A sabedoria popular consagrou há muito tempo a máxima de que "o combinado não sai caro". Desde que assumiu o comando da economia nacional, há dois meses, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tem seguido à risca o mandamento. Não obstante os super poderes a ele conferidos pelo presidente interino, Michel Temer, o ministro fez das consultas e visitas ao Tribunal de Contas da União (TCU) uma prática quase cotidiana.
As digitais do tribunal estão impressas na raiz do processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff - que, por sinal, nunca quis admitir Meirelles em seu governo, apesar das sucessivas indicações do ex-presidente Lula. A presidente afastada reconheceu, na semana passada, que considera Meirelles "competente". A relação do governo Dilma com o TCU, segundo relatos de ministros do tribunal, foi marcada por arrogância mal disfarçada de apreço. Com o governo Lula, foram cenário para críticas e tentativas de suprimir poderes da corte de contas.
Sabedor do grande potencial do TCU para causar dores de cabeça ao governo, Meirelles tem feito consultas preventivas sobre as medidas que planeja pôr em prática. Para as mais importantes, vem optando por ir pessoalmente ao edifício sede do tribunal, sempre acompanhado por integrantes do primeiro escalão da equipe econômica.
Na primeira investida, em junho, apresentou oficialmente a proposta que permitirá ao BNDES antecipar o pagamento de R$ 100 bilhões devidos ao Tesouro Nacional. O plano - que se vingar resultará em uma contração relevante na dívida bruta do governo - foi bem recebido pelos procuradores do TCU, mas ainda divide opiniões do colegiado de ministros.
Vinte dias depois, o plenário do tribunal já discutia outra consulta de Meirelles: o socorro financeiro de R$ 2,9 bilhões ao Estado do Rio de Janeiro. O ministro pediu - e conseguiu - aval do TCU para abrir um crédito extraordinário por medida provisória. Pedido semelhante foi feito há duas semanas, dessa vez para evitar uma parada geral nos serviços da Justiça trabalhista. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) alega que os cortes excessivos no orçamento de 2016 inviabilizarão seu funcionamento a partir de agosto próximo.
A Constituição determina que os créditos extraordinários só podem ser abertos via MP se o objetivo for atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública.
A cautela de Meirelles se justifica, já que quatro MPs usadas pela gestão Dilma para abrir créditos extraordinários foram consideradas ilegais pelo TCU, que identificou desacordo com os requisitos constitucionais de urgência e imprevisibilidade. Essas irregularidades sustentam o pedido de rejeição das contas de Dilma referentes a 2015. Pela primeira vez na história brasileira, o governo federal poderá ter a contabilidade oficial reprovada por dois anos consecutivos.
Na última quinta-feira, o ministro da Fazenda voltou ao TCU, acompanhado do colega do Planejamento, Dyogo Oliveira, e do presidente interino do Banco Central, Anthero Meirelles. O grupo apresentou um projeto que visa a securitização de ativos da Dívida Pública da União. Trata-se de mais uma tentativa de ampliar as receitas do governo, que precisará "encontrar" R$ 55 bilhões em recursos novos para cumprir a meta fiscal definida para 2017. O plano é transformar uma parte do gigantesco valor que a União tem a receber em títulos que poderão ser vendidos a investidores no mercado financeiro.
Ainda não há um valor definido para ser arrecadado com esses papéis. O que há é o receio de que a transação seja vista pelo TCU como operação de crédito ilegal, acusação que ajudou a afastar Dilma do Planalto. Meirelles fez questão de explicar pessoalmente ao vice-presidente do TCU, Raimundo Carreiro, que a securitização dos recebíveis pretendida nada mais é do que uma operação de venda de ativos.
Independentemente das manifestações do TCU sobre os pedidos, a estratégia de aproximação adotada por Meirelles é crucial para melhorar a interlocução política com o tribunal de contas. Escolhidos por deputados e senadores, e em muitos casos originários do Congresso, os ministros do TCU são autoridades cercadas de técnicos qualificados, mas que têm a política correndo nas veias. O diálogo institucional teria evitado muitos dos problemas de Dilma.
