A política inibe acesso a produtos de qualidade e a tecnologia de ponta. É um mercado menor e menor arrecadação de impostos aqui. Pior é o futuro: quando só a elite tem tecnologia de ponta, só a elite terá os empregos de ponta. O que querem os governos não se sabe. Mas sabemos como termina
 
08 de janeiro de 2014
Pedro Dória é Jornalista. Originalmente publicado em o Globo em 7 de Janeiro de 2014.

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