Provocado pelo pessoal da Associação Brasileira de Shopping Centers com o tema “O Brasil que temos e o Brasil que queremos”, o ministro do STF Luís Roberto Barroso apresentou um conjunto de dez ideias que a gente poderia chamar de liberal e progressista, não estivessem esses termos tão embaraçados.
E para embaraçar um pouco mais, podemos dizer que o ministro apresenta algo moderno ao buscar temas do passado. O que pode ser mais velho do que dizer que só a iniciativa privada gera riquezas?
Pois foi o que Barroso sugeriu: o Brasil precisa de menos Estado, menos oficialismo e mais livre empreendedorismo. Ou seja, capitalismo de verdade, não esse praticado no país nos últimos tempos, uma associação criminosa e imoral entre governo e empresas cartelizadas e, de algum modo, beneficiadas com dinheiro público.
Mas o capitalismo não gera desigualdades?
O ministro, falando no congresso da entidade na última terça, não fugiu do tema. E tomou outra ideia antiga: o mais importante é a igualdade na partida. Aqui aparece talvez a mais importante missão do Estado: fornecer a todos uma educação de qualidade.
Dito de outro modo, não pode haver um bom capitalismo sem um Estado eficiente, que garanta os bens comuns, como escola, saúde, segurança, mas, sobretudo, a educação.
Sim, esta é uma ideia velha e, sobretudo, praticada largamente com sucesso pelo mundo afora. Aliás, neste aspecto, Barroso mostrou-se internacionalista. Sugeriu que a gente contratasse consultorias internacionais para avaliar a escola brasileira, do fundamental ao superior, e apresentar propostas. O ministro já adiantou algumas, ao comentar a decadência das universidades públicas: “Todo ano começa com uma greve”.
A favor de um tipo de internacionalização, Barroso disse que precisamos de mais intercâmbio com as universidades do mundo, precisamos abrir nossas faculdades para o saber externo, trazendo mestres, com aulas em inglês e espanhol, por exemplo.
De novo, é o que se faz nos países bem-sucedidos em educação. Mas se trata de uma proposta odiada pela elite acadêmica brasileira e, especialmente, pelos sindicatos de professores. Dizem que é para proteger nossa cultura. Na verdade, é reserva de mercado e, sobretudo, medo da competição, da comparação.
Por contraste, ao sugerir a abertura, o ministro Barroso parece um revolucionário.
E também quando sugere um corte radical nos famigerados cargos em comissão — esse instrumento do aparelhamento do Estado e da corrupção, isso agora por nossa conta.
Os números são eloquentes. Cargos em comissão preenchidos no âmbito do governo federal brasileiro, a maior parte com nomeação do presidente da República: 23 mil. Nos EUA, oito mil. Na França, 550. E ainda temos um crescente quadro de concursados.
Barroso defendeu a reforma da Previdência — a necessidade disso “é intuitiva” — o equilíbrio fiscal e, neste item, a recuperação do Orçamento como peça política de alocação de recursos para o benefício da sociedade, em vez do Orçamento assaltado todo ano pelas forças políticas — aqui, de novo, comentário por nossa conta.
O ministro disse que o combate à corrupção em curso é um avanço notável e defendeu a regra pela qual a pessoa deve cumprir pena depois de ter sido condenada em segunda instância.
Tema crucial este, que está para ser revisitado pelo Supremo Tribunal Federal. A tese contrária, resumindo, diz que a pessoa só pode ir em cana depois de condenada em “última, ultimíssima instância”, o STF — o que abre espaço para quem pode contratar bons advogados e, com uma farra de recursos, protelar para sempre o julgamento. Aqui também o acréscimo é nosso.
Barroso citou ainda a reforma política, aliás a primeiro item de seu decálogo. Defendeu o fim das coligações em eleição proporcional — regra pela qual o eleitor não sabe qual deputado elegeu e este não sabe quem o elegeu. Defendeu também a cláusula de barreira — isso para o curto prazo. Para o futuro, a proposta é o sistema distrital misto, como o alemão.
