"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

MENSALÃO DE LULA: RAZÕES PARA MODERAR O SEU OTIMISMO

 
“Esse processo não anda para a frente, ele anda em círculos”, explodiu Gilmar Mendes, num protesto contra as manipulações e ousadias que retardam o desfecho do julgamento do mensalão. Com sua linguagem cifrada, Gilmar espetou os próprios colegas, especialmente Teori Zavascki e Ricardo Lewandowski.
 
No final desse texto, o repórter explicará o que Gilmar quis dizer. Por ora, importa reter a ideia central do raciocínio do ministro: o julgamento do mensalão “anda em círculos”. Suprema ironia: as linhas paralelas nunca chegam lá, mas oferecem a ilusão de andar para a frente, rumo ao infinito. O círculo é muito pior. Não sai de dentro de si mesmo.
 
Na sessão desta quarta-feira (13), em meio a confusos rodopios, o STF começou a sair de dentro da bolha a que se autocondenara. Decidiu deflagrar a execução parcial das penas. Fez isso com tanto atraso que possibilitou à plateia refletir sobre os efeitos do envio ao xadrez de gente como Dirceu, Delúbio e Valério.
 
Se tivesse chegado há um ano, a punição de tanto criminoso graúdo talvez produzisse um clima político benigno. Afinal, é sempre saudável que os crimes sejam desvendados e as quadrilhas desmascaradas. Isso costuma levar à conclusão de que a sociedade evolui. Políticos corruptos e seus corruptores não ousariam reincidir no crime. Eleitores pensariam dez vezes antes de votar em sujeitos suspeitos.
 
Hoje, submetido a uma quantidade inquietante de escândalos, um atropelando o outro, o brasileiro olha para o Supremo com um pé atrás. A propósito, vale a pena ouvir o que disse o “novato” Luís Roberto Barroso durante a sessão desta quarta-feira: “No tocante à política, os fatos se apressaram em confirmar o que eu disse no primeiro dia de julgamento dos embargos de declaração: a corrupção não tem partidos e é um mal em si.”
 
O ministro prosseguiu: “Nesses poucos meses, explodiram escândalos em um Ministério (as ONGs da pasta do Trabalho, sob o PDT), em um importante Estado da Federação (o cartel da Siemens e as propinas da Alstom, sob o PSDB paulista) e em uma importante prefeitura municipal (a máfia dos fiscais paulistanos, sob PT e PSD). A mistura é a de sempre: uma fatia para o bolso e outra para o financiamento eleitoral.”
 
Os observadores mais atentos acionavam a memória à medida que Barroso falava. A lembrança do repórter recuou até o caso Collor. Em termos comparativos, a deposição de um presidente da República produzira na época uma forte sensação de mudança. Mais forte até do que a imagem de Dirceu e Cia. passando as noites na cadeia.
 
Respirava-se naquela ocasião uma atmosfera de virada de página. Pouquíssimo tempo depois, praticamente nas pegadas do impeachment, sobreveio no Congresso o escândalo dos anões do Orçamento. Os mercadores de emendas foram cassados. Mas os desvios orçamentários não pararam –vampiros, sanguessugas, Gautamas, ONGs companheiras, Cachoeira—Delta, e um moto-contínuo de etcéteras.
 
Agora mesmo, o Ministério Público esquadrinha em São Paulo uma tal máfia do asfalto que, conectada com Brasília, comercializa emendas. Fica evidente que o dinheiro sai pelo ladrão porque o eleitor continua empurrando ladrões para dentro do Orçamento. Vira-se a página. Só que para trás. A corrupção não muda. Mudam apenas, quando muito, os corruptos.
 
Contra esse pano de fundo conspurcado, a execução fatiada das penas do mensalão deve ser vista como um passo, não como o fim da linha. O passo não é pequeno, reconheça-se. “Temos milhares de condenados por pequenas quantidades de maconha, e pouquíssimos condenados por golpes imensos na praça”, disse Roberto Barroso nas reflexões que precederam o seu voto. “Para ir preso no Brasil, é preciso ser muito pobre e muito mal defendido. O sistema é seletivo, é um sistema de classe. Quase um sistema de castas.”
 
No dizer de Barroso, é preciso desfazer certas “mistificações”. Entre elas “a de que devido processo legal é o que não termina. Devido processo legal é o que se move pelas regras do jogo. E o jogo um dia chega ao fim. Não existe, em parte alguma do mundo, direito ilimitado de recorrer. Um dia o processo acaba e a decisão precisa ser cumprida. Penso que, em relação a este processo, este dia chegou.”
 
Retorne-se, por oportuno, a Gilmar Mendes e sua manifestação cifrada lá do início do texto. A certa altura ele fala em “tamanha ousadia”. Espetava o ministro Teori Zavascki, que divergira do relator Joaquim Barbosa quanto à decretação do fim de linha (trânsito em julgado) para nove condenados que haviam interposto recursos (embargos infringentes) sem que tivessem o direito de fazê-lo. Faltava-lhes um mínimo de quatro votos absolutórios, como exige o regimento do STF.
 
“Se houve recurso, não transita em julgado, porque aqui não é o momento de fazer juízo de admissibilidade dos recursos. Nos casos em que há embargos infringentes, cabíveis ou não, não tem trânsito em julgado”, sustentou Zavascki. Para ele, numa sessão em que o STF tenha deliberado sem a composição plena de 11 ministros, um réu que colecionou três votos a favor da absolvição em determinado crime talvez tenha o direito de manejar os infringentes.
 
A tese prevaleceu por 6 a 5. E nove condenados foram beneficiados com o adiamento da execução das respectivas penas. Entre eles os deputados Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT). Condenados ao regime semiaberto, deveriam dormir na cadeia. Agora, aguardarão em liberdade o julgamento dos infringentes que o regimento do Supremo não os autoriza a utilizar.
 
Gilmar exasperou-se: “Veja a que ponto nós estamos chegando. Um referencial de erro é o ridículo. E nós beiramos ao ridículo ao falarmos nisso. Ah, dez, nove [ministros no plenário do STF]. E por quê? Porque deliberadamente se conduziu para que Peluzzo e Ayres Britto saíssem do julgamento! Isso é preciso ser dito para a história.” Ouve-se ao fundo a voz do relator Joaquim Barbosa: “Direi isso no dia em que sair do tribunal. Com todos os detalhes.”
 
Gilmar retomou o fio de sua meada: “É preciso dizer isso com toda a clareza: manipulou-se o plenário. E quer se continuar manipulando. É preciso encerrar esse tipo de cena”. Nesse ponto, o ministro alfinetava o colega Ricardo Lewandowski. Para Gilmar, o revisor do mensalão conspirou o tempo todo contra a celeridade do processo. Sabendo que os draconianos Cezar Peluso e Ayres Britto seriam aposentados compulsoriamente, agiu para retirá-los de campo.
 
O que Gilmar declarou, com outras palavras, foi o seguinte: as decisões do Supremo não dependem apenas das leis. Num mesmo julgamento, as interpretações podem variar ao sabor da composição do plenário. E quem indica os ministros (ou retarda as indicações) é o presidente da República de plantão. Para bom entendedor, as meias palavras de Gilmar bastam. A jurisprudência de hoje pode ser o cavalo-de-pau do julgamento do escândalos de amanhã. Portanto, para não ..azer ..apel de …obo, modere seu ..otimismo.

14 de novembro de 2013
 

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