"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

"MAS NO FUTURO"

 
O Brasil se atira no petróleo, puro carbono, mas que ainda se trata da mais eficiente e mais barata, relativamente, fonte de energia. Até quando?
 
Se no Brasil o governo Dilma deposita enormes expectativas no petróleo, na Inglaterra o governo de David Cameron aposta suas fichas na energia nuclear. A presidente, seus ministros e correligionários definiram a licitação de Libra como o início de uma nova riqueza, o petróleo sendo transformado em valores como educação e saúde, mas também gerando uma nova indústria naval e petrolífera.
 
O primeiro-ministro Cameron anunciou como um “novo amanhecer” o projeto de construção de uma usina nuclear — a primeira em 30 anos —, o caminho para garantir o fornecimento de energia elétrica, hoje em risco, e a preços menores do que os atuais, muito elevados.
 
Nos dois casos, os empreendimentos locais contam com forte participação estrangeira. Na Inglaterra, a usina será construída pela estatal francesa EDF, em associação com outra estatal, a Chinese General Nuclear Power Group. Sim, outra chinesa. No Brasil, a custosa e difícil exploração do campo de Libra será tocada por uma francesa, a Total, uma anglo-holandesa, a Shell, e mais duas estatais chinesas, em consórcio com a Petrobras.
 
Os dois governos garantem que, apesar da participação majoritária de companhias estrangeiras, haverá muito conteúdo local. Cameron diz que empresas inglesas, e seus trabalhadores, fornecerão boa parte dos componentes e serviços para a usina que, se tudo der certo, será a primeira de uma nova série. (A Inglaterra foi o primeiro país a colocar em funcionamento uma usina nuclear civil — mas não se constrói uma nova há mais de 30 anos). No Brasil, a presidente Dilma parece bem mais ambiciosa. O petróleo do pré-sal vai “criar” uma nova industria local, além de garantir boas escolas e hospitais.
 
Nos dois casos, os governos se baseiam em contas e estimativas que vão longe, para além de 35 anos, mas parecem muito seguros. Na Inglaterra, Cameron detalha números de criação de empregos — 25 mil só na obra — e de tarifas. No Brasil, o governo detalha, por exemplo, o dinheiro que será destinado à educação, via royalties: nada menos de R$ 638 bilhões ao longo de 35 anos.
 
Como se percebe, energia é uma preocupação global e será atendida globalmente, por associações de empresas de diversos países, estatais e particulares. E parece que os chineses estão no amanhecer de muita gente. De fornecedora de produtos baratos, a China vai ocupando o papel de grande potência, já fortemente atuante em energia, de qualquer tipo. Suas companhias estão no petróleo brasileiro (e latino-americano), forçam a entrada na energia nuclear na Inglaterra, onde pretendem ganhar o certificado que abra as portas da Europa, são dominantes no mercado europeu e global de painéis para energia solar, dominam a fabricação de turbinas para captação da energia dos ventos, sabem fazer hidrelétricas há muito tempo, e por aí vão.
 
Um fato do mundo de hoje e do futuro: a atuação global dos chineses — que alguns já descrevem como o novo imperialismo. Será?
 
A verdade é que isso depende de muitos arranjos econômicos e políticos ainda em andamento no mundo todo. E de como cada país se colocará.
 
Na Inglaterra, por exemplo, há um grande debate estratégico: será correto retomar as usinas nucleares? Sim, diz Cameron, para manter a Inglaterra como um dos países “mais verdes do mundo”. As regras ambientais por lá são tão rigorosas que, no momento, criam dois problemas graves: falta de investimento e tarifas caras. Cameron acha que pode destravar isso com a volta da energia gerada por usinas nucleares, claro, consideradas superlimpas e seguras, nas versões mais modernas.
 
Mas o debate segue — por que não as turbinas eólicas no mar? — e tem de passar pelos órgãos de controle europeu, o que indica que ainda há muita conversa pela frente.
 
Já no Brasil, o governo Dilma se atira no petróleo, puro carbono, mas que ainda se trata da mais eficiente e mais barata, relativamente, fonte de energia. Até quando? Sim, a pergunta vale porque o mundo todo está pesquisando e trabalhando sobre formas variadas de geração de energia. Sem contar as dificuldades tecnológicas da exploração do pré-sal.
 
Acrescentem aí o componente geopolítico e mais as surpresas que a historia das inovações sempre apresenta, e se verá como fica difícil estimar preços, segurança de fornecimento e qualidade ambiental quando se pensa na energia daqui a tantos anos.
 
Claro que os governos devem se ocupar de lançar as bases para o futuro. Ocorre que muitos, ao enfrentarem dificuldades na gestão do presente, se atiram para o futuro, que aceita qualquer projeção.
 
Para dar só dois exemplos. Na Inglaterra: as tarifas de energia elétrica estão em alta neste mês e subindo mais que a inflação. E Cameron promete preços menores lá na frente. No Brasil, já se gasta muito dinheiro na educação, muito mesmo, e os resultados são ruins. Ah! Mas quando vier o dinheiro do pré-sal...

24 de outubro de 2013
Carlos Alberto Sardenberg, O Globo

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