Como políticas públicas, Barroso mostrou a necessidade de um esforço máximo no saneamento básico e preservação do meio ambiente. Aqui, de novo, foi moderno ao comentar ideia velha: é preciso ter um sistema no qual preservar a floresta seja mais lucrativo e mais eficiente economicamente do que destruí-la.
A pergunta que fica é a seguinte: por que a sociedade brasileira simplesmente não copia o que deu certo em outros lugares?
16 de setembro de 2016
Carlos Alberto SArdenberg, O Globo
Mas o capitalismo não gera desigualdades?
O ministro, falando no congresso da entidade na última terça, não fugiu do tema. E tomou outra ideia antiga: o mais importante é a igualdade na partida. Aqui aparece talvez a mais importante missão do Estado: fornecer a todos uma educação de qualidade.
Dito de outro modo, não pode haver um bom capitalismo sem um Estado eficiente, que garanta os bens comuns, como escola, saúde, segurança, mas, sobretudo, a educação.
Sim, esta é uma ideia velha e, sobretudo, praticada largamente com sucesso pelo mundo afora. Aliás, neste aspecto, Barroso mostrou-se internacionalista. Sugeriu que a gente contratasse consultorias internacionais para avaliar a escola brasileira, do fundamental ao superior, e apresentar propostas. O ministro já adiantou algumas, ao comentar a decadência das universidades públicas: “Todo ano começa com uma greve”.
A favor de um tipo de internacionalização, Barroso disse que precisamos de mais intercâmbio com as universidades do mundo, precisamos abrir nossas faculdades para o saber externo, trazendo mestres, com aulas em inglês e espanhol, por exemplo.
De novo, é o que se faz nos países bem-sucedidos em educação. Mas se trata de uma proposta odiada pela elite acadêmica brasileira e, especialmente, pelos sindicatos de professores. Dizem que é para proteger nossa cultura. Na verdade, é reserva de mercado e, sobretudo, medo da competição, da comparação.
Por contraste, ao sugerir a abertura, o ministro Barroso parece um revolucionário.
E também quando sugere um corte radical nos famigerados cargos em comissão — esse instrumento do aparelhamento do Estado e da corrupção, isso agora por nossa conta.
Os números são eloquentes. Cargos em comissão preenchidos no âmbito do governo federal brasileiro, a maior parte com nomeação do presidente da República: 23 mil. Nos EUA, oito mil. Na França, 550. E ainda temos um crescente quadro de concursados.
Barroso defendeu a reforma da Previdência — a necessidade disso “é intuitiva” — o equilíbrio fiscal e, neste item, a recuperação do Orçamento como peça política de alocação de recursos para o benefício da sociedade, em vez do Orçamento assaltado todo ano pelas forças políticas — aqui, de novo, comentário por nossa conta.
O ministro disse que o combate à corrupção em curso é um avanço notável e defendeu a regra pela qual a pessoa deve cumprir pena depois de ter sido condenada em segunda instância.
Tema crucial este, que está para ser revisitado pelo Supremo Tribunal Federal. A tese contrária, resumindo, diz que a pessoa só pode ir em cana depois de condenada em “última, ultimíssima instância”, o STF — o que abre espaço para quem pode contratar bons advogados e, com uma farra de recursos, protelar para sempre o julgamento. Aqui também o acréscimo é nosso.
Barroso citou ainda a reforma política, aliás a primeiro item de seu decálogo. Defendeu o fim das coligações em eleição proporcional — regra pela qual o eleitor não sabe qual deputado elegeu e este não sabe quem o elegeu. Defendeu também a cláusula de barreira — isso para o curto prazo. Para o futuro, a proposta é o sistema distrital misto, como o alemão.
Como políticas públicas, Barroso mostrou a necessidade de um esforço máximo no saneamento básico e preservação do meio ambiente. Aqui, de novo, foi moderno ao comentar ideia velha: é preciso ter um sistema no qual preservar a floresta seja mais lucrativo e mais eficiente economicamente do que destruí-la.
A pergunta que fica é a seguinte: por que a sociedade brasileira simplesmente não copia o que deu certo em outros lugares?
16 de setembro de 2016
Carlos Alberto SArdenberg, O Globo
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