"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

REPENSANDO O IMEDIATISMO


 
 
 
Viver o momento, aproveitar a vida como se não houvesse amanhã. O passado pesa, o futuro influi, mas o presente decide, é ele que manda. Porque do presente se fará lembrança e ao presente caberá o peso, quando passado, de realizar ou frustrar o futuro sonhado. Há de se convir, justificativas para carpe diem não faltam. Aliás, elas estão enraizadas inclusive em várias religiões, nas quais o futuro e o passado são tratados como ilusões. Bom, em algumas até mesmo o presente seria ilusório. Só que, na prática, e atendo-se à percepção mundana da vida, o futuro acaba chegando, de uma forma ou de outra.
 
Para Bill George, a obsessão dos mercados com a performance no curto prazo prejudica, em última instância, investidores, companhias, executivos e consumidores. Em outras palavras, a ênfase absoluta que se coloca atualmente no imediatismo, com as empresas alterando estratégias de três em três meses, visando sempre a próxima divulgação do resultado trimestral, afetaria negativamente a criação de valor no longo prazo.
 
O acadêmico credita boa parte da ênfase em prazos menores à pressão exercida por investidores ativistas (activist investors), e ressalta que o sucesso das companhias depende, acima de tudo, da criação de valor para os consumidores, o que, no fim das contas, determinará o retorno dos acionistas. Esse tipo de investidor, ativista, é o que comumente se apossa de uma porção significativa de ações da empresa, consegue assento no conselho administrativo e tenta impor diretrizes que se enquadrem nas suas ambições de realização de lucros no curtíssimo prazo, nos mercados de capitais.
 
Na verdade, os mercados financeiros, que são a essencial engrenagem do sistema capitalista atual, estão completamente dominados pelas operações de curtíssimo prazo, onde predominam as ordens de compra e venda executadas por robôs. A abundante liquidez, mantida pelos principais bancos centrais do planeta, vem acirrando ainda mais essa característica. Se bem que, quando os estímulos monetários começarem a ser reduzidos, nada mudará quanto a isso, ou seja, as transações ultrarrápidas continuarão prevalecendo.
 
De concreto, as estratégias empresariais de longo prazo vão se tornando irrelevantes e aquele conceito primordial, de o investidor se tornar sócio da companhia na qual ele acredita, a fim de participar do seu crescimento em horizontes estendidos de tempo, vai soando cada vez mais estrambólico.
 
A consequência é o aumento da volatilidade nos preços, o que é bom para especuladores, e a pressão sobre empresas para que foquem em apresentar continuamente resultados impactantes, os quais devem elevar as expectativas do mercado em relação à companhia, impulsionando os preços de seus ativos. Ou seja, a prática especulativa vem se afastando do conceito original de investimento, o que não é de hoje, diga-se de passagem.
 
Na esfera política também não tem sido diferente, com o imediatismo dominando totalmente a cena em praticamente todo o mundo. O modelo de democracia ocidental parece ter sido desenhado para atender ao carpe diem. Com isso, os planejamentos de longo prazo vão sendo negligenciados ou mesmo contrariados por políticas econômicas adaptativas, que visam, via de regra, melhorar a situação presente. Os mandatos relativamente curtos dos representantes do povo induzem a que se atenham a implementar medidas que repercutam antes da próxima eleição.  
O grande problema, tanto no nível empresarial, quanto no político ou no individual, é que para atender a demandas de agora, costuma-se roubar do futuro. Essa gatunice fica mais explícita no comportamento das pessoas, que se endividam, muitas vezes acima de suas possibilidades, não apenas dispensando poupanças, como também gastando sua renda futura, que ainda é incerta.  Provavelmente por conta da importância vital do consumo para as economias capitalistas, tal padrão seja efusivamente estimulado. Aliás, o endividamento exacerbado de famílias, empresas e governos está no âmago da crise que se abateu sobre o sistema após 2007.
 
No âmbito político, as atuais dificuldades das democracias ocidentais, no que tange ao planejamento de longo prazo, fica mais evidente quando comparadas a economias com regimes mais fechados, ou menos democráticos, como a China, tida hoje como exemplo de planificação.  É interessante observar também que, no gigante asiático, o nível de poupança da população é bastante elevado,  com a taxa atingindo 50% do Produto Interno Bruto (PIB), contra uma média mundial de 20%. Já o governo chinês é o maior poupador do planeta, com reservas que caminham para US$ 4 trilhões, graças ao modelo calcado em superávits comerciais, responsável pelo milagre econômico das últimas décadas.
 
Não deixa de causar estranheza que, do alto de tamanho sucesso, o partido único conduza a economia no sentido de uma maior inserção do país no sistema capitalista de mercado global. Quanto mais capitalismo, mais capitalismo se faz necessário, diriam os entusiastas. Ocorre que o dinheiro acumulado tem sido utilizado majoritariamente em investimentos, que não deixa de ser uma maneira de manter o foco no futuro, em detrimento do presente.
 
O perfil poupador demonstra que se trata de um povo que, em décadas recentes, vem priorizando o amanhã. Em vista das severas dificuldades experimentadas num passado nem tão longínquo assim, o medo de voltar a encará-las faz com que, na primeira oportunidade em que sobra algum dinheiro, pense-se, acima de tudo, em tentar se resguardar contra a repetição desses apuros.
 
Mais curioso ainda é que essa maior inserção capitalista coincida com a necessidade premente de empreender uma guinada para um modelo mais consumista e menos poupador, o que já está em curso, planejadamente. Ou seja, busca-se a inversão da prioridade absoluta do futuro sobre o presente. Seria plausível concluir, portanto, que mais capitalismo, dentro dos padrões vigentes, significa mais presente.
 
Voltando às empresas, Bill George salienta que é impossível colocar-se em prática uma estratégia séria hoje em dia, seja na indústria que for, com um horizonte menor do que sete a dez anos em mente. “Particularmente em companhias passando por transformações culturais, leva-se aproximadamente dez anos para ser feito. A pergunta é se os acionistas concederão esse tempo aos gestores. E o meu ponto é que não se deve permitir que os acionistas assumam as rédeas, pelo contrário, os gestores é que devem guia-los.”
 
Na visão do acadêmico, o mercado acionário torna as empresas reféns de um jogo de expectativas no qual, não importa o quão grandes elas sejam (as expectativas), exige-se que continuem aumentando ilimitadamente. Isso faz com que muitos administradores percam o chão e coloquem a firma em rota destrutiva.
 
Dizem os admiradores do sistema fundamentado na mão invisível do mercado que a sua maior beleza reside no fato de que os seus instrumentos, quando preservados, buscam sempre o equilíbrio, corrigindo os seus próprios excessos. Se assim for, tudo indica que, justamente naquelas partes do planeta onde o capitalismo vem evoluindo por mais tempo, o futuro se revoltou e anda cobrando maior prioridade.
 
08 de janeiro de 2014Paulo Guimarães é Jornalista. Originalmente publicado no Jornal do Commércio do Rio de Janeiro, em 16 de Dezembro de 2013. 

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