Mesmo com alto risco de derrota, Temer deveria fazer tudo para que reforma previdenciária seja votada na Câmara em fevereiro.
O governo divulgou na terça-feira, 23/1, o déficit recorde da Previdência em 2017, que atingiu a marca de R$ 268,8 bilhões. O número abrange tanto o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), referente aos servidores federais de todos os Poderes da República, com saldo negativo de R$ 86,3 bilhões; quanto o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), dos trabalhadores regidos pela CLT, basicamente aqueles do setor privado – neste caso, o déficit foi de R$ 182,4 bilhões. Incluindo o déficit previdenciário do funcionalismo dos Estados e municípios, é provável que o rombo ultrapasse bem o nível de R$ 300 bilhões.
No último ano, a qualidade da discussão sobre a reforma da Previdência no Brasil mudou para melhor. Ainda há, claro, os nichos corporativistas que negam a existência de déficit da Previdência, o que é um erro contábil e principalmente uma enganação econômica. Se, por decreto, metade da arrecadação do Brasil fosse carimbada como receita da Previdência, de um dia para o outro haveria um superávit substancial, sem que a dramática situação fiscal tenha mudado um centímetro.
O que importa, claro, é o gasto previdenciário total como proporção do PIB, e relacionado à proporção de idosos na população. Nesse caso, como já se demonstrou à exaustão, o Brasil gasta o mesmo que o Japão, que tem o triplo de idosos. O adendo de filme de terror é que, em três ou quatro décadas, o Brasil terá a mesma proporção de idosos que o Japão tem hoje. E aí mal dá para pensar qual será o gasto previdenciário como proporção do PIB se mantidas as regras atuais.
O governo Temer, por sua parte, removeu da reforma da Previdência praticamente tudo que fosse contenção de benefícios para os não-ricos (mesmo quando estes benefícios são claramente insustentáveis do ponto de vista fiscal). Adicionalmente, concentrou sua retórica e publicidade oficial no caráter de correção de injustiças, que foi o que restou na atual versão da reforma. É verdade que a proposta no seu presente formato não ataca todas as injustiças, como, por exemplo, o regime superdeficitário dos militares.
De qualquer forma, os pontos básicos da reforma são a imposição muito gradativa da idade mínima de 62 e 65 anos para, respectivamente, homens e mulheres do RGPS, o que atinge a parcela de maiores rendimentos que consegue se aposentar por tempo de contribuição.
Além disso, a reforma dá passos adicionais para corrigir a principal injustiça do sistema previdenciário brasileiro: as condições excepcionalmente privilegiadas para se aposentar e deixar pensões dos funcionários públicos civis e militares que ingressaram no serviço antes de 2013 – e ainda mais espantosamente privilegiadas para os que ingressaram no serviço público antes de 2003.
Nada se pode fazer, evidentemente, em relação aos que já gozam de aposentadorias e pensões pelo RPPS, detendo benefícios petreamente garantidos pelo supremo princípio da República desde a redemocratização, o direito adquirido a fatias do orçamento público.
A persistente luta do governo Temer pela reforma da Previdência e a guinada na retórica oficial, da ênfase na inviabilidade fiscal para o foco nas injustiças, parece ter produzido um efeito não desprezível na opinião pública. A reforma continua a ser rejeitada pela maioria da população, mas a minoria que a apoia vem crescendo, e de maneira que parece consistente.
De qualquer forma, nada parece indicar que a proposta de emenda constitucional seja aprovada em primeiro turno na Câmara no início de fevereiro, de acordo com o cronograma estipulado. Faltam cerca de 50 votos, dizem os especialistas de dentro e de fora do Congresso.
O governo Temer, entretanto, deveria fazer tudo para colocar a reforma da Previdência em votação em fevereiro, mesmo que a derrota seja mais provável.
O presidente já emplacou uma parte substancial da sua agenda reformista na área econômica, e deveria estar preocupado com o seu legado, e não com qualquer mirabolante plano de candidatura própria. Um legado é composto basicamente de realizações concretas, mas também pode incluir boas propostas que não foram implementadas por motivos alheios à vontade do presidente. Neste caso, não se deixa uma mudança realizada, mas pelo menos fica um caminho para uma mudança a se realizar.
A mensagem final antes do voto deveria ser a de que a reforma da Previdência será benéfica para qualquer presidente que venha a ser eleito em 2018, que ganhará um alento fiscal para poder dar a partida de forma menos sufocante a partir de 2019.
O voto da reforma da Previdência em fevereiro terá o mérito de jogar nas costas do Congresso, e de cada deputado federal, a responsabilidade por aprovar ou rejeitar uma mudança que é vista como absolutamente essencial pelos melhores quadros técnicos dos dois principais partidos que se revezam no poder federal desde 1995, PT e PSDB.
Sem uma maior responsabilização do Legislativo pela governança nacional, dificilmente o Brasil terá condições de escapar aos ciclos de populismo, crise e arrumação da casa que caracterizam sua história econômica, e que mantêm o País enredado na armadilha da renda média.