19 de julho de 2016
Editorial Valor Econômico
As digitais do tribunal estão impressas na raiz do processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff - que, por sinal, nunca quis admitir Meirelles em seu governo, apesar das sucessivas indicações do ex-presidente Lula. A presidente afastada reconheceu, na semana passada, que considera Meirelles "competente". A relação do governo Dilma com o TCU, segundo relatos de ministros do tribunal, foi marcada por arrogância mal disfarçada de apreço. Com o governo Lula, foram cenário para críticas e tentativas de suprimir poderes da corte de contas.
Sabedor do grande potencial do TCU para causar dores de cabeça ao governo, Meirelles tem feito consultas preventivas sobre as medidas que planeja pôr em prática. Para as mais importantes, vem optando por ir pessoalmente ao edifício sede do tribunal, sempre acompanhado por integrantes do primeiro escalão da equipe econômica.
Na primeira investida, em junho, apresentou oficialmente a proposta que permitirá ao BNDES antecipar o pagamento de R$ 100 bilhões devidos ao Tesouro Nacional. O plano - que se vingar resultará em uma contração relevante na dívida bruta do governo - foi bem recebido pelos procuradores do TCU, mas ainda divide opiniões do colegiado de ministros.
Vinte dias depois, o plenário do tribunal já discutia outra consulta de Meirelles: o socorro financeiro de R$ 2,9 bilhões ao Estado do Rio de Janeiro. O ministro pediu - e conseguiu - aval do TCU para abrir um crédito extraordinário por medida provisória. Pedido semelhante foi feito há duas semanas, dessa vez para evitar uma parada geral nos serviços da Justiça trabalhista. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) alega que os cortes excessivos no orçamento de 2016 inviabilizarão seu funcionamento a partir de agosto próximo.
A Constituição determina que os créditos extraordinários só podem ser abertos via MP se o objetivo for atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública.
A cautela de Meirelles se justifica, já que quatro MPs usadas pela gestão Dilma para abrir créditos extraordinários foram consideradas ilegais pelo TCU, que identificou desacordo com os requisitos constitucionais de urgência e imprevisibilidade. Essas irregularidades sustentam o pedido de rejeição das contas de Dilma referentes a 2015. Pela primeira vez na história brasileira, o governo federal poderá ter a contabilidade oficial reprovada por dois anos consecutivos.
Na última quinta-feira, o ministro da Fazenda voltou ao TCU, acompanhado do colega do Planejamento, Dyogo Oliveira, e do presidente interino do Banco Central, Anthero Meirelles. O grupo apresentou um projeto que visa a securitização de ativos da Dívida Pública da União. Trata-se de mais uma tentativa de ampliar as receitas do governo, que precisará "encontrar" R$ 55 bilhões em recursos novos para cumprir a meta fiscal definida para 2017. O plano é transformar uma parte do gigantesco valor que a União tem a receber em títulos que poderão ser vendidos a investidores no mercado financeiro.
Ainda não há um valor definido para ser arrecadado com esses papéis. O que há é o receio de que a transação seja vista pelo TCU como operação de crédito ilegal, acusação que ajudou a afastar Dilma do Planalto. Meirelles fez questão de explicar pessoalmente ao vice-presidente do TCU, Raimundo Carreiro, que a securitização dos recebíveis pretendida nada mais é do que uma operação de venda de ativos.
Independentemente das manifestações do TCU sobre os pedidos, a estratégia de aproximação adotada por Meirelles é crucial para melhorar a interlocução política com o tribunal de contas. Escolhidos por deputados e senadores, e em muitos casos originários do Congresso, os ministros do TCU são autoridades cercadas de técnicos qualificados, mas que têm a política correndo nas veias. O diálogo institucional teria evitado muitos dos problemas de Dilma.
19 de julho de 2016
Editorial Valor Econômico
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