"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

MUDANÇA NO METABOLISMO DA ECONOMIA


O leitor do Valor sabe que procuro entender a economia de uma sociedade como a brasileira de forma diversa da grande maioria de meus companheiros de profissão. Para mim, o metabolismo que comanda os mercados não segue à risca os modelos matemáticos que são a base das análises e previsões disponíveis. Restrições de natureza política, hábitos e valores da chamada sociedade civil que acabam moldando o arcabouço institucional de um país e outras questões fora da racionalidade do agente econômico - esta também muito questionada - acabam por interagir entre si e com as ações dos mercados, criando uma dinâmica muito difícil de ser identificada.

Uma das formas que tem o analista para fugir desta complexidade sistêmica é a de olhar - com muito cuidado e sabedoria - para os dados econômicos ao longo do tempo. Exercício também bastante difícil, pois exige um conhecimento do fenômeno econômico que está por trás desses resultados. Neste campo, a sofisticação dos instrumentos matemáticos à disposição do analista ajuda, e muito, na busca de quais os fatores que estão por trás do caminho trilhado pela economia de uma sociedade em um espaço de tempo determinado.

Peço desculpas ao leitor por todas estas palavras que antecedem a introdução do gráfico que está abaixo e que representa a ideia principal desta coluna. Nele temos a variação real, ao longo dos últimos 17 anos, de duas variáveis econômicas importantes que são o chamado consumo das famílias e o Produto Interno Bruto. No Brasil, o consumo das famílias representa cerca de 62% do PIB, o que quer dizer que as diferenças nas trajetórias que estão marcadas no gráfico são realmente significativas. Afinal apenas 38% do PIB não correspondem ao consumo.

Deixemos de lado o período correspondente ao governo FHC, quando as duas variáveis praticamente andaram juntas. Nos anos Lula, até 2008/2009, fica claro que a taxa de crescimento do PIB foi sempre superior à do aumento do consumo das famílias. Como foi este o motor do crescimento, podemos dizer que nestes 7 anos (de 2002 a 2009) ocorreu um multiplicador positivo com outras partes do PIB, ajudando a acelerar a velocidade de expansão da economia. Sabemos hoje que vários fatores internos ao metabolismo econômico foram os responsáveis por isto, mas gostaria de ressaltar um deles.

Podemos citar o caso do mercado de trabalho com altas taxas de desemprego, o baixo nível de endividamento do consumidor e a existência de oferta não utilizada nas estradas e portos mais importantes de nosso sistema de logística. Outro ponto importante neste mundo de poucas pressões do lado da oferta era o déficit em conta corrente, pois os brasileiros ainda não tinham descoberto Miami e a demanda chinesa bombava nossas exportações de produtos primários. Com isto foi possivel aumentar as importações de bens de consumo durável e, ao mesmo tempo, surfar a onda da valorização cambial e da inflação abaixo do centro da meta. O governo Lula voava em um verdadeiro céu de brigadeiro, tanto no nível macro como no micro econômico.

Isto mudou muito a partir da posse de nossa atual presidente e o gráfico mostra isto com clareza meridiana. As curvas do PIB e do consumo das famílias trocam de posição e o multiplicador do consumo fica negativo durante todo o período. O leitor pode visualmente verificar esta mudança ao olhar as duas curvas a partir do ano da eleição de 2010.

Mas o governo Dilma não entendeu o novo metabolismo que se instalou na economia depois do longo período de crescimento vigoroso que vivemos e, ao insistir nos estímulos ao consumo, apenas colheu mais inflação e mais ansiedade dos investidores com o enfraquecimento do compromisso de austeridade fiscal moderada que vinha sendo perseguida há algum tempo. Com a inflação no começo deste ano recebendo um impulso adicional da desvalorização do câmbio e do choque de oferta de alguns alimentos importantes nos EUA, o Banco Central foi obrigado a subir de forma importante os juros Selic - e o mercado cumpriu seu ritual elevando ainda mais os juros mais longos - jogando por terra uma das grandes vitórias do governo que foi o choque positivo de oferta criado pela queda dos juros em 2012.

Se o leitor olhar com cuidado a parte final das curvas que estão no gráfico pode ver que a ação do BC já começou a dar pequenos frutos. A boca de jacaré que se abriu entre PIB e Consumo começou a fechar ainda que lentamente. Pena que em 2014 as eleições vão comandar a política econômica e o início de um ajuste que permita ao Brasil voltar a crescer de forma sustentada vai ficar para o próximo presidente da República. A terapia para isto é conhecida mas apenas um governo em início de mandato vai ter condições políticas de aplicá-la.
 
18 de novembro de 2013
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, Valor Econômico

Nenhum comentário:

Postar um comentário