É hora de a democracia brasileira amadurecer, e de seus atores assumirem a responsabilidade pelos seus atos. Adiar mais uma vez a votação reforma da Previdência fará mal para o País, qualquer que seja o resultado na Câmara dos Deputados. (fernando.dantas@estadao.com)
25 de janeiro de 2018
Fernando Dantas é colunista do Broadcast
Estadão
O governo divulgou na terça-feira, 23/1, o déficit recorde da Previdência em 2017, que atingiu a marca de R$ 268,8 bilhões. O número abrange tanto o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), referente aos servidores federais de todos os Poderes da República, com saldo negativo de R$ 86,3 bilhões; quanto o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), dos trabalhadores regidos pela CLT, basicamente aqueles do setor privado – neste caso, o déficit foi de R$ 182,4 bilhões. Incluindo o déficit previdenciário do funcionalismo dos Estados e municípios, é provável que o rombo ultrapasse bem o nível de R$ 300 bilhões.
No último ano, a qualidade da discussão sobre a reforma da Previdência no Brasil mudou para melhor. Ainda há, claro, os nichos corporativistas que negam a existência de déficit da Previdência, o que é um erro contábil e principalmente uma enganação econômica. Se, por decreto, metade da arrecadação do Brasil fosse carimbada como receita da Previdência, de um dia para o outro haveria um superávit substancial, sem que a dramática situação fiscal tenha mudado um centímetro.
O que importa, claro, é o gasto previdenciário total como proporção do PIB, e relacionado à proporção de idosos na população. Nesse caso, como já se demonstrou à exaustão, o Brasil gasta o mesmo que o Japão, que tem o triplo de idosos. O adendo de filme de terror é que, em três ou quatro décadas, o Brasil terá a mesma proporção de idosos que o Japão tem hoje. E aí mal dá para pensar qual será o gasto previdenciário como proporção do PIB se mantidas as regras atuais.
O governo Temer, por sua parte, removeu da reforma da Previdência praticamente tudo que fosse contenção de benefícios para os não-ricos (mesmo quando estes benefícios são claramente insustentáveis do ponto de vista fiscal). Adicionalmente, concentrou sua retórica e publicidade oficial no caráter de correção de injustiças, que foi o que restou na atual versão da reforma. É verdade que a proposta no seu presente formato não ataca todas as injustiças, como, por exemplo, o regime superdeficitário dos militares.
De qualquer forma, os pontos básicos da reforma são a imposição muito gradativa da idade mínima de 62 e 65 anos para, respectivamente, homens e mulheres do RGPS, o que atinge a parcela de maiores rendimentos que consegue se aposentar por tempo de contribuição.
Além disso, a reforma dá passos adicionais para corrigir a principal injustiça do sistema previdenciário brasileiro: as condições excepcionalmente privilegiadas para se aposentar e deixar pensões dos funcionários públicos civis e militares que ingressaram no serviço antes de 2013 – e ainda mais espantosamente privilegiadas para os que ingressaram no serviço público antes de 2003.
Nada se pode fazer, evidentemente, em relação aos que já gozam de aposentadorias e pensões pelo RPPS, detendo benefícios petreamente garantidos pelo supremo princípio da República desde a redemocratização, o direito adquirido a fatias do orçamento público.
A persistente luta do governo Temer pela reforma da Previdência e a guinada na retórica oficial, da ênfase na inviabilidade fiscal para o foco nas injustiças, parece ter produzido um efeito não desprezível na opinião pública. A reforma continua a ser rejeitada pela maioria da população, mas a minoria que a apoia vem crescendo, e de maneira que parece consistente.
De qualquer forma, nada parece indicar que a proposta de emenda constitucional seja aprovada em primeiro turno na Câmara no início de fevereiro, de acordo com o cronograma estipulado. Faltam cerca de 50 votos, dizem os especialistas de dentro e de fora do Congresso.
O governo Temer, entretanto, deveria fazer tudo para colocar a reforma da Previdência em votação em fevereiro, mesmo que a derrota seja mais provável.
O presidente já emplacou uma parte substancial da sua agenda reformista na área econômica, e deveria estar preocupado com o seu legado, e não com qualquer mirabolante plano de candidatura própria. Um legado é composto basicamente de realizações concretas, mas também pode incluir boas propostas que não foram implementadas por motivos alheios à vontade do presidente. Neste caso, não se deixa uma mudança realizada, mas pelo menos fica um caminho para uma mudança a se realizar.
A mensagem final antes do voto deveria ser a de que a reforma da Previdência será benéfica para qualquer presidente que venha a ser eleito em 2018, que ganhará um alento fiscal para poder dar a partida de forma menos sufocante a partir de 2019.
O voto da reforma da Previdência em fevereiro terá o mérito de jogar nas costas do Congresso, e de cada deputado federal, a responsabilidade por aprovar ou rejeitar uma mudança que é vista como absolutamente essencial pelos melhores quadros técnicos dos dois principais partidos que se revezam no poder federal desde 1995, PT e PSDB.
Sem uma maior responsabilização do Legislativo pela governança nacional, dificilmente o Brasil terá condições de escapar aos ciclos de populismo, crise e arrumação da casa que caracterizam sua história econômica, e que mantêm o País enredado na armadilha da renda média.
É hora de a democracia brasileira amadurecer, e de seus atores assumirem a responsabilidade pelos seus atos. Adiar mais uma vez a votação reforma da Previdência fará mal para o País, qualquer que seja o resultado na Câmara dos Deputados. (fernando.dantas@estadao.com)
25 de janeiro de 2018
Fernando Dantas é colunista do Broadcast
Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário