Vladimir Lênin (1870-1924) chamava de "idiota útil" o cidadão de uma democracia liberal que se deixava enganar pela propaganda do regime soviético. Comprando os argumentos do Kremlin, o idiota útil dava à Moscou um verniz de legitimidade.
Em pleno século 21, o fenômeno do idiota útil continua vivo. No Brasil, sua expressão à direita é o "bolsominion", cuja simpatia pelo deputado o faz ignorar o uso indevido do auxílio-moradia. No centro e à esquerda, é o cidadão impermeável às evidências sobre os abusos cometidos por PT e PSDB durante 20 anos no poder.
A cabala de idiotas úteis sempre teve tração no exterior. À esquerda, seu expoente mais sofisticado é Perry Anderson, liderança intelectual há muitas décadas. Em dois longos artigos publicados na respeitável "London Review of Books", em 2011 e 2016, Anderson embalou as teses petistas a respeito do mensalão e da Lava Jato para um leitorado estrangeiro. Segundo a versão dos fatos ali apresentada, Luiz Inácio Lula da Silva teria despertado a raiva das elites arcaicas do Brasil devido à sua agenda reformista. Os representantes do atraso, assustados, teriam lançado uma ofensiva jurídica injusta contra o ex-presidente. A ilegalidade verdadeira não teria sido cometida pelo grupo do poder, mas pelos supostos "justiceiros" da linhagem do juiz Sergio Moro.
Essa linha ganhou força nos últimos dias. Geoffrey Robertson, jurista renomado, assistiu ao voto do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) e sentenciou: "Lula está sendo perseguido e não processado". O problema, afirmou, está com Moro, um "egomaníaco". Em Washington, 12 deputados democratas assinaram um texto denunciando um suposto complô para tirar Lula da corrida presidencial por meio de um tribunal de exceção.
Nas páginas do jornal "New York Times", Mark Weisbrot ensaiou um argumento similar. Segundo ele, a verdadeira ameaça à democracia brasileira não viria de uma classe política viciada em ilegalidade, mas de Sergio Moro e caterva. Uma eleição sem Lula, conclui, seria fraude.
As denúncias que existem contra Lula sobre tráfico de influência e outros crimes não devem ser descartadas de antemão. O ex-presidente ainda precisa dar respostas às questões apresentadas e terá a chance de fazê-lo com todas as garantias de defesa no processo do tríplex e nos outros que virão. Você pode ter um compromisso moral e político com os ideais de esquerda e, ao mesmo tempo, defender a tese segundo a qual Lula e seu grupo devem explicações à Justiça.
O problema com o idiota útil é que seu preconceito precede a dúvida e as evidências. Isso sempre foi –e continua sendo –uma ameaça de esquerda ou de direita à democracia.
25 de janeiro de 2018
Matias Spektor, Folha de SP
Em pleno século 21, o fenômeno do idiota útil continua vivo. No Brasil, sua expressão à direita é o "bolsominion", cuja simpatia pelo deputado o faz ignorar o uso indevido do auxílio-moradia. No centro e à esquerda, é o cidadão impermeável às evidências sobre os abusos cometidos por PT e PSDB durante 20 anos no poder.
A cabala de idiotas úteis sempre teve tração no exterior. À esquerda, seu expoente mais sofisticado é Perry Anderson, liderança intelectual há muitas décadas. Em dois longos artigos publicados na respeitável "London Review of Books", em 2011 e 2016, Anderson embalou as teses petistas a respeito do mensalão e da Lava Jato para um leitorado estrangeiro. Segundo a versão dos fatos ali apresentada, Luiz Inácio Lula da Silva teria despertado a raiva das elites arcaicas do Brasil devido à sua agenda reformista. Os representantes do atraso, assustados, teriam lançado uma ofensiva jurídica injusta contra o ex-presidente. A ilegalidade verdadeira não teria sido cometida pelo grupo do poder, mas pelos supostos "justiceiros" da linhagem do juiz Sergio Moro.
Essa linha ganhou força nos últimos dias. Geoffrey Robertson, jurista renomado, assistiu ao voto do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) e sentenciou: "Lula está sendo perseguido e não processado". O problema, afirmou, está com Moro, um "egomaníaco". Em Washington, 12 deputados democratas assinaram um texto denunciando um suposto complô para tirar Lula da corrida presidencial por meio de um tribunal de exceção.
Nas páginas do jornal "New York Times", Mark Weisbrot ensaiou um argumento similar. Segundo ele, a verdadeira ameaça à democracia brasileira não viria de uma classe política viciada em ilegalidade, mas de Sergio Moro e caterva. Uma eleição sem Lula, conclui, seria fraude.
As denúncias que existem contra Lula sobre tráfico de influência e outros crimes não devem ser descartadas de antemão. O ex-presidente ainda precisa dar respostas às questões apresentadas e terá a chance de fazê-lo com todas as garantias de defesa no processo do tríplex e nos outros que virão. Você pode ter um compromisso moral e político com os ideais de esquerda e, ao mesmo tempo, defender a tese segundo a qual Lula e seu grupo devem explicações à Justiça.
O problema com o idiota útil é que seu preconceito precede a dúvida e as evidências. Isso sempre foi –e continua sendo –uma ameaça de esquerda ou de direita à democracia.
25 de janeiro de 2018
Matias Spektor, Folha de SP
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